Topo

Como perder 16 lutas em 14 países e não desistir? Boxeador brasileiro conta

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

30/09/2014 06h00

O lema “sou brasileiro e não desisto nunca” virou uma citação comum para marcar o sofrimento e a persistência de um povo que tem de suar muito para conquistar o que quer. Mas a coisa ganha contornos mais complexos e cheios de risco quando se aplica a um pugilista. O baiano Idiozan Matos, o Chibata, tem um sonho como o de qualquer lutador de boxe: ser campeão mundial. E foi por meio do esporte que ele conquistou tudo o que tem, viajou o mundo e conheceu mais de uma dezena de países. Só tem um detalhe: em nenhuma desses duelos no exterior o brasileiro saiu como vencedor.

Chibata Matos já é um experiente lutador, com 31 anos e 52 combates disputados entre 2005 e 2014. São 33 vitórias, com 27 nocautes, e 19 derrotas. O que chama a atenção é que entre estes reveses, 16 deles foram fora do Brasil, numa lista de 14 países que vai de Uruguai e Venezuela a Canadá, Suiça, França, Irlanda, Alemanha, Itália...

Mas o que faz um lutador que tentou – e repetiu as tentativas muitas vezes – não dar o braço a torcer? É justamente esse apego à filosofia do “não desisto nunca”.

“Já pensei algumas vezes em procurar outra coisa para fazer, mas sempre tenho esperança de que vai vir algo para mudar essa história”, diz Chibata, que repete, quase como um mantra. “Vou lá para fora pela vontade de lutar, vontade de ver um dia dar certo. Independente de qualquer coisa, um dia vai dar certo...”.

Natural de Santo Antônio de Jesus, no interior da Bahia, Chibata conheceu o boxe por meio de um projeto social e ganhou uma vaga por lá, já que não tinha condições de procurar uma academia paga. Ajudante de marceneiro na maior parte do dia, ele acabou apostando no esporte e começou a lutar profissionalmente aos 22 anos, sempre em parceria com Adimilson Vasconcelos da Cruz, que comanda a entidade Associação Nacional de Boxe.

De acordo com o site Boxrec, que compila cartéis de lutadores do mundo todo, Chibata construiu seu cartel com vitórias sobre rivais quase sempre de pior retrospecto. Ainda assim, com 11 vitórias por nocaute em suas 11 primeiras lutas, pintou a primeira viagem, para a França. Lá perdeu por nocaute no segundo round para Ali Chebah.

O baiano sabe que o papel de visitante no boxe internacional é ingrato. Questionado se há um papel dos brasileiros de se fazer de escada – ser escalado contra rivais que estão fazendo seus cartéis e enfrentando adversários inferiores em busca de vitórias -, ele nega. Também explica que nunca teve ofertas para perder. Ainda assim, um brasileiro lutando fora de seu país precisa fazer muito mais que o normal para garantir um triunfo.

“Lá fora eles querem show, querem os atletas da casa ganhem, com certeza. Isso é fato, mas para pedir para perder, nunca pediram não”, afirma ele.

Para Chibata, o grande problema sempre foi conseguir negociar melhores lutas. Muitas vezes, ele teve de aceitar rivais de categorias acima da sua, por exemplo. Além disso, cita o nível de preparação dos gringos como uma disparidade fundamental.

“Lá fora eles são melhores em termos de preparo físico. Já fui fazer luta com adversário que eu sei que sou melhor, mas que nem sempre tenho o preparo para vencer. A diferença é que no Brasil não se aposta no boxe. Não tem patrocínio. Lá fora eles não são melhores, mas são mais treinados, mais preparados fisicamente. Não é só no boxe. Se eu tivesse o mesmo preparo, venceria”, defende ele.

Nas suas viagens, o peso médio-ligeiro encontrou rivais que acabaram disputando cinturões internacionais e que ficaram próximos de títulos do mundo. Ainda longe desta realidade, ele vê suas lutas como vitrine. “O pessoal me vê contra os melhores e pode ver o que falta em mim”, explica ele. A intenção é conseguir um chamado para treinar nos Estados Unidos e partir para lá em busca dos detalhes que podem dar um novo rumo à carreira.

Segundo Adimilson Vasconcelos, que cuida de sua carreira, a ida para os EUA deve acontecer ainda em dezembro. Assim como Chibata, ele crê que o potencial do lutador ainda está sendo lapidado. “O exemplo é o (argentino) Sergio Martinez, que perdeu lutas, mas foi campeão mundial”, defende ele, que não crê no cargo de “escada” no boxe. “Se o cara não se prepara como ele tem de se preparar, ele vira escada automaticamente. O boxe profissional, e até o amador, precisa de treino todo dia, para estar bem treinado, bem oxigenado. Se não vencer, vai cair mesmo e vai ser visto como escada.”

Adimilson cita ainda duas lutas, uma no México e outra na Alemanha, em que sentiu Chibata prejudicado por árbitros. “Lutar na casa dos outros é diferente, você tem de nocautear. Mas o Chibata é novo, tem uma saúde 110%, já passou dificuldade pra caramba, já dormiu em praça pública... Eu ainda acredito muito no Chibata.”

Dinheiro e turismo

Além do lado competitivo, é claro que estar no exterior ainda rende duas coisas: dinheiro e turismo. Mesmo com as derrotas, Chibata recebe suas bolsas e é com isso que ele se mantém. O boxe é seu principal ganha-pão e um negócio de roupas com a irmã complementa a renda.

Chibata se reveza entre Bahia e São Paulo para treinar e lutar. “Tive de dar a cara a tapa para conseguir tudo. Já deu para fazer várias coisas com o dinheiro do boxe. Eu tenho minha moto. Não tenho carro, porque viajo muito. Mas quando me estabilizar quero poder comprar minha casa, meu carro, o boxe me ajuda muito”, diz ele. “Vim de família pobre, lutei muito para ter alguma coisa na vida. Foi difícil e hoje eu vejo gente que também quer se espelhar nisso, conquistar algo na vida, que vê que ganhando ou perdendo você segue lutando”.

O mais grave no caso de Chibata não são as derrotas, mas o que levar tantos socos na cabeça pode causar, ainda mais com tantas vitórias por nocaute na carreira – são 16. Ele admite que já parou para pensar nisso, mas não liga para o risco.

“A gente sabe que como qualquer outro esporte ou profissão tem riscos. Mas vale a pena. Às vezes penso em não ir, mas vou e luto. Eu enfrento independente de categoria, de cartel, de quantos títulos tem... Vou na coragem de continuar em busca de mais coisas. É por isso que vou”, explica ele.

E, é claro, há o lado turista que a vida de lutador proporcionou. “Dá para conhecer os países, sim, ver várias coisas. Isso é gratificante. Eu nunca tinha viajado de avião, e agora já fui para muitos países diferentes. No começo não sabia falar nem espanhol, então era complicado, teve muita coisa engraçada que já aconteceu. Isso são histórias que a gente leva para a vida”.

Vencendo ou perdendo, a esperança é que comanda a vida do baiano. “Talvez eu não tenha achado a hora certa, ou o empresário ideal pra construir minha carreira, mas eu vou continuar na luta.”