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Pelada, um bioma brasileiro

Jogadores disputam a bola num jogo da várzea - Diego Padgurschi /Folhapress
Jogadores disputam a bola num jogo da várzea
Imagem: Diego Padgurschi /Folhapress
Leandro Ramos

04/12/2018 11h59

Sou peladeiro desde moleque. Sempre tive uma peladinha semanal cativa para destilar minha essência futebolística. Deus me deu esse talento de trombar com os zagueiros e empurrar pro gol, procuro honrar a camisa que visto com muito humor inteligente e raça burra, aquela que nos faz dar carrinho em campo de terra batida, deslizar na grama sintética tatuando nossa coxa e jogar gripado na chuva. Só que uma coisa sempre me saltou aos olhos: o ecossistema da pelada e seus habitantes. As peladas, não importa em qual região do Brasil é disputada, têm um mesmo ecossistema com os mesmos tipos de frequentadores e funcionam perfeitamente como uma complexa engrenagem movida a resenha, suor, churrasco e cerveja. Vamos conhecer um pouco mais os personagens deste bioma tão brasileiro?

Toda pelada que se preza tem ao menos um Perna-de-Pau Piadista e motivador, cuja principal função é ficar de fora narrando os jogos, bebendo cerveja, sacaneando os atletas em campo e recepcionando os perdedores que acabaram de sair do gramado com zoações ou frases motivacionais.

Outro tipo indispensável a toda pelada é o Gordinho Habilidoso. O Gordinho Habilidoso é um jogador traiçoeiro, não no sentido maléfico da palavra, mas por possuir suas artimanhas, pois ao olhar o tipo físico do gordinho habilidoso, um atleta que chega pela primeira vez na pelada pode confundi-lo com um gordinho normal, também muito presente nos gramados do Brasil e do mundo, e seus marcadores tendem a entrar mais relaxados nas jogadas por acharem que vai ser fácil roubar a bola de uma pessoa sedentária. Mas, apesar do tipo físico, o gordinho habilidoso é ágil e na primeira oportunidade que tiver vai te dar uma caneta e desmoralizar perante seus amigos e o perna de pau piadista, te tornando o assunto principal da resenha pós-jogo. 

Outro tipo que nunca falta em nenhuma pelada é o Driblador Guloso Reclamão. Responsável por boa parte das discussões no gramado, o Driblador Guloso Reclamão é normalmente o mais habilidoso e mais fominha dentre os membros do futiba, e, por uma maldade divina, também possui a característica de ser o mais reclamão e sem noção, ele nunca passa a bola, mas na primeira vez que alguém não o vir e tentar o chute a gol em vez do passe, ele vai dar um chilique, ficar dois minutos reclamando contigo e depois vai botar a culpa em você se o time perder. É um ótimo atleta para treinar nossa paciência.

O tipo mais carismático da pelada é o Pereba Gente Boa, o pereba gente boa é esforçado, nunca desiste de uma bola, não reclama dos companheiros, muitas vezes cede seu lugar no campo para alguém melhor no intuito de ajudar o time e é o mais boa praça entre os frequentadores da pelada. Ele não é exatamente o pior jogador em campo (sempre é o perna-de-pau piadista), mas nunca vai se destacar numa partida. É responsável por grande parte das entregadas porque é humilde e se oferece pra jogar atrás, mas ele é tão gente boa que pouca gente tem coragem de brigar com ele. 

Um tipo que particularmente me irrita é o Jogador Medíocre de Autoestima Alta. Esse sim é um perigo. Ele joga direitinho, mas se acha o Cristiano Ronaldo, quer tirar o time, quer armar o time em campo, fica cantando todas as jogadas, pede a bola o tempo inteiro, quer bater pênalti escanteio, lateral, vez ou outra mete um gol, tem preguiça de marcar e adora colocar a culpa nos outros quando o time perde. O Jogador Medíocre de Autoestima Alta, se colocado no mesmo time do Driblador Guloso Reclamão, pode acabar com uma pelada ou desencadear uma porradaria generalizada. Muito cuidado. 

O colunista Leandro Ramos e seu bioma pessoal na pelada da Pompeia - Arquivo Pessoal/Leandro Ramos - Arquivo Pessoal/Leandro Ramos
Imagem: Arquivo Pessoal/Leandro Ramos

Eu poderia passar um dia inteiro escrevendo aqui sobre os tipos de jogadores de pelada: o Zagueiro Que Não Ri; o Magrelo Alto Habilidoso; o Goleiro Suicida; o Playboy Craque de Bola... Ah, esse fantástico mundo do futebol amador. Numa próxima oportunidade, falaremos desses outros animais exóticos que habitam os campos, ruas e quadras de todo o país. Abraço para a rapaziada que me atura na peladinha de segunda na Pompeia! Até semana que vem!

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