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Médico de 52 anos troca o futebol de várzea pelo boxe e fatura cinturão

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

15/08/2014 06h00

Por trás de uma rotina carregada em que passa os dias em um centro cirúrgico operando pacientes com problemas ortopédicos, Hairton Campos esconde uma faceta que ninguém que o vê com o traje branco de médico e seus cabelos grisalhos poderia imaginar.  Aos 52 anos, ele veste outras luvas em suas horas vagas, bem maiores e vermelhas: as de boxe. E ainda ostenta um cinturão conquistado há poucas semanas.

Hairton é o novo campeão Mundo Hispano da categoria cruzador, pelo Conselho Mundial de Boxe (um título intercontinental oferecido pela consagrada entidade). No fim de julho, em São Paulo, ele enfrentou um boliviano 20 anos mais jovem e com 20 vitórias no cartel, Esteban Hillman Tababary. O paranaense venceu por pontos, em dez rounds, mostrando que seus tempos de jogador de futebol de várzea lhe deixaram com fôlego de menino.

Treinado pelo segundo brasileiro campeão mundial de boxe, Miguel de Oliveira, Hairton sempre dividiu seus tempos. A rotina mais séria e que ocupa sua semana sempre foi a medicina. Natural de Paranavaí, no Paraná, ele se formou, no Rio Grande do Sul, mas acabou se mudando para São Paulo, depois de fazer especialização na cidade.

Enquanto isso, ele fazia suas artes em campo. Como segundo volante, atuou em muitos torneios amadores, incluindo a Copa Kaiser, e teve pequenas incursões no profissional. Atuou no Farroupilha e no Grêmio Mauaense.

O boxe surgiu há 20 anos, quando ele procurava um esporte para manter o condicionamento físico. Dos treinos leves às lutas, ele ainda demorou alguns anos. “Aprendi o básico, gostei, e fui desenvolvendo ao longo dos anos. Aí fui convidado para uma luta nas regras profissionais, luva pequena, sem capacete. Fiz uma luta, fiz a segunda, terceira e foi dessa maneira que tudo começou. Eu sempre gostei de aceitar desafios. Hoje é a idade, buscar meu limite para conseguir lutar”, explica o médico, peso cruzador (até 90,7 kg).

Hairton seguiu realizando alguns combates amadores, e só recentemente se profissionalizou. O paranaense fez oito lutas profissionais e venceu todas, sendo quatro por nocaute – o cartel no conceituado site Boxrec indica duas lutas a menos. Foram seis combates desde setembro de 2013 até a vitória por pontos que lhe rendeu o cinturão.

“Nunca imaginei ganhar um cinturão, é um desafio que de repente me colocam à frente, eu aceito e vou procurar os caminhos pelos quais a gente pode atingir aquele objetivo”, diz ele, pai de um garoto de 17 anos.

O técnico Miguel de Oliveira destaca a experiência e a raça do pupilo. “Eu acho que como ele vem de uma carreira competitiva em outra modalidade, ele já tem uma vivência, uma experiência do lado competitivo da coisa. Ele é um cara que treina muito... Muito. E é um cara raçudo. Todos os adversários que enfrentou, encarou de igual para igual.”

A família de Hairton se preocupa com seu gosto por trocar sopapos no ringue, mas Miguel de Oliveira tranquiliza. “A idade sempre é preocupação, mas ele sempre foi atleta. Até hoje joga bola pra caramba, não é qualquer jovem atleta que o acompanha. Inclusive, o ponto forte dele é o condicionamento físico. As últimas lutas foram de dez rounds e ele não tinha hábito de fazer isso. Fazer dez (rounds) é complicado para qualquer um”, pontua o ex-campeão.

Hairton complementa: “Meu compromisso nunca foi ser o campeão mais velho, ou coisa assim. Agora só quero manter esse cinturão. Vamos pensar e vamos ver. Por enquanto me sinto bem fisicamente, então espero fazer mais algumas lutas”, conclui o pugilista “tiozão”, sobre o futuro.