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E se fosse Maguila? Brasileiro negociava com Tyson antes de zebra histórica

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

11/02/2015 14h55

Há 25 anos, o mundo do esporte entrou em choque com uma das maiores zebras já vistas. Mike Tyson, à época um nocauteador implacável, invicto e mais jovem campeão dos pesos pesados da história, enfrentou James Buster Douglas, um desconhecido norte-americano de cartel irregular e que viveu uma série de dramas antes de ser colocado contra o melhor de seu tempo, diante de 40 mil pessoas no Japão. Buster venceu. Um nocaute no 10º assalto. Mas imagine só se quem estivesse do outro lado fosse Adilson Rodrigues, o Maguila? Isso foi uma possibilidade.

Maguila pode não ter conseguido cumprir a meta de enfrentar Mike Tyson, mas no fim da década de 1990, seu auge em termos de resultados, ranking e investimento, esteve muito perto de concretizar este combate. E não se trata de exagero. O ranking do brasileiro e sua série de vitórias fizeram com que ele virasse um dos lutadores cotados a desafiar o então campeão, uma hipótese cogitada pelas revistas de boxe na época e negociada diretamente com Don King. Mas, uma decisão hoje considerada errada de Luciano do Valle, um dos empresários do sergipano, e a derrota para Evander Holyfield em 1989 enterraram as chances.

Em 1989, Maguila chegou ao seu ranking mais alto da carreira, com o segundo lugar no Conselho Mundial de Boxe. O brasileiro tinha 35 vitórias e duas derrotas, com chances de liderar a lista, mas ficou atrás de Evander Holyfield, também em ascensão, principalmente após vencer Michael Dokes por nocaute.

O brasileiro era empresariado pela Luqui, uma empresa chefiada por  Quico Leal e Luciano do Valle – que comandava as transmissões de boxe na Band, muito populares com Maguila como principal estrela. Com cinco nocautes em 1988 e mais duas vitórias em 1989, a equipe apostou tudo nas negociações com Don King para enfrentar Tyson, depois de norte-americano bater Frank Bruno.

“Havia a promessa de lutar com o Tyson, até levaram o Maguila para a luta contra o Frank Bruno. O sonho era fazer a luta no Maracanã, eles estavam doidos para isso e o Don King também”, relembra Wilson Baldini, jornalista especialista em boxe do jornal O Estado de S. Paulo.

A grandiosa, mas complicada ideia de sediar a luta no estádio do Maracanã dificultou a realização do combate, além do fato de o sergipano ser desconhecido e pouco contribuir nas vendas, principalmente diante de um Tyson tão arrasador como vinha sendo.

A grande polêmica no caso foi Luciano do Valle e Quico decidirem que, sem Tyson, Maguila enfrentaria o número 1 do ranking, Evander Holyfield. Levar esta opção adiante foi tão questionável, que Miguel de Oliveira, técnico de Maguila até aquele momento, resolveu se afastar.

"Eu nunca fui a favor desta luta, porque não havia necessidade nenhuma. Era ibope de televisão”, disse Miguel de Oliveira, ao livro “Em 12 Rounds”. “Era preferível lutar diretamente com o Tyson do que fazer essa luta. Se perdesse, perdia para o campeão, mas se ganhasse seria campeão do mundo. Pô, é o cara, o Tyson... Mas e daí? Negociávamos com ele, e na defesa seguinte ele foi nocauteado, pelo Buster Douglas. Quem era o Buster Douglas?”.

Sem Miguel, Maguila foi treinado por Angelo Dundee, que fez fama ao lado de Muhammad Ali. O combate contra Holyfield foi marcado para julho de 1989, e Maguila surpreendeu com um ótimo primeiro assalto, considerado por muitos como vitorioso para o brasileiro. Mas a tática de Dundee de ir para cima do norte-americano se mostrou falha. No segundo round veio o nocaute.

Para Baldini, faltou calma à equipe de Maguila para aguardar a chance ideal. “O Luciano não teve jogo de cintura. Faltou paciência. Poucas vezes ele teve uma atitude tão errada quanto aquela – pelo menos é assim que vejo. Se eles tivesse esperado, o Maguila poderia ser o rival de Tyson no lugar de Douglas, ou poderia ter enfrentado o próprio Douglas por cinturão mais tarde, em 1990”.

Maguila ainda teve um outro grande combate no exterior contra George Foreman, sendo nocauteado no segundo round, e depois disso focou sua carreira em fazer lutas pelo Brasil, com duas longas séries de vitórias antes de se aposentar com derrota para Daniel Frank, em 2000.

Tyson x Douglas

Uma das amostras de que Maguila era uma realidade na disputa de cinturão é a entrada de Buster Douglas como rival de Tyson. O lutador costumava fazer apenas preliminares dos eventos liderados pelo astro, e era o sétimo no ranking da conceituada Ring Magazine. Para se ter uma ideia, as casas de apostas davam Tyson como favorito de 42-1 – a cada dólar apostado, 42 seriam pagos a quem jogasse na vitória de Douglas.

Com 29 vitórias, quatro derrotas e um no contest – Tyson tinha 23 anos, com 37 vitórias, sendo 33 por nocautes -, ele não era uma atração para vendas, então Don King resolveu levar a luta para o Japão, tendo a certeza de que os 40 mil lugares disponíveis seriam vendidos com facilidade. Era, na verdade, um aquecimento para que o campeão enfrentasse em seguida Evander Holyfield, uma rivalidade que só foi solucionada em 1996 e 1997.

Douglas ainda tinha outros problemas que aumentavam sua condição de zebra. Casos de fora do ringue. A mãe do norte-americano morreu 23 dias antes do combate. A mãe de seu filho  passava por uma doença renal. E um resfriado minava sua condição física.

Há 25 anos: Tyson é nocauteado pela 1ª vez

Ainda assim, Douglas foi quem mandou em boa parte do combate, sendo o agressor e atacando sem medo o campeão. Com 30 centímetros a mais de envergadura e 14 centímetros mais alto, conseguiu controlar Tyson no ringue.

Uma das polêmicas do combate foi no oitavo assalto. Apesar de golpear menos no total do combate, com 230 golpes certos para Douglas contra 101 do campeão, Tyson conseguiu derrubar o rival. A contagem foi considerada mais longa que o normal e gerou protestos. Dois rounds depois, um uppercut e uma série de golpes levaram Tyson à lona e o cinturão foi dado a Buster Douglas, a maior zebra da história.

James Buster Douglas perdeu o cinturão logo em sua primeira chance de defesa, ao ser nocauteado no terceiro round por Evander Holyfield. Foram apenas mais nove lutas realizadas depois dessa, até encerrar a carreira em 1999.