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Ex-campeão de boxe trabalha em loja de departamento e sonha rever filhos

Em foto de 2014, Valdemir Pereira, o Sertão, recebe uma homenagem do seu ex-técnico Ivan de Oliveira, com quem conquistou o título mundial de boxe - Arquivo Pessoal
Em foto de 2014, Valdemir Pereira, o Sertão, recebe uma homenagem do seu ex-técnico Ivan de Oliveira, com quem conquistou o título mundial de boxe Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

19/01/2015 06h00

Quando Valdemir Pereira, o Sertão, teve exames médicos “inconclusivos” e foi cortado do combate em que faria revanche contra o rival que lhe tomou o cinturão – o último título mundial de boxe conquistado por um brasileiro -, não foi apenas o fim do sonho de ser campeão que frustrou o baiano. A decepção foi tanta, que ele jogou tudo pelos ares, abandonou o esporte, sua casa, mulher e até dois filhos em São Paulo. Sete anos depois, tem no esporte um lazer, e trabalha como carregador para viver de forma humilde.

O filho mais famoso da cidade de Cruz das Almas, situada a duas horas de Salvador, ainda chama atenção por onde passa na rua. Todos sabem que aquele é um ex-campeão mundial de boxe, que poderia ter levado o nome do município ainda mais longe. Quando foi impedido de lutar contra Erik Aiken, Sertão acabou sendo aposentado de forma forçada, por doença. Ele disse ao jornal Lance em 2008 que o exame deu positivo para hepatite C.

Em uma visita do UOL Esporte a Cruz das Almas em 2010, Sertão afirmou receber remédios para tratar de seu problema, mas negou informações da prefeitura local de que estaria recebendo uma aposentadoria pelo INSS. Em contato por telefone na última semana, o baiano disse que não ganha ajuda alguma, e que tudo o que tem atualmente é por conta de seu trabalho. O que não é muito, já que não lhe dá condições de realizar um dos sonhos, que é voltar a ver os filhos que estão em São Paulo.

A rotina de Sertão nunca abandonou os esportes. Treinos de boxe e um futebol com os amigos estão sempre presentes. Mas o dia a dia é em uma loja de departamento no centro de Cruz das Almas. Lá, o baiano está entre os funcionários que cuidam dos carregamentos de móveis e outros objetos. Um trabalho braçal, mas que não é motivo de reclamações por parte do ex-pugilista.

“Está tudo bem, graças a Deus. Não tenho apoio de ninguém, mas estou trabalhando. Antes estava trabalhando em um ginásio de esportes, mas acabou o contrato. Agora estou nessa empresa, Deus me deu oportunidade de trabalhar”, conta Sertão.

Ele até poderia dar aulas de boxe, mas prefere treinar sozinho. “Ninguém quer pagar, querem as coisas de graça, não vou dar aula de boxe de graça pra ninguém, não”, reclama o baiano, que completou 40 anos em 2014. 

“Eu treino, jogo minha bolinha... Campeão que é campeão não pode parar. Eu dou minha corridinha, domingo vou bater uma bola. Quem não tem saudade, né?”, diz o ex-lutador, sobre lutar. “Eu sou um cara que gostava de ir lá e brigar, sinto falta. E gosto de esporte, esporte é vida, tira as pessoas das drogas.”

Algumas pessoas às vezes chamam Sertão para rever suas lutas mais famosas e ele aprecia o carinho. “Eu dei um nome para Cruz das Almas. Muitos querem chegar e não chegam”.

Mas o que mais deixaria Sertão satisfeito seria enfim poder voltar a São Paulo. Não para treinar. Mas para ver seus filhos. Quando voltou a Cruz das Almas, o lutador sequer se despediu de Cassio e Laura, que vivem com a mãe, que se casou novamente. Ele também teve mais um filho, Kelso, na Bahia.

“Eu tenho meus filhos, mas não tenho como ir para lá, quem paga meu salário está aqui. Se tivesse dinheiro, eu voltaria, com certeza”, confidenciou.

A família voltou a fazer contato recentemente, com auxílio do ex-técnico de Sertão Ivan de Oliveira, que os encontrou e ajudou Sertão a falar com eles por telefone, amenizando as saudades.

Sertão foi campeão do mundo como peso pena em janeiro de 2006, ao vencer o tailandês Fahprakorb Rakkiatgym por pontos, nos EUA. Com a vitória, faturou o cinturão da Federação Internacional de Boxe. A festa, no entanto, durou pouco. Menos de quatro meses depois, perdeu o título para o norte-americano Eric Aiken, ao ser desclassificado por dar golpes baixos no desafiante.

Mais tarde, ele teria uma revanche contra Aiken – que já havia perdido o título -, mas a falha nos exames médicos o tirou do combate. Valdemir Pereira encerrou sua carreira com 24 vitórias, sendo 15 por nocaute, e apenas uma derrota. Sertão foi o quarto brasileiro campeão mundial de boxe, junto a Eder Jofre, Miguel de Oliveira e Popó. Como ele gosta dizer: “Esse nome, ‘Sertão, campeão do mundo’, ninguém nunca vai tirar."

Veja um vídeo publicado por Sertão no dia 25 de dezembro: