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Jô Soares relembra causos de tio técnico e torcida 'pé-quente' no bi mundial

Jô Soares mostra livro publicado pelo tio Kanela: obra contou com foto autografada do apresentador - Daniel Neves/UOL
Jô Soares mostra livro publicado pelo tio Kanela: obra contou com foto autografada do apresentador Imagem: Daniel Neves/UOL

Daniel Neves

Do UOL, em São Paulo

24/05/2013 06h00

No dia 25 de maio de 1963, o Brasil alcançou seu melhor momento na história do basquete ao sagrar-se bicampeão mundial. A conquista foi especial para um jovem de 25 anos, que estava nas arquibancadas do Maracanãzinho torcendo pelo tio famoso que comandava a seleção nacional: Jô Soares, sobrinho do técnico Kanela e presença ilustre na partida decisiva contra os Estados Unidos.

“Nesse jogo eu fiquei muito emocionado, pois fui assistir lá de perto dele”, contou o apresentador em entrevista ao UOL Esporte. “Em 1959 estava em Petrópolis e acompanhei pelo rádio. Mas no segundo Mundial eu pude ir ao Maracanãzinho no jogo contra os Estados Unidos. Lembro que tinha um americano baixinho que jogava uma barbaridade”, completou.

Togo Renan Soares, o Kanela, era uma celebridade nacional em 1963. O sucesso como técnico de basquete, futebol, remo e pólo aquático, mesmo sem nunca ter sido atleta, além do temperamento explosivo e as constantes confusões, encantavam o jovem sobrinho.

“Era uma figura fascinante. Meu contato no dia a dia com ele era muito pouco, mas tinha uma admiração enorme por ele. Era um marginal, um cara que se dedicava a fazer aquilo que amava e que fazia bem. E tinha um gênio pavoroso, de puxar brigas incríveis”, afirmou Jô.

JÔ SOARES CONTA CAUSOS DE KANELA: MEDO DA ÁGUA E MUITAS CONFUSÕES

  • BRIGA COM TORCEDORES NO BOTAFOGO
    “Uma vez fui com ele ao campo do Botafogo, em General Severiano. Devia ter no máximo oito anos. De repente, no meio do primeiro tempo, ele falou para mim ‘Zezinho, fica sentadinho aqui quietinho que o tio Kanela vai ali do outro lado bater naquele canalha que está sentado ali e já volta’. Foi lá, brigou com o cara e voltou. A partir desse dia meu pai falou ‘nunca mais você leva meu filho a um jogo’”

  • MEDO DA ÁGUA
    “Por causa dos esporros que dava, os remadores, de sacanagem, ficavam balançando o barco. Aí ele falava com uma doçura incrível ‘vou pedir aos senhores remadores, que já estão cansados, por favor vamos voltar. O treino de hoje foi muito exaustivo’. Quando saltava do barco, dava um esporro monumental: ‘vocês querem me matar’”

  • AMEAÇAS AO JUIZ
    “Fui uma vez [no Flamengo] em um jogo em que ele estava suspenso. [Kanela] Estava sentado lá em cima e o juiz que estava apitando era o mesmo que ele tinha dado um tapa e sido suspenso. Aí ele gritava lá de cima: ‘já apanhou e vai apanhar de novo’. E a torcida toda dava força: ‘é isso mesmo seu Kanela, esse juiz é um filho da p...’".

  • CHUVA? APENAS NA QUADRA
    “Quando estava com jogadores machucados, tinha vezes que saía e encharcava a quadra, que era externa, de madrugada. Todo mundo presumia que tinha chovido de madrugada. Uma vez alguém falou ‘nossa seu Kanela, engraçado que choveu só na quadra’. E ele respondeu ‘cala a boca, não fala nada’. Era uma figura".

A presença de Kanela na casa da família Soares era esporádica devido a sua rotina de constantes viagens e competições. Mas eram comum os encontros com o sobrinho em uma das paixões do treinador: as corridas de cavalo.

“De vez em quando ia almoçar lá em casa ou jantar, mas encontrava mais com ele no Jockey Clube. Ele adorava corrida de cavalo. Chegava de uma viagem e nem passava em casa, ia direto se fosse dia de corrida”, disse Jô.

Apelidado na infância por suas canelas finas, Togo também era Kanela (grafado com K por escolha do próprio treinador) para seus familiares. O bom relacionamento com o sobrinho tornou-se admiração com o sucesso de Jô Soares, que chegou a entrevistá-lo.

Em livro produzido por Kanela e colaboradores em 1992, o treinador publicou foto autografada dada pelo sobrinho em 1979. “Quero viver mais dez anos para assistir diariamente aos seus programas”, escreveu na legenda o treinador, que morreu apenas seis meses depois.

"Era uma figura queridíssima. Uma vez eu o entrevistei junto com o Amaury e dava para ver o carinho com que era tratado. Guardo com muito carinho todas as lembranças que tenho do meu tio Kanela", comentou o apresentador.

QUEM FOI TOGO RENAN SOARES, O KANELA

  • Paraibano de nascimento, Kanela foi para o Rio de Janeiro na adolescência e estudou sob a disciplina do Colégio Militar. Sem sucesso como atleta, tornou-se técnico de remo e polo aquático do Botafogo antes de se arriscar no futebol. Nos gramados, foi responsável por descobrir Domingos da Guia e convencê-lo a jogar como zagueiro pelo Bangu, em 1929.

    Na década de 40, decidiu dedicar-se exclusivamente ao basquete. Com o Flamengo, foi 12 vezes campeão estadual, incluindo o decacampeonato entre 1951 e 1960. Assumiu a seleção brasileira em 1954 e foi responsável pelas maiores conquistas do país na modalidade. Foram dois títulos mundiais (59 e 63), dois vices e a medalha de bronze na Olimpíada de Roma-1960.

    Estudioso do jogo, Kanela ainda introduziu no basquete brasileiro os chutes da ‘zona morta’, o ‘jump’ (arremesso após salto) e a marcação por pressão. Morreu em 1992, aos 86 anos.

CAMPEÕES MUNDIAIS DIVERGEM SOBRE OS MÉTODOS DE KANELA

  • WLAMIR MARQUES, CAPITÃO DO BRASIL NO BI-MUNDIAL
    “Tive três problemas com ele, mas nunca trocamos qualquer palavra brusca. Todas as brigas que tivemos foram de acertos que ele não concordou. O Brasil não teria conseguido esses feitos se não fosse a mão de ferro dele. Podia não ter uma técnica espetacular, mas lia muito e sabia como levar o time. Comandava bem a sua tropa”

  • AMAURY PASOS, MELHOR JOGADOR DO MUNDIAL-63
    “Convivi com o Kanela por 16 anos sem nenhum problema. Foi uma grande personalidade do basquete brasileiro, o grande ator dessas conquistas. Seu temperamento era histórico, usava todos os artifícios para que pudéssemos ganhar”

  • JATYR, CAMPEÃO MUNDIAL EM 1959 E 63
    “Só tinha bom relacionamento com dois jogadores [Amaury e Wlamir]. Não só respeitava, como acatava e ouvia. O restante era na base da porrada, podendo menosprezar, ele faria. Era um técnico bem radical. Vamos dizer que eles tinham uma patente superior, os outros eram soldados rasos”

  • SUCCAR, RESERVA NA CONQUISTA DO BI-MUNDIAL
    “Nunca jogou basquete na vida, mas tinha uma coisa própria dele que conseguia se relacionar e ter a técnica do basquete. Tinha muita autossuficiência. Era um técnico privilegiado, nunca jogou basquete ou esporte nenhum”