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De caronas no "busão" a bronze no Mundial, pugilista quer vingança em 2016

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

05/12/2014 06h00

Foi no boxe olímpico feminino que o Brasil teve seu primeiro título mundial, em 2010, com Roseli Feitosa. No mês de novembro, o país colocou sete lutadoras no Mundial da Coreia do Sul. Não deu para repetir o título daquela vez, mas a paulistana Clélia Marques da Costa saiu com uma medalha no peito: o bronze na categoria até 51 kg. O resultado coroou uma lutadora cuja trajetória passou por um projeto social, por muitas caronas de “busão” e oito anos treinando. O rumo é 2016, quando ela tem uma dívida pessoal para saldar, em busca do ouro.

Clélia, 26, comemorou muito seu resultado na Coreia, pela trajetória que teve na competição. Para garantir seu bronze, ela passou pela russa Saiana Sagataeva, que era uma pedra no sapato antiga, rival conhecida de outras competições. Mas, na semifinal, ela ficou frente a frente com a norte-americana Marlen Esparza e, contra está também velha adversária o triunfo não veio. A vingança ficou para 2016.

A brasileira exalta sua evolução. “Já tinha ido a dois Mundiais e perdido cedo. Agora foquei mais, fiz treinos na Austrália. E mesmo assim não sabia onde poderia chegar. Eu sabia que tinha me superar”, afirmou ela, referindo-se principalmente à luta que garantiu seu bronze, contra a russa. “Tinha de fazer ela errar e pontuar mais. Foi um bom trabalho.”

Clélia ainda lamenta o resultado e discute a escolha dos árbitros laterais da semifinal. “Depois desse bronze eu quero me dedicar mais, treinar mais para 2016, porque tenho certeza que quando for lutar com essa americana no Brasil, eu vou ganhar dela. Eu penso nisso... Já é pessoal, eu perdi quatro vezes para ela. Não foi a primeira luta para ela que poderia ter sido para mim, mas que (os árbitros) deram para ela. Vou tirar essa dúvida minha aqui no Rio”.

A seriedade com que os próximos anos serão encarados contrasta com o início da paulistana no boxe, uma história com uma brincadeira sem compromisso e com alguns “jeitinhos” para poder treinar.

Tudo começou com uma brincadeira com o pai. A casa da família estava em obras e ela carregou uma lata de areia. Ele caçoou: “por que você não vai treinar boxe? Tá muito forte”. “Eu falei que era esporte de homem, eu nem sabia direito o que era... Mas, um dia contei para minhas amigas nessa história e tinha uma que treinava em uma academia. Fui conhecer e depois comecei a treinar também”, relembra Clélia.

A garota, com 17 anos, entrou no projeto social sediado no Clube Escola Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Junto ao técnico Claudio Ayres, foi forjando seu estilo e sua técnica.

No começo, foi complicado até chegar aos treinos. Sua mãe não apoiava integralmente a ideia. Como só estudava, a jovem precisava de dinheiro para a condução. E a matriarca não queria bancar o ônibus que levaria a filha para “apanhar na cara”.

“Eu dava um jeito e vinha treinar do mesmo jeito. Pegava carona no ônibus”, conta ela. “Eu não tinha vergonha, sou pequena, o pessoal me achava meiga então às vezes eu passava por debaixo da catraca, em outras me deixavam descer pela porta da frente, ou entrar pela de trás... O pessoal já me conhecia, apesar de não saber para onde eu ia, então era tranquilo”, detalha ela, que cresceu na região do Jardim Ângela, em São Paulo.

Clelia mudou muito com o tempo, até no peso, já que chegou ao projeto com 64 kg e hoje luta na categoria até 51 kg. Em sua trajetória, ela não conseguiu vencer sua estreia, mas depois disso os resultados vieram e a encorajaram a continuar, até sua entrada na seleção.

Já de olho em 2016, e chegando respeitada por ter medalha numa das três categorias olímpicas do boxe feminino, Clélia sequer consegue imaginar o que faria sem o esporte. E conta com a ajuda de uma família que seguiu os passos no esporte.

“Não tenho a mínima ideia do que faria sem o boxe... Acho que estaria num emprego de telemarketing. Hoje tenho o incentivo da minha mãe, do meu pai e dos meus irmãos , que são judocas, fora todos os amigos e fãs do boxe que tem mandado a torcida”, concluiu a terceira medalhista do boxe feminino brasileiro na história dos mundiais.