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Primeiro jogador brasileiro na NBA inventou lesão e teve camisa roubada

Fábio Aleixo

Do UOL, em São Paulo

10/10/2014 06h00

Um abraço no porteiro, uma lesão inexistente e uma camisa roubada. Estas são apenas algumas das muitas recordações que Rolando Ferreira, o primeiro brasileiro a atuar na NBA, guarda de sua rápida passagem pelo Portland Trail Blazers, franquia pela qual disputou 12 partidas e anotou nove pontos. O ex-pivô, que tem hoje 50 anos e trabalha como diretor da International School of Curitiba (ISC), foi um desbravador nacional em uma época que a liga americana era bastante fechada para estrangeiros. Uma realidade bem diferente da atual, quando a NBA faz até partidas em outros países, como a que ocorrerá neste sábado no Rio de Janeiro, entre Miami Heat e Cleveland Cavaliers.

Rolando entrou na liga americana no draft de 1988. Saído da Universidade de Houston, foi selecionado na segunda rodada (26ª escolha no geral). Na hora da escolha, ele não estava nos Estados Unidos. Passava férias no apartamento da sua mãe, em Curitiba (PR), e estava sozinho. Após receber a ligação de seu agente o informado sobre o resultado do Draft, a primeira pessoa que procurou para contar a novidade foi a sua namorada e atual esposa. Porém, não teve sucesso.

“Não tinha com quem compartilhar a notícia. Na época, obviamente, nem existia celular. Liguei para minha namorada e ela não estava em casa. Eu estava muito emocionado e tinha de desabafar com alguém. Fui conversar com o porteiro. Ele não entendia nada de basquete, nem sabia o que era NBA. Só sei que estava muito feliz e precisava falar com alguém”, relembrou Rolando em entrevista ao UOL Esporte.

Após a escolha, Rolando, que á época tinha 24 anos, viajou para os Estados Unidos e participou de toda pré-temporada do Portland. Em um jogo de novatos, anotou 26 pontos e foi taxado pela imprensa americana como “um jovem e promissor talento”. Em 4 de novembro de 1988, fez sua estreia em partida contra o Phoenix Suns. Em quatro minutos, anotou apenas um ponto. Como novato, teve poucas chances nos 11 jogos seguintes, sempre entrando nos minutos finais e tendo pouco tempo para mostrar seu talento.

“A coisa não ia acontecendo e me dava nervoso. Jogar com a peãozada era fogo. Quem entra nos minutos finais, tem pouco tempo de mostrar trabalho e ninguém passa a bola. Eu tinha de dar um jeito de pegar rebotes e arremessar. Era difícil”, disse.

O ex-pivô totalizou somente 34 minutos em sua passagem pela liga, abreviada por uma manobra um tanto quanto discutível da direção do Portland. Rolando foi obrigado a simular uma lesão para abrir espaço no elenco para a volta de Kiki Wandweghe, um dos principais astros daquela equipe, dono de um polpudo salário e que tinha acabado de se recuperar de uma lesão. O brasileiro saiu da lista de 12 jogadores ativos e acabou encostado.

“Me senti o pior cara do mundo. Não precisava ter suportado isso, pois tinha um contrato garantido por três temporadas. De dezembro até o começo dos playoffs (em abril), fingi que tinha uma lesão no joelho. Ia para a musculação apenas e ficava com gelo no joelho, mesmo sem ter nada. Acompanha a equipe nas partidas, mas ficava apenas ali sentado de terninho. Me arrependo de ter aceitado isso”, afirmou Rolando, que havia assinado um contrato que lhe renderia US$ 735 mil ao longo de três temporadas.

Após o corte do Portland, Rolando foi mandado pela franquia americana para jogar na França e mais tarde na Itália. Entre estas idas e vindas, participou de mais treinos de pré-temporada, mas não conseguiu convencer os dirigentes que poderia seguir atuando em bom nível na NBA.

“Recebi uma carta que não tinha alcançado os requisitos mínimos. Meu agente se propôs a procurar outro time para mim, mas não quis, fui orgulhoso demais. Resolvi voltar para o Brasil e jogar pelo Monte Líbano, mas com a esperança de retornar à NBA, o que nunca aconteceu”, disse o ex-pivô.

Depois de jogar em mais alguns clubes do país, como Guarulhos e Banco Bandeirantes antes de acertar com o Pinheiros. E, em um dia normal de treinos, no clube paulista acredita ter perdido de vez um objeto de valor inestimável: a camisa de número 32 que usou no Portland.

“Hoje, só tenho um pôster e algumas fotos desta passagem. A última vez que vi esta camisa foi em 1998 ou 1999, quando estava no Pinheiros. Lembro que andava com ela na bolsa e depois nunca mais eu a encontrei. Se alguém achá-la, dou duzentão (reais)”, brincou Rolando.

Aposentado em 2000, após defender o Unisanta, de Santos,  Rolando se dedicou à carreira universitária e acadêmica. Tornou-se professor e também palestrante. Com o basquete profissional, não tem mais contato algum. É apenas um espectador da modalidade. A falta de reconhecimento também é algo comum em sua vida nos dias de hoje.

“Pouca gente sabe que joguei na NBA, faz muito tempo. Infelizmente, nossa cultura é só futebol e Oscar. Não tenho nada contra o Oscar, pelo amor de Deus, mesmo porque joguei mais de 20 anos com ele. Mas quando se fala de basquete, só lembram do Oscar, me perguntam se joguei com ele”, afirmou Rolando.

“Me sinto orgulhoso por ter passado pela NBA, não pelo fato de ter sido o primeiro, mas sim por saber que ajudei no crescimento e hoje temos brasileiros entre os melhores do mundo, é muito legal isso”, completou Rolando, que por conta de compromissos pessoais não verá o jogo entre Miami e Cleveland na Arena da Barra, no Rio de Janeiro.