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Fórmula 1

Capítulo 1: A F1 mudou em 94, e a Williams de Senna não era mais a mesma

Livio Oricchio

Do UOL, em São Paulo

28/04/2014 16h49

"Concordei com as mudanças porque me convenceram de que elas seriam melhores para a F1", afirmou Frank Williams, na apresentação do modelo FW16-Renault, no início de 1994. Sua equipe havia vencido os mundiais de 1992, com Nigel Mansell, e de 1993, com Alain Prost, encontrando enorme facilidade. Senna, de McLaren, já três vezes campeão do mundo, não podia sequer acompanhá-los de perto, quanto menos desafiá-los na luta pelo título.

Assisti ao primeiro treino livre do GP da África do Sul de 1992 atrás do guardrail das curvas 1 e 2 do circuito de Kyalami, ao lado do mestre Jackie Stewart, campeão em 1969, 1971 e 1973. Era a etapa de abertura do campeonato. Depois de ver Mansell percorrer aquelas curvas com o modelo FW14-Renault da Williams, e comparar, por exemplo, com o MP4/6-Honda de Senna, Stewart comentou: "O mundial acabou, a não ser que a nova McLaren se mostre tão mais veloz quanto esse carro da Williams, o que não acredito". A McLaren iria estrear o seu modelo de 1992, a princípio, somente na quinta etapa, dia 17 de maio, em Ímola.
 
Quando regressei para o paddock de Kyalami, vi Senna caminhando para o motorhome da McLaren. Outros jornalistas tiveram a mesma ideia de saber sua opinião a respeito do que acabáramos de ver na pista. A mecânica de operação da imprensa não tinha nada a ver com a doentia proibição para tudo que acontece hoje em dia. Senna nos disse: "Fui dois segundos mais lento (do que Nigel Mansell). Estamos muito atrás. Temos de apressar a estreia do novo carro e não há nenhuma certeza de que seja dois segundos mais rápido para pensarmos em lutar com eles (Williams)". 
 
Mansell segue à frente de Senna com sua Williams FW14-Renault em 1992 - Juan Esteves/Folha Imagem - Juan Esteves/Folha Imagem
Mansell segue à frente de Senna com sua Williams FW14-Renault em 1992
Imagem: Juan Esteves/Folha Imagem
 
A McLaren introduziu seu modelo MP4/7-Honda no GP do Brasil de 1992, terceiro do ano, e, como o previsto por Senna, não era mesmo dois segundos mais rápido que o monoposto de 1991, usado por Senna na África do Sul e no México, as duas primeiras provas, ambas vencidas facilmente por Nigel Mansell. 
 
Senna critica a McLaren
 
"É só vocês olharem para os dois carros (da Williams e da McLaren). Dá para ver que há hoje na F1 uma nova forma de se explorar a aerodinâmica, existente já desde o ano passado, lançada pela Williams. Eles, neste ano, ainda a melhoraram. E nós sequer a temos", afirmou Senna, bastante crítico ao conservadorismo da McLaren. Era o gênio de Adrian Newey, um engenheiro aeronáutico, se manifestando na concepção dos carros da Williams.
 
O regulamento da F1 em 1992 e 1993 permitia uma série de recursos eletrônicos, como a suspensão ativa, entre outros. E a organização de Frank Williams, comandada por Adrian Newey, fora a que melhor respondera àquela realidade da categoria. 
 
O principal coordenador de toda a eletrônica embarcada nos modelos da Williams era um jovem engenheiro, sempre acessível, chamado Paddy Lowe. Esse inglês, hoje com 52 anos, é o atual diretor técnico da Mercedes, time que, com Lewis Hamilton e Nico Rosberg, domina o início do campeonato atual. 
 
Até mesmo os donos das outras equipes, em 1993, estranharam o fato de Frank Williams assinar o documento que garantia a mudança nas regras técnicas da competição para 1994. O Pacto da Concordia, em vigência, exigia unanimidade dentre os proprietários de escuderias para haver uma alteração tão radical das regras como a que ocorreu naquele ano. Para Frank Williams manter sua hegemonia, bastava dizer não a todos que evocavam uma profunda revisão conceitual em tudo o que havia na F1, técnica e esportivamente.
 
Acabar com a hegemonia da Williams
 
Em outras palavras, o que Bernie Ecclestone, promotor do show, e Max Mosley, presidente da FIA, desejavam era acabar com a superioridade absoluta da Williams. Tornar a F1 mais emocionante. Foi a mesma estratégia usada agora, com a Red Bull, ao trocar o motor aspirado V-8 de 2,4 litros por uma unidade motriz híbrida, com um V-6 Turbo de 1,6 litro e dois motores elétricos. 
 
Havia um agravante a mais para a F1 naquele avanço todo da Williams em 1992 e 1993: o principal piloto do time a partir de 1994 seria Ayrton Senna.  "Tenho receio de que ele vença as 16 etapas do campeonato, o que será péssimo para a F1", disse, na época, Flavio Briatore, diretor da Benetton, equipe da estrela emergente Michael Schumacher. O time era oficial da Ford e utilizaria um motor V-8, enquanto a Williams, da Renault, teria um V-10, ambos de 3,5 litros de volume. A diferença de potência em favor da Williams era significativa, estimada em 70 cavalos. Mais à frente, falaremos de como o carro da Benetton competiu com o controle de tração, mesmo com o recurso proibido.
 
Damon Hill e o dominador FW15C da Williams, em 1993 - Getty Images - Getty Images
Damon Hill e o dominador FW15C da Williams, em 1993
Imagem: Getty Images
 
A aprovação de Frank Williams era essencial para mudar o regulamento e, com isso, reverter essa expectativa de sua escuderia vencer tudo. Se os recursos eletrônicos fossem proibidos, todos os projetistas partiriam quase do zero para conceber seus novos carros. Isso permitiria um maior nivelamento dos concorrentes. Tirariam da Williams o que ela tinha de melhor: o seu supereficiente sistema de suspensão ativa, o que fazia com que seus monopostos desfrutassem ao máximo da sua refinada aerodinâmica, principal fator de diferenciação nos projetos de Adrian Newey.
 
A FIA anunciou, em grande estilo, em meados da temporada de 1993, depois da concordância de Frank Williams, que toda e qualquer ajuda ao piloto, durante a condução, estaria proibidas a partir do ano seguinte. Assim, estariam vetados a suspensão ativa, o câmbio automático, o acelerador eletrônico, o controle de tração, o diferencial autoblocante autoajustável e os freios ABS.
 
O carro deveria ser conduzido apenas pelo piloto. Os auxílios à pilotagem não mais seriam tolerados. O objetivo era valorizar o homem, não o equipamento. Para aumentar a possibilidade de não mais haver resultados tão previsíveis quanto em 1992 e 1993, assim como tornar as corridas mais atrativas, com as equipes adotando diferentes estratégias de competição, a FIA reintroduziu o reabastecimento de combustível, proibido desde 1984. 
 
Foi diante desse novo desafio que Adrian Newey e Patrick Head, diretor-técnico e sócio de Frank Williams, começaram a trabalhar no projeto do FW16, o carro em que Senna se acidentou e morreu.
 
No próximo capítulo, vamos falar um pouco mais das características desse monoposto revolucionário, onde o semieixo funcionava como elemento da suspensão e do conjunto aerodinâmico. As primeiras suspeitas sobre a causa do acidente de Senna recaíram na sua ruptura. 
 
Iremos mais fundo também no dia em que Adrian Newey e Frank Williams decidiram recuar e experimentar o modelo de 1993, adaptado ao regulamento de 1994. O motivo: logo nos primeiros treinos, Senna, profundamente decepcionado, deixou claro aos dois que havia algo errado com o FW16. Seu companheiro, Damon Hill, ratificou a sua impressão. Senna havia pilotado o FW15C de 1993 adaptado e o considerou muito superior ao modelo que o substituiria.
 
Esse é o Capítulo 1 da série "O que você ainda não sabe sobre a morte de Senna, 20 anos depois", de Livio Oricchio. Navegue, também, pelas outras histórias:

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