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Com câncer raro, boxeadora precisa de R$ 250 mil para tratamento inovador

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

26/06/2015 06h02

Já disseram, em Porto Alegre, que Giovana Kreitchmann Cavalcanti tem o “soco mais forte da Zona Norte”. Atualmente, a potência desta praticante de boxe gaúcha, de 25 anos, está comprometida e sua energia está voltada para uma luta mais complicada, pela vida. Portadora de um tipo raro de câncer que se espalhou pelo seu organismo, Gi - como prefere ser chamada - criou uma vaquinha virtual para levantar R$ 250 mil para um tratamento inovador.

Os problemas de saúde da gaúcha foram notados em 2012 quando uma aparentemente inocente bolinha apareceu atrás de sua orelha. Havia 90% de chance de ser um tumor benigno, mas Gi entrou no outro grupo. Ela então foi diagnosticada com um carcinoma mioepitelial de parótida, atacando a glândula salivar. Não bastando, a situação é ainda mais delicada, pois houve metástase, e o câncer é encontrado em órgãos, ossos e no cérebro.

Giovana - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Giovana posa com Popó, a quem encarou numa sessão de treinos em Porto Alegre, em 2011, e hoje apoiador da gaúcha em seu tratamento
Imagem: Arquivo Pessoal

O problema enfrentado pela gaúcha tem cerca de 500 casos registrados no mundo, apenas. O baixo número impossibilita que se faça estudos detalhados e, portanto, entende-se pouco como a doença age e quais são as formas de tratamento adequadas. “Como é muito raro, nunca tive o tratamento certo, tipo: ‘esse vai dar certo’. Sempre fui cobaia do meu tratamento”, conta Giovana, que já teve momentos de descrença, em que sua família foi colocada de sobreaviso de que sua morte poderia ser questão de tempo.

“Conforme foi passando, fui melhorando, piorando, e tive outras metástases. Convulsionei por conta de uma metástase e já fiquei com uma parte do rosto paralisada depois de uma cirurgia. Fiquei sem falar, sem andar, sem respirar direito...”, relata ela, hoje numa situação mais estável, mas, devido à extensão das metástases, passível de mudança a qualquer momento, o que demanda um acompanhamento muito próximo de sua equipe médica.

“A situação dela é muito desafiadora. Existem menos de 500 casos no mundo, e a maioria não costuma espalhar, costuma ser localizado e, com uma cirurgia, retira-se a lesão, com boa chance de cura. No caso dela, além de ser raro, tivemos o azar de ter se espalhado”, relata o oncologista Andre Fay, médico de Giovana e professor de Medicina na PUC-RS.

A gaúcha passou por diversos tipos de ação, com quimioterapias e tratamentos guiados por avaliação molecular, para identificar mutações genéticas. Por um tempo, eles foram bem. Agora, deixaram de ter efeito, exigindo algo mais ousado.

“Hoje vivemos numa era da oncologia que é a dos imunoterápicos, com um conceito em que usamos nosso sistema imunológico para o combate ao câncer. E esse tipo de tratamento revoluciona em diversos cenários, temos visto em melanoma, câncer de pulmão, bexiga, rim... São medicações capazes de regular nosso sistema de defesa e ativá-lo contra o câncer”, explica o oncologista.

É por conta desse tratamento que surgiu a vaquinha. Giovana e sua equipe tentarão o sucesso usando um medicamento chamado Nivolumab, ainda não aprovado no Brasil. O custo dele é US$ 80 mil, o que a fez pedir apoio na internet, buscando R$ 250 mil. Lançado no dia 15 de junho, o financiamento coletivo já tinha mais de R$ 160 mil arrecadados, com a ajuda de quase 600 pessoas.

“Não temos certeza do sucesso. É um risco, conversamos muito com a Giovana e sua família, e resolvemos tentar. Esse tratamento ainda não é aprovado por agentes de saúde daqui, nem dos Estados Unidos, ainda está em estudo, mas tem mostrado resultados animadores”, esclareceu André Fay, pontuando ainda: “A força que Giovana tem, a vontade de viver, de encarar os desafios é impressionante e nos ajuda no processo de tratamento, em todos os cenários. O carinho e a ajuda de todo esse pessoal tem tem impacto significativo e a mantém firme”.

Além da vaquinha, Gi está realizando rifas em várias cidades, algumas dando como prêmio até joias, em parceria com uma joelharia. “A intenção é até que sobre. Um amigo me deu o norte de como fazer toda esta campanha e ele está fazendo o mesmo tratamento que eu, em Boston. Então, se Deus quiser vai sobrar e vou doar para ele”, prometeu a gaúcha.

'Soco mais forte da Zona Norte'

Giovana sempre foi ligada aos esportes. Por ser grandona e forte, descobriu seu talento no handebol, para azar das suas colegas de escola. “Tinha tanta força, que quebrei a maioria das meninas. Ninguém ficava no gol quando eu jogava, porque quebrei o dedo de várias meninas, minha bola era muito forte”, ri ela, que também praticava vôlei e ouvia até músicas de zoeira dos amigos.

Quando deixou a escola, Gi resolveu procurar outro esporte e há cerca de cinco anos encontrou o boxe. Ela chegou a entrar no ringue com Popó, em 2011, quando o ex-campeão mundial foi a Porto Alegre, procurou uma academia para treinar e seus colegas ficaram hesitantes em fazer um sparring com o baiano. Hoje, ele já entrou na corrente pela lutadora.

“O boxe meu deu mais forças contra a doença. Eu descontava muito, era uma fuga, porque a academia era o meu ambiente. Gosto dos desafios, de ser desafiada. Eu quero muito lutar, se conseguir, vou voltar para o boxe e começar a competir, porque é o que amo de paixão”, diz Gi, que só realizou lutas dentro da academia, mas sonha com algo maior.

Quando convulsionou e teve problemas físicos por conta da doença, ela se afastou do boxe, assim como teve de deixar a carreira no direito pouco depois de se formar por conta de sua rotina pesada de tratamentos. Atualmente, ela está planejando um retorno à profissão em que se formou.