Topo

Fórmula 1

"Pai de Massa", ex-chefe da Ferrari queria comandar equipe com o coração

Felipe Massa posa com o chefe Stefano Domenicali em evento da Ferrari em Cingapura, em 2012 - AFP PHOTO / Punit PARANJPE
Felipe Massa posa com o chefe Stefano Domenicali em evento da Ferrari em Cingapura, em 2012 Imagem: AFP PHOTO / Punit PARANJPE

Livio Oricchio

Do UOL, em Nice (França)

15/04/2014 06h00

Por volta das 20h do sábado do GP da Hungria de 2010, dia 30 de julho, eu me deslocava pelo paddock do circuito quando Stefano Domenicali, enquanto conversava com um técnico da Ferrari, acenou com a mão para mim. Olhei para trás pensando tratar-se de outra pessoa, mas era eu mesmo. Pediu para eu aguardar ali onde estava. Sinalizei positivamente.

Cerca de três minutos depois, veio na minha direção. Já havia conversado com ele em algumas ocasiões sobre áreas do seu e do meu interesse fora do ambiente da Fórmula 1, a exemplo de aviação, astronomia, música. Apesar de achar estranho, obviamente o esperei. 

Aquele GP em Budapeste era o primeiro depois de um dos mais controversos da história da F1, em Hockenheim, na Alemanha, disputado no domingo anterior, seis dias apenas antes. Estava tudo muito quente, ainda.

Só para lembrar, Felipe Massa liderava a prova na Alemanha e Domenicali orientou Rob Smedley, engenheiro do piloto brasileiro, a pronunciar uma frase que ficou histórica e tanto desgaste gerou e ainda gera para Massa: "Felipe, Alonso is faster than you. Can you confirm you understood that message?" ou "Felipe, Fernando está mais rápido que você. Confirma ter entendido a mensagem?" 

Tão logo se aproximou de mim na Hungria, Domenicali estendeu a mão no meu ombro e começamos a andar, lentamente. Minhas dúvidas sobre aquele comportamento cresceram ainda mais. Não tinha essa intimidade com ele e, ademais, muita gente estava vendo aquilo.

Começou falando da esposa e dos dois filhos, como encarava a vida, seu desprendimento com o cargo que exercia, inveja. Eu apenas ouvia atentamente e vez por outra fazia breve colocações, sempre preocupado em deixá-lo à vontade. Claramente necessitava colocar para fora o que tanto o afligia. Nunca um profissional da F1 me havia parado no paddock para falar sobre si mesmo. Ouvi muitas histórias de Flavio Briatore, mas numa condição distinta. Depois de pelo menos uns dez minutos filosofando, Domenicali abordou o ocorrido no GP da Alemanha.

"Fiz aquilo porque é isso o que me pedem para fazer. Fui instruído para agir assim em situações como a de Felipe e Fernando domingo. E eu sou funcionário da Ferrari. Se aceitei a minha função na equipe tenho de obedecer", disse-me. Ficou claro para mim, e diante de sua postura sempre mais humanitária, que pessoalmente não concordava com aquilo e talvez essa fosse a razão de estar ali falando comigo, uma espécie de confissão implícita.

"Trato Felipe como um filho. Quando ele veio trabalhar conosco era um menino, tinha 21 anos, eu o ajudei a formar-se no belo piloto que é e tenho orgulho disso. Não fomos campeões juntos (em 2008) por um detalhe", disse-me, como quem deseja dizer não pretender atingi-lo com a ordem de equipe que custou a Ferrari a multa de US$ 100 mil (R$ 220 mil).

Aproveito o momento de distensão no nosso relacionamento e lhe faço perguntas, como se tem consciência de ser o oposto dos demais diretores de equipe, sempre preocupados em não manter nenhuma relação mais próxima com ninguém fora do pequeno círculo profissional. 

"Sei disso. Mas estou plantando uma semente. Espero obter resultados e ver esse modelo de gestão se estender na F1. Para mim o que importa é o coração. Isso aqui, ó", falou, apontando para o peito. Dentro da própria Ferrari essa era a sua imagem, de um paizão, disposto a ouvir a todos e ser útil o máximo possível. Diretor da equipe? Bem, isso vinha bem depois. Seria mesmo difícil funcionar.

Naquele dia o que imaginava de Domenicali se solidificou. E pensei comigo mesmo que aquele italiano sempre solícito, então com 44 anos, não teria vida longa na F1, por ser um ambiente onde as questões emocionais de cada um não entram, ou melhor, não podem entrar em cena. Seus profissionais são proibidos de expressar o que pensam. Ser espontâneo então representa crime capital. 

Pois não é que ele permaneceu na F1 até hoje, quatro anos depois? É bem provável que vá, agora, por mais paradoxal que possa parecer, ser mais feliz. Poderá ser ainda mais ele próprio. E as pessoas ao seu redor terão a chance de crescer um pouquinho.

Fórmula 1