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Rússia e EUA revivem Guerra Fria. E gol anulado desagrada até Putin

Bruno Freitas

Do UOL, em Sochi (Rússia)

15/02/2014 13h31

O Ice Dome resgatou neste sábado um pouco da aura da Guerra Fria no esporte, no embate em que os Estados Unidos derrotaram a Rússia no hóquei no gelo masculino. A arena de 12 mil torcedores da Olimpíada de Sochi recebeu o evento mais esperado dos Jogos de Inverno até aqui com um genuíno clima de clássico de futebol do lado de fora. Dentro, até o presidente russo Vladimir Putin ficou injuriado com um gol anulado no fim que impediu a festa dos donos da casa.

Em uma partida dramática, válida ainda pela fase de grupos, os Estados Unidos venceram no desempate por shootouts, espécie de decisão por pênaltis. Antes, empate por 2 a 2. Os torcedores pareciam prever o grande jogo mesmo antes do início.

"Preciso de ingresso. É o jogo de hóquei mais importante dos últimos 20 anos", afirmou o fã russo Sergei Polushin na frente do Ice Dome antes da partida, abordando quase todos que passavam em busca de uma oportunidade de ver o clássico do gelo.

Na verdade, os ingressos para o compromisso estavam esgotados há muito tempo. Mesmo para a imprensa faltou lugar, com a partida liderando a lista high demand (alta demanda) de pedidos por espaços de trabalho.

"É especial porque é um jogo entre superpotências, que nos faz lembrar a época da Guerra Fria, do 'Milagre no Gelo' de 1980, quando os Estados Unidos ganharam da Rússia. E finalmente porque o jogo é na Rússia", disse o americano Phil Goldstein, trajado com as cores de seu país ao lado da esposa Nancy em meio à multidão russa.

O episódio citado pelo torcedor americano aconteceu ainda com a Guerra Fria a todo vapor. O "Milagre do Gelo" é o apelido dado à vitória do time do país sobre a União Soviética nos Jogos de Inverno de 1980, em casa, Lake Placid. Formada por amadores e universitários, a equipe dos EUA derrotou os favoritos soviéticos, que haviam conquistado o ouro em seis das sete edições anteriores da Olimpíada.

Este momento foi eleito pela Federação Internacional de hóquei como o mais importante da história da modalidade. Ainda a famosa revista Sports Illustrated incluiu o "Milagre no Gelo" entre os 20 fatos mais importantes do esporte no século passado.

E logicamente toda essa atmosfera não deixaria de migrar para o ringue de patinação. Logo nos segundos iniciais de jogo americanos e russos trocaram empurrões em uma jogada. Ryan Callahan e Yevgeni Medvedev deixaram a confusão de lado e se juraram, sentindo de perto um o bafo do outro até a arbitragem apartar a rixa. Assim, o clássico começava quente da maneira que se esperava.

Em seguida, o americano Dustin Brown fez o russo Anton Belov decolar em uma dividida de puck (a bola do hóquei) atrás de um dos gols. E essa foi a pegada física do clássico até o final.

Muito se esperava de Alexander Ovechkin, que possivelmente é o atleta russo mais popular nos Jogos de Inverno. O rosto do jogador do Washington Capitals está em uma série de cartazes de publicidade pelas ruas de Sochi [sem um dos dentes da frente, perdido após uma tacada na boca em partida da liga NHL nos EUA].

No entanto, não foi Ovechkin que saciou a sede dos torcedores russos. No segundo período, o astro sentou no banco para descansar, e a transmissão oficial flagrou sua nítida cara de insatisfação. Nada estava dando certo. Mas instantes depois Pavel Datsyuk saiu costurando a defesa americana e marcou, fazendo o Ice Dome tremer.

A vantagem não durou muito. O americano Cam Fowler empatou ainda no segundo período, trombando com a defesa russa até mandar para o gol. Aí, a minoria torcida visitante se soltou, teve até dancinha.

Ainda não tinha a carga dramática de um "Milagre no Gelo", mas os Estados Unidos conseguiram a virada na casa russa, graças a uma anotação de Joe Pavelski no terceiro período. No entanto, o equilíbrio que marcou a partida inteira foi consagrado com o empate dos anfitriões, mais uma vez com Datsyuk.

Nos minutos finais, a grande polêmica do clássico, quando Fedor Tyutin anotou para a Rússia e balançou o ginásio. Mas a arbitragem decidiu rever o lance pela TV e invalidou o gol, assinalando deslocamento da trave. A decisão revoltou a torcida e até o presidente Putin foi flagrado com cara de poucos amigos na tribuna de honra.

Após nova igualdade na prorrogação, a partida enfim se definiu nos disparos shootouts. Aí brilhou a estrela de TJ Oshie, dando a vitória sofrida aos americanos.

Mas como toda boa e velha rivalidade de Guerra Fria, como o clichê de Rocky IV há de provar, existe uma margem para um segundo encontro. A partida deste sábado foi válida ainda pela fase de grupos. Se o universo do puck conspirar a favor, Rússia e EUA quem sabe podem se cruzar de novo nas finais, valendo uma medalha.