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Como uma bicicleta Frankenstein criou um fenômeno do ciclismo brasileiro

F. Piva/Specialized
Imagem: F. Piva/Specialized

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

04/02/2015 06h00

Hoje, Pirenópolis, em Goiás, é sinônimo de música sertaneja. Cortesia de Zezé de Camargo e Luciano, os mais famosos filhos da cidade. Em alguns anos, essa imagem pode mudar, graças a uma ciclista roqueira e sua paciência para construir uma bicicleta Frankenstein.

Raiza Goulão, 23, é a maior revelação do mountain bike brasileiro nos últimos anos. E está bem longe do perfil típico de onde nasceu. Esqueça roupas justas e estampas xadrez. Pense em roupas pretas, piercings e tatuagens. E uma bicicleta que acompanha essa imagem.

A imagem do Frankenstein que ficou consolidada no imaginário popular envolve um monstro criado com partes de diferentes corpos, cheio de cicatrizes. A bike com que Raiza começou a competir era mais ou menos assim.

Quando conseguiu seu primeiro emprego, em um café, ela usava cada centavo que sobrava do salário para comprar peças de bicicleta. Mês a mês, uma a uma. Com um problema a mais: Pirenópolis não tinha uma loja especializada.

“Eu tinha de ir até Anápolis, que é a cidade vizinha. Ia de coletivo. E a cada viagem, voltava com uma peça. Primeiro foi o quadro, depois a suspensão...”. Quando chegava em casa, vinha a decoração. No quadro preto entravam os adesivos de basquete, esporte que praticou por cinco anos. Como se fossem as cicatrizes do personagem de terror.

“Nunca imaginei que faria do mountain bike a minha profissão. Pedalava de brincadeira. Minhas duas primeiras bikes eram de supermercado, baratas. Um dia, fui a uma competição e colocaram um flier no para-brisa do carro do meu pai. Quando vi, era na minha cidade e eu pensei: por que não?”

Sorte do esporte brasileiro. De 2009 até 2013, Raiza acumulou títulos brasileiros, sul-americanos e dois títulos pan-americanos sub-23, feito inédito no ciclismo por aqui. No ano passado, foi vice-campeã brasileira, atrás de Isabela Lacerda. Subir o nível, das competições sub-23 para o adulto, foi complicado.

“Foi um choque de realidade. Na elite, dobra o número de atletas, dobra o nível das provas, aumentam as distâncias. Achei que não iria ser um choque tão grande, mas foi. Mas é um ganho de experiência”, admite.

Essa experiência será usada em 2015, em busca da vaga para os Jogos Pan-Americanos de Toronto, e em 2016, sonhando com as Olimpíadas do Rio. Nessa temporada, Raiza estreia em uma nova equipe (AOO Specialized), estruturada nos moldes internacionais – um dos companheiros será Rubens Valeriano, o Rubinho, medalhista do Pan-Americano do Rio, em 2007.

“A equipe é um pontapé inicial. Para o Pan, é possível pensar em pódio. Para 2016, ainda vai faltar um pouco para uma medalha. Mas com um projeto tão bom, em cinco ou seis anos, podemos chegar à elite mundial”. Para quem teve paciência para construir uma bicicleta peça a peça, mês a mês, esperar seis anos por uma medalha olímpica não parece improvável.