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Poeira, pedras e lágrimas marcam um domingo no inferno para o ciclismo

Verônica Mambrini

do UOL, em São Paulo

15/04/2014 06h00

A Volta da França e o Giro da Itália são velhos conhecidos de quem acompanha ciclismo. Menos conhecida, a Paris-Roubaix é uma das provas mais emocionantes da temporada: muitos furos nos pneus, bikes quebradas, poeira e trepidação no chão de pedregulhos tornam essa prova clássica um domingo no inferno, literalmente.

Diferentemente do Giro ou da Volta, ela é uma prova de um único dia, característica das provas de primavera que abrem a temporada de ciclismo. “Essa época do ano é das provas de um dia. É o aquecimento para ciclistas que já estão pensando no Giro d’Italia e e na Volta da França. E tem as figurinhas carimbadas do póidio, como o Tom Boone, que já ganhou 4 vezes, é o Neymar dessa prova. Ela é tão popular na Bélgica que tem foto do Boone até em caixinha de leite”, diz Leandro Bittar, jornalista especializado em ciclismo.

A Paris-Roubaix, que existe desde 1986, coleciona apelidos: a Rainha das Clássicas, o Inferno do Norte, a Pascoal, Um Domingo no Inferno. O apelido de Inferno do Norte foi dado por jornalistas que inspecionaram a rota da prova em 1919, por conta dos destroços da guerra de trincheiras encontrados, logo depois da Primeira Guerra Mundial. Mas o apelido convém: há cerca de 25 a 27 trechos de paralelepípedos toda edição, que tornam o percurso um sofrimento mesmo para ciclistas profissionais. É comum bikes quebrarem, ciclistas chegarem imundos e cobertos de pó e lama.

“Chachoalha mais: desgasta a bike e o ciclista. Na Paris-Roubaix, leveza nem do ciclista nem da bike é o mais importante. São 50 e poucos quilômetros de paralelepípedo, mais de uma hora no cascalho. Isso implica São pneus mais largos, mais vazos, para absorver o impacto. Se tem previsão de chuva, o freio é diferente, mais eficiente para funcionar mesmo cheio de lama. O guidão tem o dobro de gel para absorver mais o impacto”, explica Leandro. Os pneus, por exemplo, são mais largos e tem praticamente metade da pressão de um pneu usado numa prova no asfalto, entre muitas adaptações que tornam a bicicleta mais suportável.

Por isso mesmo, a prova subverte uma tendência das grandes voltas, em que ciclistas leves ganham vantagem. Aqui, tende a vencer o ciclista mais pesado, que consegue manter-se rápido no terreno irregular e reduzir a trepidação, porque ele “quica” menos. Os paralelepípedos são tão amados que existe até uma associação francesa responsável por cuidar deles. “A Associação dos Amigos da Paris-Roubaix comprou até trechos de fazendas por onde passa a estrada para mantê-los conservados”, conta o jornalista. Não à toa, o troféu da Paris-Roubaix é um paralelepípedo.

Ela vai tão na contramão das regras do que valem para o ciclismo de estrada, que só em 2011 um ciclista, Fabien Cancellara, ganhou com roda de carbono pela primeira vez. “Ninguém sequer acreditava que dava para fazer essa prova de roda de carbono”, diz Leandro. “É uma prova de resistência, por excelência. Todo trecho de paralelepipelo vira uma espécie de sprint, em que o atleta tem que passar muito rápido. Ela também é atípica porque como não tem montanha, não seleciona o atleta por subida. Com chuva, fica um lamaçal total, e é a graça da prova. É ver quem sobrevive a isso.”

Outra particularidade da Pascoal é terminar em um velódromo: o primeiro ciclista a chegar em Roubaix entra direto no velódromo – às vezes a prova é decidida nessas voltas no velódromo, com torcida e clima de estádio. Mas só terminar já é um privilégio: dos 199 ciclistas que largaram esse, 55 abandonaram a prova. Esse ano, contrariando as previsões, que apontavam para a vitória do suíço Fabian Cancellara, deu zebra: quem subiu no topo do pódio foi o holandês Niki Terpstra, da equipe Omega Pharma/Quick Step. Murilo Fischer, único brasileiro a participar da prova, terminou em 111º lugar. “Todas as vezes que participei foi com tempo bom. Já é uma corrida muito difícil, com chuva fica quase impossível”, disse o ciclista brasileiro ao UOL Esporte.