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Último algoz de Mayweather vive com 400 euros por mês e arrependimento

Do UOL, em São Paulo

20/04/2015 12h00

Atleta mais bem pago do mundo, Floyd Mayweather segue invicto em sua carreira profissional de boxe: são 47 vitórias e uma bolsa crescente, que chegará ao recorde com sua luta contra Manny Pacquiao, em 2 de maio. O norte-americano embolsará uma bolada estimada em pelo menos US$ 180 milhões. Enquanto isso, o último homem a vencer um combate diante do astro vive uma vida anônima e pacata na Bulgária, sustentando-se com uma pensão de apenas 400 euros e convivendo com um sentimento de arrependimento que não se esvai.

Em Pazardzhik, cidade de 71 mil habitantes da Bulgária, Serafim Todorov ainda é recebido com gestos de boxe e lembranças de seus bons tempos, mas a nobre arte ficou em seu passado. Campeão mundial no boxe amador por três vezes, ele chegou ao ápice na Olimpíada de Atlanta, em 1996, quando ficou com a prata, passando pelo jovem Mayweather na semifinal. Sua maior conquista foi seu fim com as luvas, e hoje Todorov conta que preferia ter perdido para o norte-americano.

À época das Olimpíadas, Todorov era um veterano aos 27 anos, diante de uma revelação de 19. A vitória veio por 10 a 9, e poucos meses depois Mayweather já iniciaria uma das carreiras de maior sucesso no mundo do esporte.

Aquele combate em Atlanta tem repercussões até hoje. Uma delas é uma suspeita de manipulação de resultado, na pontuação do combate. Todorov não a releva, como disse ao New York Times. “é possível, absolutamente”, afirmou. “Minha experiência era muito maior. Eu venci russos, cubanos, americanos... Eu fazia graça pra cima deles. Eu era inteligente. Um belo e atrativo lutador para se assistir. Você tem de ser um artista no ringue. E eu era um artista.”

Sobre o resultado, ele dispara: “Foi como qualquer luta, para ser honesto. Venci caras muito mais fortes”. Mas, durante o combate, Mayweather surpreendeu nos dois primeiros rounds e marcou 7 a 6. Foi só no último assalto que o búlgaro virou o jogo. Uma sequência do norte-americano não resultou na marcação de pontos pelos juízes, e a polêmica sobre uma possível manipulação do resultado persiste até hoje. Todorov concorda com essa teoria, principalmente por reclamar da arbitragem na final, que perdeu para o tailandês Somluck Kamsing por 8 a 5. Antes dessa luta, o búlgaro Emil Jetchev, dirigente da comissão de arbitragem, teria dito ao lutador: “você precisa nocautear”.

Todorov - Getty Images - Getty Images
Todorov fica com a medalha de prata em Atlanta-1996, na final contra Somluck Kamsing
Imagem: Getty Images

Foi depois da luta com Mayweather que Torodov cometeu o que considera seu maior erro, o que gerou o sentimento de arrependimento em ter vencido aquela semifinal.

Um encontro inusitado na sala do doping é que definiu o futuro dos lutadores. Sentado próximo a Mayweather, Todorov viu três homens abordá-lo. Dois deles estavam ali para tentar convencê-lo a assinar imediatamente um contrato para ir ao boxe profissional – o terceiro era um intérprete.

“Eles viram meu estilo, me viram no ringue, viram que eu sou branco. Eles nunca vão encontrar um pugilista branco como eu, e sabiam disso”, afirmou, ao New York Times. Apesar da promessa de um contrato vantajoso, casa, carro, grandes lutas e uma nova vida, Todorov disse não.

“Sabe o que aconteceu em seguida? Os caras foram até Mayweather e começaram a falar em inglês”. O jornal norte-americano não confirma se Mayweather assinou contrato naquele momento. Mas, para Todorov, ficou a sensação de que hoje é ele quem podia ter ido tão longe quanto o astro.

Depois da final, restou a ele lamentar. E beber. “Eu bebi o tempo todo esperando meu voo para casa. Eu simplesmente queria beber até morrer”.

O problema que tirou de vez o boxe do futuro do búlgaro foi uma tentativa de troca de nacionalidade. A federação turca ofereceu um caminhão de dinheiro pela sua filiação. Ele receberia US$ 1 milhão se fosse medalhista de ouro no Mundial. O acordo estava certo, mas a federação da Bulgária pediu US$ 300 mil para transferir seu lutador. O negócio, é claro, melou.

“Eu não podia ir. Mas também não iria mais lutar pela Bulgária. Foi isso. Acabou para mim”.

Com a Bulgária em dificuldades, ele também teve de ralar duro para se manter. Trabalhou como motorista e em locais como uma fábrica de linguiças e uma loja de doces. Nada rudou, e ambos hoje estão desempregados. A pensão oferecida pelo governo é de 400 euros, apenas. E ele ainda teve de dizer não a inúmeros convites para trabalhar com traficantes de drogas.

O problema, para Todorov, foi vencer. Se tivesse perdido, não teria sonhado com uma chance nos Estados Unidos, não teria sido convidado pelos promotores e não teria ido à polêmica final. Ele teria apenas voltado para casa, descansado e retomado a carreira, em busca de um ouro. “Em vez disso, aconteceram essas coisas e eu esperei as coisas ficarem melhores. Foi estúpido. Eu voltei e achei o inferno”, concluiu.