Esporte

O ano mais difícil

Mauricio Rummens/Fotoarena/Folhapress

Sofrendo em silêncio

UOL revela o drama pessoal e a amargura de Centurión em 2015

Juliana Alencar e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo
Mauricio Rummens/Fotoarena/Folhapress

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Do céu ao purgatório

Ricardo Centurión não está confortável. Maior contratação do ano do São Paulo, o argentino de 22 anos encerra neste domingo o primeiro ano no clube sem conseguir mostrar a que veio. Pouco aproveitado na temporada e vítima indireta da instabilidade nos bastidores do clube, ele ainda se viu às voltas com um drama fora dos campos: o câncer da mulher. O jogador prefere não colocar muito peso sobre o tema. Mas não faz questão de esconder um certo incômodo com a sua situação atual no clube. Ele queria mais.

"Não foi um bom ano para o grupo e individualmente. Quando cheguei ao São Paulo pensava em ser protagonista", lamenta ele, numa entrevista exclusiva ao UOL Esporte, nesta quarta-feira, 2. "Depois da Libertadores, baixei um pouco de nível e deixei de ser aproveitado pelo técnico. Mas sempre segui trabalhando para fazer o melhor. Estou tranquilo, foi um ano de adaptação aqui no Brasil", avalia o jogador.  

Reprodução/Instagram

Câncer foi agravante

Um tumor maligno na região inguinal. Foi com a notícia de que sua namorada, Melody Pasini, 19 anos, estava com câncer que o jogador teve que conviver  cinco meses depois de chegar ao São Paulo. O atacante, que ainda vivia o complicado período de adaptação ao novo clube, sofreu um baque que atrasou ainda mais o processo. A notícia chegou logo após a participação são-paulina na Libertadores, encerrada na eliminação para o Cruzeiro. E o afetou esportivamente.
 
Ainda sem estar 100%, ele teve que se ausentar de treinos e jogos, o que aconteceu por ao menos três vezes, para acompanhá-la no início do tratamento. Melody era uma espécie de porto seguro do jogador em São Paulo. Tinha se mudado para o Brasil justamente para ajudá-lo a se sentir menos solitário.
 
Todo o momento foi tratado com discrição, a pedido do próprio jogador. A ideia era se preservar dos comentários de que o rendimento baixo em campo tivesse exclusivamente relação com o drama pessoal. À época, a estudante reforçou a intenção de não expor o seu problema de saúde. Longe do namorado, com quem mora em São Paulo, ela iniciou a quimioterapia em Buenos Aires com o apoio da família. Em meio a Copa América, até Lionel Messi gravou um vídeo desejando melhoras à jovem: "Nos inteiramos sobre o que está acontecendo e gostaria de desejar saúde. Sei que é muito difícil dizer algo nesse momento, mas quero te dizer que lhe desejo o melhor", disse o astro do Barcelona.
 
"Estou fazendo todo o tratamento na Argentina", disse ela, que encerrou a quimioterapia no início do mês e, agora, diz estar clinicamente recuperada. Na vitória por 3 a 2 contra o Figueirense, Melody voltou ao Morumbi e publicou registros da partida numa rede social. Do susto, ficou a lição de vida. O episódio serviu, segundo Centurión, para que amadurecesse.
 

"Não me acho pior que o Pato", diz Centurión

Fábio Braga/Folhapress

Difícil de se enquadrar

Centurión, na verdade, deixa o drama pessoal no pretérito. Prefere atribuir o ano instável a uma de suas características: a dificuldade em se adaptar a uma outra cultura. Muricy Ramalho, técnico do São Paulo quando o atleta chegou ao clube, falou abertamente sobre o assunto. Citava, sobretudo, o problema do jogador em se entrosar com os colegas. O mesmo já havia ocorrido quando defendeu o Gênoa, na Itália, em 2013. Não ficou no clube a tempo de reverter essa imagem. Pediu para voltar antes do fim do vínculo.

O meia reconhece que o processo de adaptação dele é mais lento que de boa parte dos casos e cita a passagem pouco produtiva pelo futebol italiano como um exemplo. "Me havia passado já (em 2013, quando fui jogar) no Gênoa. É muito difícil a adaptação. Não acontece com todos, mas no meu caso sim, a adaptação me custa muito", admite. Até hoje, por exemplo, o jogador não fala português com facilidade: "Posso entender bem, mas falar é mais complicado".

A cidade, em si, também não ajudou. Ele se assustou especialmente com questões de mobilidade na metrópole. A solução foi alugar um apartamento próximo ao CT do clube, na Barra Funda. Mas isso impediu que ele descobrisse o que há de bom na cidade.  

Tudo isso somado ainda ao seu temperamento. "É muito tímido e calado. Às vezes, isso pode ser mal interpretado", afirma Talles Darlan, braço direito do jogador no Brasil. Ele foi um dos poucos amigos que conseguiu fazer na capital desde que chegou. Não à toa, é o assessor, aliás, quem costuma, acompanhá-lo nos raros passeios por São Paulo. Leva, sobretudo, a restaurantes que o façam relembrar um pouco do país de origem. 

Quem convive ainda que superficialmente com Centurión, nos bastidores do clube, também destaca o lado introvertido dele. O cabeleireiro Dill Black, que atende atletas no CT, conta que ele prefere ser atendido quando os colegas já não estão mais no local. "É um cara do bem, mas é uma pessoa muito quieta, não se envolve nas brincadeiras dos outros. Acho que até mesmo pela questão do idioma, acha que estão zoando", palpita.  Coincidência ou não, o atacante colombiano Wilder Guisao é com quem o atleta tem mais proximidade no elenco são-paulino. Mas os dois não levam a relação além dos limites do clube.  

Alan Kardec, atacante, foi um dos que tentaram se aproximar de Centurión. Mas não conseguiu estabelecer uma amizade. "Sinceramente, é complicado falar de outros companheiros e até uma irresponsabilidade enorme. Talvez não tenha se adaptado. Mas acho que já foi tempo suficiente pra isso também. Da parte técnica, eu prefiro não falar. É um garoto que está conosco e contamos com ele para 2016", afirma. 

REUTERS/Marcos Brindicci

Ídolo...no Racing

O jornalista Nicolás Montala, do diário argentino "Olé", revela algo da personalidade  que poderia justificar o ano sem sucesso do jogador no São Paulo: o inconformismo com a falta de protagonismo. O repórter, que acompanha a carreira dele desde o Racing, clube que revelou o atleta e do qual é assumidamente torcedor, acredita que Centurión não soube lidar com o fato de ser coadjuvante.
 
Na última temporada no time de Avelaneda, Centurión foi responsável pelo gol do título do campeonato argentino, que levou o clube para a Libertadores depois de anos longe da competição. Lá, era tratado como um ídolo absoluto. Até hoje, por exemplo, páginas de redes sociais do jogador são frequentemente invadidas por mensagens de torcedores pedindo o seu retorno para o futebol argentino. 
 
"Foi difícil porque no Racing ele era uma figura central e, no São Paulo, é um a mais. Ele era o jogador mais desequilibrante do elenco. Talvez por isso aí seja tão difícil e não tenha sequência", avalia. A grosso modo, é como se o banco, para ele, fosse desmotivador. "Ele quer jogar, quer pegar ritmo de jogo. (Não jogar) faz com que ele não se sinta cômodo. Ele estava acostumado a ser titular indiscutível".
 
Desde que chegou ao São Paulo, Centurión participou de 45 jogos, apenas 20 deles como titular. Perdeu ainda mais espaço durante o Campeonato Brasileiro, com o crescimento de Alexandre Pato em campo. Na época, inclusive, chegou a manifestar, pelo Twitter, seu descontentamento com o técnico Juan Carlos Osorio, por se sentir preterido. Foi obrigado a pedir desculpas.
 
Hoje, ele se mostra arrependido dos questionamentos feitos ao colombiano. Para ele, no entanto, estar à sombra do atleta no elenco são-paulino é algo circunstancial. "Não me vejo menor que o Pato", afirma.
Rubens Cavallari/Folhapress

"Ele não pode ter se esquecido como jogar", diz Muricy

Responsável pela contratação de Centurión, Muricy Ramalho comandou o atleta no São Paulo até abril. Mas mesmo com o ano pouco produtivo no clube paulista, o técnico não acredita que tenha cometido um erro ao sugerir o seu nome após a contratação do palmeirense Dudu não vingar. Para Muricy, a dificuldade de adaptação foi o que afetou o rendimento dele no clube.
 
"Argentino se adapta em qualquer lugar, não tem esse negócio de saudade. Ele é um caso raro, porque argentino não sofre com essas coisas. Mas a gente sabia do risco. Tem jogadores que são assim", opina ele, que não vê motivos para não acreditar que o jogador se torne importante em 2016. "Depois de uma temporada o cara acha o caminho dele e deslancha. Futebol ele tem, acredito que o ano que vem ele vai deslanchar. Porque ele não pode ter se esquecido como jogar".
 
Muricy afirmou que a decisão de contratar o jogador foi feita em conjunto com o então gerente de futebol do clube, Gustavo Vieira, para suprir uma deficiência no elenco. "Ele é um ponta que joga pelos lados, principalmente pelo esquerdo. Era o que a gente precisava. A gente não tinha ninguém com essa característica desde que o Lucas e o Osvaldo saíram".
 

Centurión em frases

Ele está com dificuldade de comunicação, entrosamento. Ele não é de falar mesmo. Ele está tendo dificuldade com isso dentro de campo

Muricy Ramalho

, Ex-técnico do São Paulo, em 6 de março

Está no direito de querer jogar sempre. Mas espero que respeite minhas decisões. Penso sempre no que é melhor para o time, não para o jogador

Juan Carlos Osorio

, Ex-técnico do São Paulo, após reclamação do atleta no Twitter, em 10 de julho

Centurión nos dará muitas alegrias. Precisamos de um time melhor em volta dele

Vinícius Pinotti

, Empresário que trouxe o jogador ao São Paulo, pelo Twitter, em 8 de março

Reprodução/Instagram

Isolamento por opção

Enquanto o futuro do jogador não é definido, ele mantém a rotina de sempre. É no confortável apartamento que vive na Barra Funda que ele passa a maior parte do tempo nas horas vagas. Quando não está com a mulher, "importa" amigos e familiares da Argentina para fazer companhia a ele. Vale até a sogra. Quando tem períodos maiores de folga, costuma viajar ao seu país. 

Em São Paulo, uma das maiores diversões de Centurión é assistir aos jogos do campeonato argentino. Acompanha com regularidade. Nessas horas, age como um torcedor comum, perturbando vizinhos. Também adora jogar games. E se diverte com um cachorro, um buldogue francês adquirido por mais de R$ 10 mil assim que chegou à cidade. 

Com a mulher de volta definitivamente a São Paulo, após encerrar a quimioterapia, Centurión tem tentado aproveitar o tempo a dois e passear. Após a vitória contra a Chapecoense, viajou ao Rio com a namorada. Os dois se hospedaram num hotel de luxo em Copacabana. Ela ainda não conhecia a cidade. Melody, aliás, planejava conhecer praias brasileiras durante as primeiras férias do atleta no país. 

Os números no São Paulo

Eduardo Anizelli/Folhapress

Futuro incerto no clube

Centurión foi contratado pelo São Paulo por quatro anos, num negócio que movimentou pelo menos R$ 14 milhões. O salário, que beira os R$ 200 mil (um dos mais altos do elenco), soa incompatível com o papel secundário que assumiu no São Paulo no ano. A crise nos bastidores, no entanto, tem evitado que venha à tona qualquer questionamento sobre a importância do atleta no clube. A priori, tudo fica como está.
 
Apesar de não ter completado o primeiro aniversário de contrato, há, na Argentina, uma aposta de que ele possa deixar o clube até o final da temporada. A chegada do agente do atleta, o argentino Alejandro Mazzoni, a São Paulo, nesta quinta, 3, seria um indício disso.  
 
Numa recente entrevista dada a um programa de rádio de seu ex-clube, discutiu-se especialmente a possibilidade de ser oferecido por empréstimo ao fim da competição. Centurión respondeu que não fecha portas para nenhum clube - inclusive o Racing -, mas disse não estar "desesperado" com a sua situação no São Paulo.
 
"Sempre trabalho para jogar, creio que nenhum jogador gosta de ficar no banco. Torço para que o ano que vem, se eu continuar no São Paulo, seja melhor, um ano melhor que esse", torce.

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