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Vilão não foi páreo para Superman, mas aposentou irmão de Muhammad Ali

Jack O"Halloran: o vilão "Non" de "Superman II" e o boxeador promissor - Reprodução/Arquivo pessoal
Jack O'Halloran: o vilão "Non" de "Superman II" e o boxeador promissor Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

05/08/2015 06h00

“Superman II” tinha tudo para ser um filme de amor. Nele, o super herói decide abrir mão de seus super poderes para ficar com seu grande amor, Lois Lane. Ele só não contava que três criminosos mal-encarados iriam descer aqui na Terra e acabar com seus planos de trocar a vida de heroísmo pela de amante. E quem assistiu ao filme provavelmente não contava com essa informação: um dos três vilões – "Non", o brutamontes fortão e mudo – já foi um boxeador promissor e lutou contra algumas das grandes figuras do esporte.

O norte-americano Jack O'Halloran, que interpretou o personagem, foi lutador antes de entrar para o cinema. No final dos anos 60 e começo dos anos 70, ele venceu suas 16 primeiras lutas. E não enfrentou só “galinha morta”. Em seu caminho estiveram ex-detentores do título dos pesos pesados como Cleveland Williams, Terry Daniels, Manuel Ramos e Danny McAlinden.

Em 1972 e 1973, vieram os títulos de peso pesado da Califórnia, e a carreira de Jack parecia chegar rapidamente ao ápice: ele estava próximo de encarar ninguém menos que Muhammad Ali. Estava. Porque, para a surpresa geral, Jack acabou nocauteado por Jimmy Summerville, em luta em Miami, na Flórida, e o tão esperado confronto não aconteceu. Era o início do seu declínio, agravado por um tumor na glândula pituitária que decretou sua aposentadoria em 1974.

Mas Jack tem mais feitos no boxe para se orgulhar. Além dos títulos na Califórnia, o futuro vilão de “Superman II” chegou a ficar entre os 10 primeiros no ranking mundial dos pesos pesados. Seu nome está no Hall da Fama do Boxe da Califórnia e de Nova Jersey, seu estado natal. E não lhe faltam histórias: ele perdeu, mas teve a honra de lutar contra nomes como George Foreman e Ken Norton. E contra Ali. Não o Ali famoso, mas seu irmão quase desconhecido, Rahman Ali, que Jack ajudou a aposentar depois de um pedido do próprio Muhammad.

“Acho que ele (Muhammad), que era meu amigo, estava com vergonha do irmão e pediu para que eu lutasse com ele. Eu lutei, ganhei, e ele se aposentou”, lembra Jack, referindo-se a Rahman. De fato, consta na biografia do irmão de Muhammad que ele se aposentou logo depois de lutar com Jack. Mas, e se a luta tivesse sido contra o “verdadeiro” Ali? “Eu venceria, e disse isso a ele”, diz Jack, divertindo-se.

O ex-boxeador e ex-ator vive hoje em Los Angeles, na Califórnia, onde agora é escritor e produtor de cinema. Embora seja mais conhecido por sua atuação no cinema, ele parece recordar com carinho de sua época de boxeador. E não esconde os reais motivos pelos quais sua carreira não foi para frente. “A verdade é que eu não me preparei como deveria”, diz Jack. Ele não entra em detalhes, mas dá a entender que era uma espécie de Adriano Imperador do boxe. As tentações e confusões extracampo não permitiram que ele focasse como deveria na vida de atleta. “Nesta luta (contra George Foreman), eu estava melhor nos primeiros quatro rounds. Mas acabei levando um golpe e nocauteado”, recorda Jack.

Talvez Jack não se preparasse da melhor maneira, mas era obstinado. Ele conta que recebeu o diagnóstico de sua doença logo antes de uma luta na Califórnia. O médico disse que ele deveria se tratar porque, senão, ia morrer. Ele escutou e foi para a luta assim mesmo. Depois, submeteu-se a um tratamento inovador na época, que utilizava laser para ´explodir` o câncer, e cometeu outra insanidade.

“Eu passei pelo procedimento e deveria ter ficado no hospital. Mas dei um jeito de escapar e fui direto participar de outra luta”. O ano era 1974, Jack perdeu essa luta, venceu outras depois, mas, ele conta, ficou claro que não tinha mais condições de seguir adiante no boxe.

“Resolvi me aposentar, e poucos meses depois já me chamaram para fazer um filme”, lembra ele. Apesar de nunca ter atuado como ator, nem estudado atuação, as habilidades cênicas de Jack já haviam chamado a atenção de produtores de cinema desde 1968, quando ele recebera o primeiro convite. Pouco tempo depois de se aposentar, então, lá estava o ex-boxeador estreando nas telas em “O Último dos Valentões” (que tem o título original de “Farewell, My Lovely”).

Ao longo de sua carreira como ator, Jack nunca foi de fato um protagonista, mas teve o privilégio de atuar ao lado de atores famosos como Omar Sharif, Catherine Deneuve, Jessica Lange, Dan Aykroyd, Tom Hanks e, claro, o "homem de ferro" Christopher Reeve. Sobre "Superman II", aliás, vale dizer que ideia de um vilão mudo foi do próprio Jack. E que ele nunca escondeu que não se dava muito bem com o protagonista do filme. Apesar de seu carinho pela obra, em declarações anteriores ele deu a entender que não tinha uma boa relação com Reeve, e que o ator se comportava de maneira um tanto mimada durante as filmagens, para dizer o mínimo. Jack, entretanto, admitiu também que, quando Reeve se machucou e ficou tetraplégico, ele soube admirar a coragem do ator para enfrentar a situação. 

Mas Jack teve uma “recaída” em relação ao boxe. E foi breve e triunfal. Em 1994, ele estava na academia de um colega em Los Angeles quando começou a observar um garoto que treinava. “Imediatamente, eu vi ali habilidades que ninguém tinha visto ainda”, conta Jack. “Decidi então treinar o garoto. Disse a ele que, se me escutasse e fizesse tudo o que eu dissesse, seria campeão". 

O garoto ouviu e, seis meses depois, foi campeão mundial dos super meio pesados. Seu nome é Frankie Liles. “Eu nunca havia treinado ninguém e em seis meses fiz do garoto campeão do mundo. Foi uma maneira de devolver ao boxe o que eu poderia ter dado ao esporte e não dei”, orgulha-se Jack. Se ele pensa em largar sua atual carreira no mundo das artes – agora na literatura – para voltar a treinar alguém? “Bom...Não sei, recebi uma proposta aí...estou pensando sobre o assunto”, revela Jack.