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Magnano compara Brasil e Argentina e condiciona pódio a comprometimento

Luiz Paulo Montes

Do UOL, em São Paulo

12/11/2013 06h00

Rubén Magnano passou cerca de um mês afastado do basquete. Com problemas pessoais, teve pouco tempo para refletir sobre os motivos que culminaram no vexame da seleção brasileira de basquete na Copa América, quando perdeu todos os jogos e não conseguiu uma vaga para o Mundial de 2014, na Espanha.

Agora, de volta ao Brasil, a reflexão começou. E, na opinião dele, os resultados ruins passam, inevitavelmente, pela falta de comprometimento de jogadores com a equipe. O tema não é novo. Mas o técnico argentino não se cansa de bater nesta tecla. “Temos que fazer um trabalho urgente para avaliar o que está acontecendo”, afirmou Magnano, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

O treinador, campeão olímpico em 2004 com a seleção de seu país, faz uma pequena comparação entre o basquete brasileiro e o argentino no quesito comprometimento. E lembra que, ao longo de quatro anos, não teve sequer um pedido de dispensa de atleta convocado. No Brasil, a cada convocação ao menos um pede para não integrar o grupo. Para a Copa América, o número chegou a oito – Nenê, Tiago Splitter, Anderson Varejão, Vitor Faverani, Lucas Bebê, Leandrinho, Marquinhos e Augusto Lima.

Durante uma conversa de 40 minutos, Rubén Magnano falou diversas vezes em ‘comprometimento’. E, apesar das críticas públicas aos que pediram dispensa, o argentino diz que abre portas para todos. Em tempo: o Brasil busca uma vaga no Mundial por meio de um convite da Fiba (Federação Internacional de Basquete), e um dos critérios é ter no torneio a presença dos principais jogadores. O anúncio dos "convidados" para o Mundial sairá só no início de fevereiro, às vésperas da competição. 

Confira os principais trechos da entrevista:

UOL Esporte:  Mais de um mês depois da Copa América, você consegue identificar o que levou aos maus resultados e a não-classificação para o Mundial?
Rubén Magnano: Acho que são muitas variáveis para analisar. Tem que ser feita uma avaliação de comprometimento, por esse tanto de pedido de dispensas. Um trabalho urgentemente teria de ser feito para avaliar o que está acontecendo. Por que não conseguimos trazer os jogadores para a seleção? Esse é o trabalho mais importante. Da parte técnica, tenho resposta. O volume de jogo que o Brasil teve não foi o que eu esperava. Nosso percentual ofensivo diminuía muito no ataque fixo. Fizemos muitas cestas em contra-ataque e transição. (...) Tivemos jogadores que sofreram adversidades na convocação, teve gente machucada. Mas é o que menos me preocupa. A primeira variável é o comprometimento. Isso temos que trabalhar muito e de forma bem objetiva.

UOL Esporte: Você pretende conversar com os jogadores pessoalmente ou vai deixar isso a cargo da CBB?
Rubén Magnano: Eu não vou me esconder atrás da CBB, nunca fiz isso e não vou fazer agora. Não tenho problema de falar com algum jogador. Falei sempre e vou continuar falando. O melhor que tem no esporte é a capacidade de comunicação, em todas as empresas. E mais ainda em uma seleção, em uma equipe. Precisa de comunicação. Não estamos em condições de fechar portas, ficar com rancor. Temos que ser inteligentes para mirar à frente, continuar tentando dar uma imagem de equipe. Precisamos que os nomes estejam prontos para a equipe.

UOL Esporte:  Dos jogadores da NBA que pediram dispensa, qual caso mais te preocupa?
Rubén Magnano: Eu não vou falar de um só. E acho que não temos que avaliar só os da NBA. Ainda temos que avaliar os jogadores daqui. Tudo recai sobre os da NBA. Não, tem os da NBA, os da Europa e os nacionais, que têm tanta responsabilidade como os outros. Qual me preocupa? Todos. Em uma convocação, quanto mais quantidade, maior a capacidade de escolha. E isso permite pegar e fazer o melhor trabalho possível para a seleção. Pode ter um pouco mais de simpatia com um ou outro, mas isso não entra na avaliação. Tem que fazer avaliação esportiva. E também avaliação de comprometimento.

UOL Esporte:  Mas então nenhum jogador tem ‘portas fechadas’ na seleção?
Rubén Magnano:
Não, não. É claro que eu tenho que escutar a CBB. Eu falo como treinador. Tenho reunião, não sei qual a avaliação que fazem deles, e como vai continuar para o futuro. Não sei o que pensam a respeito dos jogadores. Estou falando uma coisa muito pessoal.

UOL Esporte:  É possível montar uma equipe sem jogadores da NBA e Europa? Ou seja, apenas atletas que atuam no Brasil?
Rubén Magnano:
Claro que é possível. Agora, sem dúvida que a qualidade da equipe não seria a mesma. Estamos falando de jogadores de altíssimo nível, que vão produzir muito. Não me conformo de pensar assim. Se acontecer, tem que se preparar. Mas deixar eles fora da convocação, sem considerar nada, estamos errados. Se vão ficar ou não vão ficar, é problema do treinador. Falando de caras comprometidos, caras com intenção de defender o país, são jogadores tops. Até os Jogos Olímpicos, o Brasil era respeitado por todo mundo e isso não é fácil de conseguir.

UOL Esporte:  O que você achou das vaias ao Nenê no jogo-exibição da NBA no Rio de Janeiro?
Rubén Magnano:
Não estive lá, não gosto muito de falar de coisa que não escuto, não gosto de falar de suposições. Mas o que aconteceu lá é uma situação triste, um jogador de seleção ser vaiado. Às vezes recebemos os parabéns, e às vezes recebemos isso (vaias). Fiquei triste, (Nenê) é um cara que faz muito pouco tempo que vestiu a camisa do Brasil nos Jogos Olímpicos. Sobretudo, porque eu sei o que está acontecendo com seu físico, está suportando muito. Ele sofre muito. É complicada essa situação, vive machucado. Eu vivi de perto com ele, fui a Washington e pude sentir. Ele tem esperança de que possa passar, mas é crônico, difícil. Gente que não está perto da situação faz avaliação muito ligeira.

UOL Esporte:  Mas as vaias foram justas?
Rubén Magnano:
 Eu não falo que são justas ou não são justas. Não estive lá, não sei o que provocou a vaia. Isso é uma coisa sintomática do povo, que acha que o cara deu as costas para a seleção. Ele não teve a intenção de dar as costas. Todos pensam que estou ‘justificando’ o Nenê. Não é, não gosto disso. Eu sei da situação, o que ele está sofrendo. 

UOL Esporte:  O Oscar tem criticado muito a seleção por não ter conseguido a vaga para o Mundial. Recentemente, ele disse que seria uma vergonha o Brasil ir ao Mundial com convite. O que acha disso e das críticas dele aos jogadores?
Rubén Magnano:
  Não vou entrar nesse negócio de Oscar. Não vou falar. Eu acho que vergonha é você roubar. Isso é vergonhoso. Vergonha é mentir. Particularmente, se o convite vem, ele é muito responsável pelo histórico que o Brasil tem. Acho uma atitude egoísta pensar assim, querer que não vá. Ele tem que sentir-se parte desse convite. Ele está dentro como todos do basquete brasileiro. Ele tem que sentir a importância que tem seu país dentro do Mundial.

UOL Esporte:  Qual a sensação que você ficou de não conseguir a vaga para o Mundial? Está confiante que o Brasil ganhará o convite?
Rubén Magnano: 
Eu tenho que falar a sensação que tenho. Não vai demorar muito tempo para passar, tem que evoluir, mas vem do momento que a equipe não teve a classificação até agora; É de tristeza, muito triste. Estamos trabalhando duro para pegar essa vaga, não sei se conseguimos. Mas claro que gostaria de conseguir a vaga esportivamente. Entendo que hoje, se tivermos o convite, é muito bem-vindo. Tem que ser assim, para não perdermos espaço de competição. Para nós seria muito favorável. A última competição de máximo nível que tivemos deixou uma imagem boa (Olimpíada).

Temos de ir crescendo com isso. Infelizmente, não aconteceu (vaga na quadra). Temos que lutar, tentar. A CBB está fazendo um trabalho importante. Sei que não é fácil, são muitos países na disputa. Mas temos de entender o que acontece. O Brasil está em 9º lugar no ranking da Fiba Américas. Vem de um quinto lugar na Olimpíada. Tem um histórico de Mundial e Olimpíada muito bom. A Fiba não pode dar as costas para esta situação. Acho que vamos estar na luta. Eu tenho esperança, sei que não é fácil. Passa por trabalho político muito forte, que vamos ter que ficar muito de olho nisso. Eu tenho esperança, e acredito que pode acontecer de vir a vaga.

UOL Esporte:  Se o convite não vier, e o Brasil ficar fora do Mundial, o quanto isso prejudicaria seu planejamento para 2016?
Rubén Magnano:  Você estaria perdendo um Mundial, uma competição de máximo nível. Em número de país, dentro da Fiba, veja a importância do Mundial. Atrapalhar esportivamente, pode atrapalhar pelo fato de não jogar com grandes equipes, e em algumas modificações quanto às posições dos jogadores, posicionamentos, algumas coisas para 2016. Agora, sem Mundial, a CBB tem que ter um plano B, sem dúvidas. Para não perder a competição dos jogadores, tentar respeitar a questão técnica, ir mexendo alguns pontos. Mas essa resposta não tenho agora, preciso esperar a reunião com a dirigência. 

UOL Esporte:  Por falar em reunião, está acertado que você fica até os Jogos de 2016? Isso é garantido?
Rubén Magnano:  
Eu tenho contrato até julho de 2014, renovável até 2016. Hoje, até julho de 14 eu sou treinador da seleção nacional. O futuro está nas mãos das duas partes, minha e da CBB. Qualquer um dos dois pode pegar a cláusula e ficar fora. Pode ser que não continue. Mas minha cabeça é continuar com esse processo que estamos levando adiante.

UOL Esporte:  Depois de quase quatro anos de trabalho na seleção, qual a sua visão sobre o trabalho?
Rubén Magnano:
Depois de muito tempo viajando pelo país, eu acho que tem muita coisa a se fazer ainda. Falta coisa a fazer. Felizmente, temos uma Liga Nacional que está crescendo ano a ano. Inteligentemente, criaram a Liga de Desenvolvimento. E em outra cota de inteligência, colocaram 28 jogos como mínimo para as equipes. No ano passado teve time que jogou cinco. Para um menino de 18 anos, competir é muito importante. É o que precisamos. Não temos basquete competitivo das crianças. Acho que era obrigação os clubes tenham meninos de 8 a 12 anos. Não vejo competição, e precisamos disso. 

Temos que trabalhar muito a massificação do basquete. Estrutura, temos que trabalhar muito. E recuperar os clubes é um passo interessante. Temos que fazer isso. A seleção de base é espelho do que acontece nos clubes do Brasil inteiro. É produto do que estão fazendo nos clubes. Tem que ampliar a base, mas não de hoje para amanhã. E temos que acelerar o processo. Você acha que um atleta entra no forno e sai um jogador olímpico? Eu não entendo. Passam diversos jogadores para virar um olímpico. Passa pela estrutura, jogar por clube, em uma seleção. É diferente jogar 10 dias ou 10 meses. Eu falo de 2016, mas falo do futuro do basquete do Brasil. Tudo que está acontecendo embaixo temos que ficar de olho.

UOL Esporte:  Você mudaria alguma coisa no que foi feito até aqui?
Rubén Magnano: 
Eu agradeço todas as possibilidades dadas pela CBB, ela não deixou de atender nunca meus pedidos como treinador. E tratou de acordo com as possibilidades que tem, para dar tudo para que os jogadores se sintam respeitados. Percentualmente, vamos falar que a CBB trabalhou quase 100% nisso. Quanto à programação, tempo de trabalho, eu tento sempre melhorar. Mas eu acho que não tem muito o que mudar no que foi feito.

UOL Esporte:  O que representaria uma medalha olímpica no Brasil? Um argentino, comandando o Brasil...
Rubén Magnano: 
Representaria muita coisa. Acho que seria um espelho muito importante não só para o esporte, para o basquete. Seria um agente multiplicador de garotos, de meninos, jogando basquete. Sem dúvida seria um passo importante. Precisamos de uma coisa dessa. Mas lutar por uma medalha não é coisa da noite para o dia. Se o Brasil tiver comprometimento dos jogadores, estaremos perto disso. A última coisa que vou deixar é sonhar que podemos. Sempre quero um pouquinho mais. 

Eu não mexo com isso de Argentina, Brasil, técnico argentino. Gostaria muito que o Brasil tivesse uma atuação relevante nos Jogos Olímpicos. Não por ser técnico argentino, absolutamente. É pelo basquete. Acho que é por isso, eu ia me sentir muito feliz, muito feliz. Sem dúvida colaborei para que isso acontecesse. 
 
UOL Esporte:  Você, mais uma vez, falou em comprometimento. É algo que você preza muito. Durante o período que você comandou a seleção argentina, você via comprometimento neles? Essa é a diferença para o basquete brasileiro?
Rubén Magnano:
(silêncio) Eu não sei se é a diferença. Mas falo com fatos: durante quatro anos na Argentina, não tive pedido de dispensa no ciclo olímpico. Não tive. E aqui, em não muito tempo, eu vivi, sofri uma quantidade alta de pedidos de dispensas. Bom, por isso te falo, por isso falo muito de comprometimento. A última palavra, de vir ou não vir, é do jogador. Ninguém mais absoluto que a verdadeira matéria prima que tem no esporte, que é o jogador. Então... Temos que saber o que significa para ele (jogador) representar o país. Jogador tem que vir com felicidade, gana, vontade de representar o país. Eu tenho essa maneira de ver a coisa. Não estou falando com verdade absolutas. Eu tive minha experiência lá, e estou tendo aqui, vendo o que está acontecendo e tratando de fazer o melhor possível.