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Mônaco-1982: o ano em que o piloto não sabia que tinha vencido

Riccardo Patrese venceu o GP de Mônaco em 1982 após vários abandonos e chegada "maluca" - Hulton Archive/Getty Images
Riccardo Patrese venceu o GP de Mônaco em 1982 após vários abandonos e chegada 'maluca' Imagem: Hulton Archive/Getty Images

Livio Oricchio

Do UOL, em Nice (França)

17/05/2014 06h00

Você já deve ouvido falar ou mesmo assistiu a corridas bizarras na F1. Mas bem poucas na história de 64 anos da competição foram tão diferentes de tudo o que se conhecia quanto o GP de Mônaco de 1982. Há 32 anos, nas ruas do Principado, local da próxima etapa do campeonato, dia 25, nenhum piloto aparecia para vencer a prova. Isso mesmo.

Para a felicidade do príncipe Rainier III, de pé em frente a linha de chegada, o italiano Riccardo Patrese, da Brabham, surgiu na reta dos boxes, ao final da 76.ª volta, e recebeu a bandeirada. Mas a confusão era tamanha que não estava certo, ainda, nem para o próprio piloto, se ele era o vencedor.

Os detalhes da história

O repórter hoje do UOL Esporte almoçou com Patrese há três anos no motorhome da Ferrari e, claro, o tema principal da conversa foi o GP de Mônaco de 1982, que bem poderia ser definido como "A corrida que o piloto venceu e não sabia que a havia vencido".

Patrese deu risada ao lembrar do evento. Na 75.ª volta, uma antes da bandeirada, o italiano liderava. Rene Arnoux, da Renault, o pole position, havia batido na 14.ª volta. Alain Prost, seu companheiro, líder então até a 74.º volta, também se acidentou na saída da chicane após o túnel, na época bem mais veloz que hoje.

O piloto ficou profundamente decepcionado. Bem como boa parte da torcida. Era um francês, trabalhando para uma equipe francesa, prestes a vencer o GP de Mônaco. Mais que isso apenas se conquistasse o título, o que não foi o caso em 1982. Com o erro de Prost, Patrese assumiu o primeiro lugar, a apenas duas voltas do fim.

"Um pouco antes, começou uma chuva fina e a aderência ficou crítica", disse Patrese. "Eu me aproximei da curva Loews (a de menor velocidade da F1 até hoje) quase parando, mas estava tão escorregadio que comecei a deslizar, lentamente", contou o italiano, terceiro no ranking com mais GPs disputados, 256. O primeiro é Rubens Barrichello, com 326. Michael Schumacher vem em segundo, com 308.

"O motor (Ford V-8 Aspirado) da Brabham morreu. Mas sabia que poderia fazê-lo funcionar de novo porque o trecho é em forte descida. Naquela época os carros tinham ainda três pedais, ou seja, a embreagem comandada por nós, o que permitia ao piloto fazer o motor pegar no embalo", explicou o italiano.

Tudo acabado, sem vitória de novo

Nesse instante, Patrese viu Didier Pironi, da Ferrari, segundo colocado, Andrea De Cesaris, da Alfa Romeo, terceiro, e Derek Daly, com a Williams sem os dois aerofólios, em decorrência de batidas, quarto, ultrapassá-lo enquanto tinha sua Brabham BT49D-Ford atravessada na pista. Daly na realidade tinha uma volta a menos de Patrese, Pironi e De Cesaris. "Aquela altura, com tantos pilotos me ultrapassando e a uma volta do encerramento já dei a corrida como perdida", disse Patrese. O que ele não podia imaginar era o que aconteceria em seguida.

Vale a pena recapitular os acontecimentos, ao menos os mais recentes. Na 74.ª volta, a duas da bandeirada, Prost, então líder, tinha enorme vantagem, mas erra da saída da veloz chicane do túnel e bate forte com seu Renault RE30B Turbo. Patrese assume a ponta, com Pironi, Ferrari 126 C2 Turbo, em segundo, De Cesaris, Alfa Romeo 182 V-12 Aspirado, terceiro, e Derek Daly, Williams-Ford V-8 Aspirado, apesar de com uma volta a menos, quarto.

Na volta seguinte, 75.ª, Patrese roda na Loews e Pironi assume a liderança com De Cesaris em segundo e Daly em terceiro. Os três cruzam a linha de chegada nessa ordem, um próximo do outro, para abrir a 76.ª e última volta. Mas pouco antes do túnel, a Ferrari de Pironi reduz drasticamente a velocidade e dentro do túnel o francês estaciona o carro. Um pouco antes, no Cassino, De Cesaris havia feito o mesmo. Os dois enfrentaram o mesmo problema: falta de gasolina. Mais: Daly para a Williams na saída da Piscina por quebra da transmissão.

O diretor de prova já estava a postos com a bandeira quadriculada na mão desde o fim da volta 75, quando Pironi, De Cesaris e Daly passaram em primeiro, segundo e terceiro. Mas eles não apareciam. Afinal, onde estavam? Um piloto pode ter problemas na última volta, dois, bem menos provável e três quase impossível. Não havia um sistema de comunicação eficiente como hoje, nem mesmo telões que permitissem a todos acompanhar o desenvolvimento da corrida.

O diretor colocava a cabeça para dentro da pista, na direção da última curva, Antony Noghes, para ver se vinha alguém. E sem entender o que se passava, olhava para os que estavam ao seu lado. Estaria mesmo certo por não ter visto nenhum piloto passar por ali?

A lenda da bandeira quadriculada

Noghes foi o empresário que em 1929 organizou pela primeira vez o GP de Mônaco. Foi homenageado com o nome de uma curva. E há uma lenda na F1 que foi ele o introdutor da bandeira quadriculada para designar o fim da corrida. Jogador de dama, recebeu um grupo de pilotos enquanto jogava na sede do Automóvel Clube de Mônaco, na reta dos boxes.

Eles desejavam saber qual o seu critério para lhes indicar o fim da prova. Cada um fazia como bem entendia naquela época. Noghes teria voltado o olhar para o grupo e dito: "Se eu usar uma bandeira com o quadriculado do meu tablado está bom para vocês?" E desde então padronizou-se a bandeira quadriculada exposta ao primeiro colocado na última volta para oficializar o vencedor. A história pode mesmo ser verdadeira. Se não é, transporta imensa simpatia.

Irritação em vez de alegria

De volta ao GP de Mônaco de 1982, todos na reta dos boxes ouviram um barulho de motor mais forte, típico dos aspirados em relação aos turbo. Era Patrese. O italiano recorda daquele momento: "Eu estava bastante irritado, não feliz. Não sabia que eu era o vencedor. Não havia rádio para conversarmos com a equipe. Cheguei a pegar essa época de maiores facilidades, que começou no fim dos anos 80."

Ao percorrer o circuito da curva Lowes, onde ficou atravessado, até a linha de chegada, Patrese disse ter visto o pilotos que o ultrapassaram parados na pista. "Eu sabia que tinha reconquistado várias colocações, mas não todas. Pelas minhas contas, eu terminara em segundo. Por isso quando o nosso diretor esportivo (Herbie Blash, atual vice diretor de corrida da F1) veio me abraçar, no cockpit, e cumprimentar pela vitória, gritei para ele parar com aquilo porque eu havia sido segundo, não primeiro."

Foi depois de ouvir insistentemente de Bash que Pironi, De Cesaris e Daly não tinham cruzado a linha de chegada que Patrese se convenceu da história.

"Obviamente fiquei muito feliz. Foi a minha primeira vitória na F1, justo em Mônaco. E estávamos todos muito sensibilizados ainda com o que havia ocorrido 15 antes, em Zolder, quando Gilles Villeneuve morreu. Aquele resultado ajudou a me refazer emocionalmente", contou Patrese.

"Eu corria com o motor Ford aspirado e Nelson (Nelson Piquet, seu companheiro na Brabham) estava desenvolvendo o motor BMW Turbo, pensando já no futuro. A Brabham havia sido campeã com Nelson no ano anterior e eu, basicamente, pilotava o mesmo carro", disse. Naquele GP Piquet abandonou na 49.ª volta com pane no turbo. Mas seria campeão em 1983 com o motor BMW Turbo.

Patrese abandonou a F1 no término da temporada de 1993, como companheiro de Michael Schumacher na Benetton-Ford. De 1977 a 1993, nos seus 256 GPs, venceu 6, chegou 37 vezes no pódio e largou 8 vezes na pole position. A melhor colocação no Mundial foi em 1992, quando acabou vice do companheiro de Williams, Nigel Mansell.

Mesmo sem receber a bandeirada, Pironi terminou em segundo e De Cesaris em terceiro. Junto de Patrese estouraram o champanhe ao lado do príncipe no pódio único de Mônaco.

Mundial de 2014

Mas se há algo que a atual temporada não apresenta é imprevisibilidade de resultados. A Mercedes realizou um grande trabalho e está, com méritos, muito à frente dos concorrentes. Com o GP de Mônaco, porém, não se brinca.

As cinco vitórias da equipe alemã, quatro com Lewis Hamilton e uma com Nico Rosberg, nas cinco primeiras etapas do campeonato, este ano, representam uma sutil referência, apenas, do que talvez as 78 voltas no atual Circuito de Monte Carlo, em Mônaco, com seus 3.340 metros de extensão, podem oferecer à torcida que, como sempre, vai comparecer em massa ao Principado, definindo o GP de maior prestígio do calendário.
 

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