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Herói do atletismo brasileiro lamenta esquecimento de seu recorde mundial

Ronaldo da Costa, ex-recordista da maratona, hoje trabalha no DF - Daniel Brito/UOL
Ronaldo da Costa, ex-recordista da maratona, hoje trabalha no DF Imagem: Daniel Brito/UOL

Daniel Brito

Do UOL, de Brasília

01/10/2014 06h00

Em meio à névoa seca e debaixo do sol inclemente desta época do ano em Ceilândia-DF, trabalha diariamente um dos nomes mais importantes do esporte brasileiro. Ronaldo da Costa, 44, mineiro da cidade de Descoberto, localizada  300km de Belo Horizonte, é o único atleta do país a figurar na lista dos recordistas mundiais de maratona, e hoje se dedica a auxiliar os treinamentos de um projeto esportivo mantido pelo campeão olímpico Joaquim Cruz no Distrito Federal.

E lá se vão 16 anos desde que Ronaldinho, como ficou conhecido, cruzou de forma triunfal a linha de chegada da Maratona de Berlim, em 20 de setembro de 1998, com o tempo de 2h06min05. Tão surpreendente quanto a marca foi a comemoração: Ronaldinho deu duas estrelinhas, ainda girou o corpo e ensaiou uns passos de samba após vencer os 42.195 metros de prova.

Havia motivos para tanta festa. A marca anterior, pertencente ao etíope Belayneh Dinsamo, era 45 segundos mais lenta que a do mineiro e perdurava havia 10 anos. Ele foi o primeiro maratonista da história a completar um quilômetro dentro da prova abaixo dos 3min. Ronaldinho caiu nas graças da imprensa após o feito, graças ao jeito irrequieto e irreverente.

Há no YouTube vídeos de reportagens compiladas com o atleta em diversas situações e nos mais variados programas da TV brasileira: desde os telejornais esportivos até o Jornal Nacional. “Pesquisa meu nome lá na internet, para você ver. Tem um monte de imagem minha”, pede Ronaldinho à reportagem do UOL Esporte, na manhã de terça-feira, 30.

O pedido revela uma mágoa por ter caído no esquecimento popular. Ronaldinho, que em 1994 quebrou um jejum de 9 anos do Brasil na São Silvestre, nunca mais conseguiu chegar ao tempo de Berlim-1998 e sua presença na imprensa foi minguando com o baixo desempenho. Mas nem quando o queniano Denis Kimetto estabeleceu recorde mundial da maratona, também em Berlim, nesse domingo, 28, o nome de Ronaldo da Costa foi lembrado. Kimetto, 30, correu para 2h02min57, mais de quatro minutos mais rápido que o índice do brasileiro em 1998.

“O que me deixa triste não é a vitória ou novo recorde em Berlim. O que me deixa triste é o fato que eu fui um heroi brasileiro, sabe? Eu estou aqui pronto para ajudar a divulgar o atletismo e ninguém me procura”, desabafa.

Não fosse pelo brasiliense Joaquim Cruz, que é chefe do atletismo paralímpico dos Estados Unidos, mas mantém um projeto da modalidade na Ceilândia, na periferia de Brasília, o ex-maratonista estaria relegado ao esquecimento. Há dois anos, ele convidou Ronaldinho para ajudá-lo no projeto. Tirou o ex-recordista de São João Nepomuceno, no interior de Minas Gerais, e o livrou de uma depressão profunda. “Tentei até me suicidar. Graças a Deus não deu certo”, relatou.

Os detalhes de sua conquista, da depressão e a tentativa de suicídio, ele contou nesta entrevista ao UOL Esporte.

UOL ESPORTE: Um queniano acaba de repetir o que você fez 16 anos atrás e estabelecer novo recorde mundial da maratona. O que você sente quando vê sua marca de 1998 ficando cada vez mais distante?
Ronaldo da Costa: 
É a evolução, é assim mesmo. Meu tempo já passou. Agora estão vindo esses caras do Quênia aí com tudo, é normal.

Sua conquista de 1998 foi esquecida?
Não. No ano passado eu fui lá em Berlim. Sou mais reconhecido lá do que aqui no Brasil. Andava de BMW só para mim, tapete vermelho e tudo mais. Eram só os recordistas. Vimos umas corridas, fomos nos colégios da cidade, conversamos com as crianças.

E no Brasil?
Ah, no Brasil, eu não quero criticar ninguém, mas não sei o que acontece com a CBAt [Confederação Brasileira de Atletismo], porque eu fui um heroi brasileiro, estou aqui pronto para ajudar, a divulgar o atletismo. Quero saber o que eu fiz de errado para o atletismo brasileiro? Eu estou aí pronto para ajudar. Eu já fui o melhor do mundo na maratona.

Por esse motivo você entrou em depressão?
Não, a depressão começou em 2000, 2001, quando eu já tinha perdido o gosto pelo atletismo. E tinha aquela pressão do pessoal perguntando, mas eu não estava pronto para aquilo. Só ia correr porque o empresário [o colombiano Felipe Possi] estava me mandando. Eu sabia que não tinha desaprendido a correr. Eu treinava muito, mas na hora da prova o resultado não saía. Esse era o problema.

O empresário foi honesto com você?
Não sei...Ah, foi honesto, foi honesto. Mas não quero nem entrar nesses detalhes. Porque já passou. Mas hoje eu não faria o que eu fiz naquela época com o dinheiro. Ganhei uns US$ 100 mil como prêmio em Berlim. Eu ligava pedindo o dinheiro, mas era uma falação danada, um choro danado para me dar meu dinheiro. Aí eu tive problema com a carteira de motorista, porque eu estava usando uma que era comprada e a polícia descobriu. Gastei dinheiro com advogado. Eu também estava em processo de separação da minha primeira mulher. Tudo isso foi juntando para virar uma bomba-relógio.

Mas por que você perdeu a vontade de competir?
Só sei que não podiam nem falar de atletismo perto de mim. Eu tinha ódio, eu tinha nojo do atletismo. De 2001 até 2005 eu não aguentava. Corria umas provas, mas não gostava do que estava fazendo. Quando passava São Silvestre na televisão, eu fugia pro mato, não ficava dentro de casa para ver. Voltava só uma hora depois.

Como você superou isso?
Foi difícil, eu queria me matar. Minha vida tinha acabado, eu não queria saber de mais nada. Teve um dia que eu meti um prato na minha cabeça. Fui na cozinha, peguei um prato, entrei no meu quarto sozinho e meti o prato na cabeça. O prato quebrou todo no chão, doeu na cabeça mas nem me machucou, graças a Deus. Aí nunca mais pensei nisso.

Como você se mantinha neste período que estava sem competir ou trabalhar?
Eu recebia dinheiro de alguns imóveis que comprei ao longo da carreira, mas, por exemplo, chegava na segunda-feira, não tinha nada para fazer. E na cidade pequena do interior, não tem perspectiva. Em 2007, eu decidi montar um grupo de corrida de crianças em Belo Horizonte. Depois que acabou, eu voltei para o interior e caí em depressão de novo. A ideia que eu tive para sair daquela foi entrar para a política, ia me candidatar a vereador para me distrair. Quando recebi a proposta para trabalhar aqui no Instituto Joaquim Cruz, em 2012, eu vim rapidinho. E teve gente que falou que eu era louco, que não deviam me trazer para cá.

E agora, qual é sua perspectiva?
Agora eu vou ser universitário. Estou terminando o ensino médio e lá onde eu estudo, tem gente com 150 anos de idade e está aprendendo normalmente. Só tenho aprendido coisa boa aqui. O negativo eu estou jogando fora. Vou prestar vestibular para educação física aqui em Brasília e depois tentar ser professor. De que adianta ser campeão e não ter o conhecimento para passar para os alunos. Se você é professor, as pessoas te olham de outro jeito, vão me chamar de "professor Ronaldo da Costa”. Hein? Já pensou?