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Filme "Luta do Século" narra a mais explosiva rivalidade do boxe brasileiro

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

12/12/2014 14h00

No final dos anos 90, a rivalidade entre Pernambuco e Bahia não se restringia a saber quem levava mais gente ao delírio: o Galo da Madrugada ou os trios elétricos, a ACM x Miguel Arraes ou a Sport, Santa e Náutico contra Bahia ou Vitória.

Nada disso chegava perto às lutas entre o pernambucano Luciano Todo Duro e o baiano Reginaldo Hollyfield. Lutas que já começavam na pesagem, passavam pelas entrevistas coletivas e chegavam ao ringue.

Seis lutas. Três vitórias de cada um.  Uma delas, em 1997, no ginásio Antonio Balbino, foi vista por Sérgio Machado, que iniciava sua carreira de cineasta.

Foi uma experiência marcante. “Havia dez mil pessoas no ginásio e mais dez mil do lado de fora. Todas gritavam ‘Luciano vai morrer’ e logo eu percebi que havia muita verdade nisso. Os baianos realmente queriam matar o pernambucano e se ele não jogasse a toalha, as coisas se complicariam muito”.

A luta terminou em guerra. Cadeias foram jogadas ao ringue. Luciano saiu escondido do ginásio.

Hoje, passados 17 anos, Sérgio Machado, que dirigiu Wagner Moura, Lázaro Ramos e Alice Braga em “Cidade Baixa”, que dirigiu Mariana Ximenes, Marieta Severo e Paulo José em “Quincas Berro Dágua”, prepara sua visão sobre a grande rivalidade.

“A luta do século” é o nome do documentário que começa a ser filmado em janeiro. A ideia é que, com 75 minutos, chegue aos cinemas no final de 2015. “Já pesquisei muito material de arquivo, demorou um ano e começo a filmar primeiro em Salvador, com Hollyfield, e depois em Recife, com Luciano.”

Mas qual é a luta do século?  O conjunto de todos os encontros? Ou algum específico? Nada disso, explica Sérgio Machado.  “A luta do século é a luta de dois analfabetos contra todas as dificuldades que a vida colocou e que poderiam ter chegado mais longe.”

Todo Duro e Hollyfield eram heróis populares. “O amor a Todo Duro, os pernambucanos só tinham com Rivaldo, da seleção. E eu vi, em um Ba-Vi, as duas torcidas pararem provocações para aplaudir Hollyfield, que chegou à Fonte Nova. Foi emocionante”.

Hoje, Hollyfield, em Salvador, e Todo Duro, em Recife, dão aulas de boxe em academias. Passam por dificuldades. “Luciano chegou a me dizer que, se a sua filha fosse mais velha, o teria orientado a não assinar contratos que não entendia. Ele lamenta, mas segue em frente”.

O filme mostrará diferenças de personalidade entre os dois lutadores. “Luciano era o provocador e Hollyfield, o inocente. Ele falava muito, dizia que ia fazer e acontecer, chegou a dar um murro em Reginaldo em uma coletiva e houve a resposta. Reginaldo levava tudo a sério, não brincava não”, diz Sérgio Machado.

As duas lendas do Nordestes pensaram em um tira-teima definitivo. A sétima luta chegou a ser marcada para 10 de maio deste ano, em Filadélfia, cidade a 350 quilômetros de Salvador, onde Hollyfield vivia.

Não houve luta. E, com sinal trocado, os dois lutadores apontam o mesmo motivo. “Ele sempre foi covarde e fugiu de novo”, diz Hollyfield, que em dificuldades de fala, sequela do boxe. “Ele ficou com medo de morrer. Ele sabe que ia morrer no ringue”,diz Todo Duro.

Aos 48 anos, Hollyfield diz que está aposentado e não pensa mais em lutar. Todo Duro, não. Para ele, o boxe ainda é uma profissão. “Se tiver uma luta minha, eu garanto que vão 8 mil pessoas assistir. Isso dá dinheiro, só que eu quero uma parte boa. Não vai ser como antes, quando me enganaram. Então, se tiver, eu encaro, seja quem for”.

Inclusive, gente do UFC. “Tudo cagão. Minotauro, Minotouro, Belfort, tudo cagão. Pode vir um de cada vez, um em seguida do outro, que eu derrubo”.

A rivalidade eterna entre os dois teve apenas um momento de refluxo, em nome da solidariedade. Em 2011, Hollyfield teve 40% do corpo queimado, após salvar dois sobrinhos de um incêndio. Recebeu um elogio público de Evander Holyfield, que o chamou de verdadeiro herói. Foi ajudado financeiramente por cantores baianos e se recuperou.

Nesse período, Luciano Todo Duro amoleceu. “Olha, ele foi macho de verdade. Foi um homem. Eu até ia no programa do Luciano Huck para dar um depoimento sobre ele, mas depois não me chamaram mais.”

E agora, Luciano?

“Agora, passou. Se eu cruzar com ele, eu mato. Sempre quis matar esse baiano e ele não escapa mais”.

E agora, Hollyfield?

“Eu soube que ele falou bem de mim no incêndio, mas acabou. Para mim, sempre vai ser um covardão. Quando tiver a apresentação do filme, é bom ir um de cada vez, se não vai ter muita porrada e ele vai sofrer”.