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Lito Cavalcanti

O ex-vulcânico Verstappen se contamina pelo pragmatismo corporativo da F-1

Benoit Tessier/Reuters
Imagem: Benoit Tessier/Reuters

27/05/2019 12h31

O domingo mostrou claramente que há bem mais que o oceano Atlântico separando a Fórmula Um e a Fórmula Indy. Ambas correram ontem em seus mais belos cenários, as ruas estreitas de Monte Carlo e a pista larga e veloz de Indianápolis. Enquanto a primeira deixou claro que o suntuoso Grande Prêmio de Mônaco só chegou à sua 90ª edição pelo glamour que o cerca, as 500 Milhas apresentaram o melhor que o automobilismo tem para oferecer.

Realizada pela primeira vez em 1930, a corrida de Mônaco é apropriadamente chamada de joia da coroa. Percorrendo o porto mais sofisticado da Europa, ela vive mais dos iates que a adornam do que qualquer aspecto esportivo. Atraídos pelo ambiente de luxo e riqueza, a ela comparecem todos os CEOs das empresas envolvidas de um modo ou de outro com a Fórmula Um. Levam junto amigos, amigas e parceiros comerciais para, a bordo das luxuosas embarcações, renovarem contratos e reforçar vínculos de negócios - além, é claro, de desfrutar das delícias do "grand monde".

Não se pense, por isso, que para os pilotos o fim de semana é igualmente leve e desfrutável. A eles, a tarefa de conduzir carros brutais em um ambiente que põe a prova, por nada menos de 78 voltas em um percurso de 3.337 metros, sua capacidade de concentração. O mínimo erro ao longo desses pouco mais de 260 quilômetros tem um único e inevitável resultado: o acidente. Tudo isso para, ao fim e ao cabo, ouvirem as justíssimas queixas e reclamações de um público frustrado pela falta de espetáculo esportivo.

Foi exatamente isso que, como em muitas outras vezes, ocorreu no grande prêmio aclamado como o mais glamoroso de cada ano. Nem mesmo o raríssimo erro tático da Mercedes ao escolher para seu pentacampeão Lewis Hamilton pneus menos duráveis do que os indicados para a situação de momento foi suficiente para evitar a vitória mais do que previsível de seu principal piloto. E a série recorde de cinco dobradinhas da poderosa Mercedes só foi interrompida por um incidente na pista ... dos boxes, a modestíssimos 50 quilômetros por hora.

Na troca de pneus, o holandês Max Verstappen foi mandado de volta à pista de maneira precipitada e o resultado foi uma leve colisão com a Mercedes de Valtteri Bottas, que até ali ocupava o segundo lugar. Bottas precisou retornar aos boxes para trocar um pneu furado na escaramuça e caiu para o quarto lugar, de onde não conseguiu mais sair. Verstappen ocupou o segundo lugar e recebeu uma punição de cinco segundos.

Em outros tempos, seria a deixa para o antes agressivo holandesinho atacar Hamilton com a fúria que lhe deu fama e fortuna - principalmente se considerarmos que, no ano passado, o vencedor foi seu então companheiro na Red Bull, o australiano Daniel Ricciardo. Era geral a certeza de que Verstappen superaria Hamilton, cujos pneus davam sinais claríssimos de esgotamento, para então descontar os cinco segundos da punição e brilhar coberto de glória no pódio que dividiria com o príncipe e a princesa de Mônaco. Ou isso ou o muro.

Mas não, longe disso. O que se viu foi uma perseguição estéril do carro azul ao prateado. Um único movimento, a poucas voltas do final, resultou em um roçar de pneus que em nada alterou a monotonia vigente. O ex-vulcânico Verstappen, nitidamente contaminado pelo pragmatismo corporativo da Fórmula Um atual, colocou os 12 pontos no bolso e foi para casa com a consciência do dever cumprido. Será que tem cura?

A medida certa do que foi esse paupérrimo espetáculo se teve com o segundo lugar de Sebastian Vettel. Vítima de um acidente no treino livre da manhã de sábado, ele insinuou uma volta aos bons tempos mesmo com o carro recém-reconstruído ao fazer a melhor volta da primeira fase do treino de classificação, o Q1, aquele em que basta um lugar entre os 15 mais rápidos para passar à fase seguinte, o Q2. Foi só. Largou em quarto, passou para terceiro depois do toque entre Verstappen e Bottas e por lá ficou, ganhando o segundo lugar de mão beijada. No pódio, exibiu o sorriso amarelo de quem sabia que não era aquele o seu lugar.

Mal ou bem, ainda foi um resultado que aliviou mais um fim de semana vergonhoso para a Ferrari. Beneficiada pela desimportância da aerodinâmica em um circuito em que mal se passa dos 200 quilômetros por hora e tem curva que se percorre a 50 km/h, a Scuderia viu Charles Leclerc dominar o treino da manhã de sábado, à frente inclusive das Mercedes.

Mas bastou começar a prova de classificação para o sonho se transformar em pesadelo. Incapaz de dar mais crédito aos fatos que aos softwares de estratégia, o grupo chefiado pelo espanhol Iñaki Rueda chamou Leclerc para os boxes na certeza de que, apesar do erro em uma freada que danificou os pneus, seu tempo era bom o bastante para passar à segunda fase.

Como sempre ocorre em pistas de rua, a passagem sucessiva dos carros melhora dramaticamente a aderência do asfalto. Leclerc caiu para o 16º lugar e foi eliminado de um qualify em que podia conquistar o quarto lugar. Seguiram-se as explicações sem graça nem sentido de que sempre se aprende com os erros e o previsível espancamento do diretor geral Mattia Binotto pela indignada imprensa italiana.

Leclerc largou em 15º (beneficiado por uma punição a Antonio Giovinazzi) disposto a assumir todos os riscos. Fez uma bela ultrapassagem sobre o francês Romais Grosjean, cuja equipe Haas é praticamente satélite da Ferrari. Quando tentou passar pelo Renault do alemão Nico Hulkenberg, os carros se chocaram, dando fim à esperança de emoções. Sim, a atuação de Hamilton, aguentando 66 voltas de pressão de Verstappen mesmo com os pneus médios, merece elogios, mas não absolve a monotonia da corrida.

Ressalte-se, também, o erro da Mercedes na escolha de pneus. Precipitada pela entrada do Safety Car na 11ª volta, os carros prateados foram mandados à pista com os pneus médios, contrariando a previsão da fornecedora Pirelli de que, àquela altura da corrida, se optasse pelos duros, mais duráveis, como fizeram todos adversários. Ironicamente, foi essa má decisão a causa da tensão que, de certa forma, resgatou a dose de emoção provocada pelas queixas de Hamilton a seus engenheiros.

"Vocês não conseguem ver que esses pneus estão se acabando?", insistiu uma, duas, 10 vezes. Jogo de cena para induzir Verstappen a esperar por uma parada nos boxes que na verdade nunca esteve nos planos? Talvez. Pelo sim pelo não, foram esses os únicos momentos que prenderam a atenção dos telespectadores depois da desistência de Leclerc. Nascido e criado em Mônaco, apoiado por seus vizinhos, o jovem piloto tentou o impossível para se recuperar da gaffe da Ferrari - tudo que conseguiu foi um constrangido pedido de desculpas de Louis Camilleri, o CEO da Ferrari...

Do outro lado do Atlântico, uma corrida de tirar o fôlego

Depois do fracasso das 500 Milhas do ano passado, uma prova modorrenta como nunca se imaginou, a direção da Fórmula Indy convocou o pentacampeão Scott Dixon e o recente vencedor de Indianapolis Will Power para testarem as muitas correções aerodinâmicas feitas pela fábrica italiana Dallara, que fornece com exclusividade os carros para a categoria. A finalidade era evitar a instabilidade que limitou a 30 as trocas de liderança nas 500 Milhas de 2018 - 38 a menos que em 2013, uma edição tida como mediana.

Ao contrário das regras extremamente restritivas da Fórmula Um, o pacote aerodinâmico de que as equipes dispuseram para esta edição compreendia acessórios alternativos para os engenheiros usarem - ou não - nas asas dianteiras e nas traseiras; pneus feitos especialmente para Indianapolis e total liberdade para as mudanças nas regulagens depois das provas de classificação e durante a corrida, o que sequer se imagina na do outro lado do Atlântico.

Para culminar, a categoria informou nesta semana que, a partir de 2020 seus carros adotarão o aeroscreen, uma proteção para a cabeça dos pilotos em forma de carlinga de avião de caça que foi desenvolvido pela Red Bull para a F1 e descartado após um curtíssimo teste de duas voltas no carro de Sebastian Vettel. Claramente recusado por motivos políticos, o aeroscreen, cuja eficiência foi comprovada ao superar testes balísticos, foi trocado pelo halo, um arco de eficiência restrita e estética duvidosa que tem o único "mérito" de ter sido projetado pelos engenheiros da FIA.

O resultado desta mentalidade mais aberta foi uma corrida eletrizante em que o até então patinho feio Simon Pagenaud deu à poderosíssima equipe Penske sua segunda vitória consecutiva, a terceira em cinco anos, a 18ª desde sua estreia há em 1969, já lá se vão exatos 50 anos. Ameaçado de demissão até o começo do mês, Pagenaud venceu a corrida no circuito misto de Indianapolis há duas semanas e ontem, logo após a premiação, foi informado pelo big boss que seu contrato foi estendido para 2020.

Mas isso não facilitou em nada a vitória do francês Pagenaud. Autor da pole position, ele liderou 116 das 200 voltas da prova, mas as 13 últimas foram provavelmente as mais duras de sua carreira. Pressionado pelo agressivíssimo americano Alexander Rossi, o surpreendente vencedor de 2016, Pagenaud teve de extrair seu melhor para retomar o primeiro lugar na 198ª volta, resistir aos ataques de Rossi nas últimas 30 voltas e cruzar a linha de chegada com 0s208 de vantagem. Isso depois de uma corrida de 804,672 quilômetros que deixou o enorme público de pé a maior parte do tempo.

Três brasileiros participaram dessa 500 Milhas: Castroneves, mais uma vez pela equipe Penske, Tony Kanaan e Matheus Leist pela escuderia de A. J. Foyt, cujo passado de glórias na pista (que inclui quatro vitórias em Indianapolis e uma nas 24 Horas de Le Mans) contrasta enfaticamente com as limitações orçamentárias. Hélio foi apenas o 18º lugar depois de se envolver em um acidente prosaico na pista dos boxes, quando abalroou o carro de um adversário e viu as chances de mais um bom resultado escapar por entre os dedos.

Tony, vencedor das 500 Milhas em 2013 e campeão da categoria em 2004, conseguiu um inesperado 16º lugar entre os 33 carros que compuseram o pelotão de largada e concluiu a corrida em um comemoradíssimo 9º posto; seu companheiro Matheus, um gaúcho de 20 anos que faz sua segunda temporada na Indy, largou em 24º e chegou em 15º. Esses resultados carreiam para a equipe, em prêmios, um oportuníssimo reforço de caixa.

Para dar uma ideia, no ano passado, o vencedor Will Power embolsou nada menos de dois milhões de dólares. O 33º e último colocado, o australiano James Davidson, que se acidentou após 45 voltas, levou para casa um cheque de 200 mil dólares. A divisão destes montantes é acertada nos contratos, mas a tradição é de 40 por cento para o piloto e os 60 restantes para a equipe.

Pelo que se vê, mesmo na flor dos 84 anos, Indianapolis ainda reserva alegrias para seu ídolo maior A. J. Foyt.

Um fim de semana vitorioso

Coube aos "eletrizantes" Lucas di Grassi e Cacá Bueno as duas vitórias brasileiras neste fim de semana. Ambas foram conquistadas em um circuito traçado nas pistas do histórico aeroporto Tempelhoff, em Berlim. Lucas venceu a prova da Fórmula E depois de efetuar duas belas ultrapassagens que o levara do terceiro lugar no grid para uma liderança que não foi ameaçada em nenhum momento. Com esse resultado, Lucas passou à segunda posição no campeonato, a seis pontos atrás do francês Jean-Eric Vergne faltando três etapas para o final.

Já Bueno venceu de ponta a ponta a prova da categoria Jaguar i-Trophy, disputada apenas por carros Jaguar elétricos. Ele largou na pole position, com Sérgio Jimenez em segundo do começo ao fim. Foi a segunda vitória consecutiva de Cacá, a terceira em oito corridas, mas quem lidera o campeonato é Jimenez, com 107 pontos sobre o americano Bryan Sellers quando faltam apenas duas rodadas.

De volta a Mônaco, os jovens brasileiros chegaram ao pódio da F Renault Europeia, que fez duas provas preliminares à Fórmula 1. No sábado, Caio Collet, de 17 anos, subiu ao pódio ao chegar em terceiro, e João Vieira, de 21, chegou em quinto. No domingo, Vieira também foi ao pódio com o terceiro lugar e Caio foi o quarto. Depois de seis de um total de 20 corridas, Caio é o quarto colocado no campeonato e o primeiro entre os estreantes, enquanto Vieira é o quinto e o segundo.

A nova geração deixa claro que há luz no fim do túnel - mesmo que seja o de Mônaco...