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Fórmula 1

Visita de Hamilton à Ferrari gera desconfiança na equipe

Livio Oricchio

De Nice (França)

13/06/2014 11h19

A Scuderia Ferrari já foi o sonho da maioria dos profissionais da F1, quer pelo mito que representa, por sua rica e longa história, a de maior sucesso na história da competição, bem como pelos atrativos contratos que oferece a pilotos e técnicos, dentre outros benefícios importantes.

Mas a Ferrari enfrenta hoje fase tão difícil que a visita de Lewis Hamilton à sede da equipe, recentemente, só pode ser vista como a de um cliente ilustre interessado em comprar um modelo de série da lendária marca italiana. E não eventual início de negociação visando pilotar uma Ferrari de F1 no futuro.

"Não vamos emitir nenhum comentário a esse respeito", disse o assessor do time, Renato Bisgnani, ao UOL Esporte, nesta sexta-feira. O diário esportivo Corriere dello Sport, de Roma, publicou, ontem, reportagem sobre a visita do campeão do mundo de 2008 à fábrica da Ferrari.

É sabido que Hamilton tem alguns modelos da marca. E o que estaria fazendo em Maranello senão uma visita visando adquirir uma nova Ferrari de série? Sua equipe de F1, a Mercedes, é onde a organização de Maranello deseja estar, líder entre os pilotos e construtores. Mas sabe que se começar agora sua reestruturação, talvez em 2016 tenha um carro competitivo na F1 para lutar com a Mercedes. É um processo que demanda tempo.

Assim, Hamilton, que está dentre os pilotos mais felizes da F1 por saber que ele ou o companheiro, Nico Rosberg, será campeão este ano, por dispor do melhor equipamento, não pode estar pensando em enfrentar o desafio de fazer a Ferrari vencer o campeonato novamente. A última vez foi há sete anos, com Kimi Raikkonen.

O contrato de Hamilton com a Mercedes termina no fim de 2015 e é pouco provável que deseja mudar de ares, do time alemão para o italiano. O que a Mercedes lhe paga também não é tão diferente do que receberia na Ferrari, algo como 16 milhões de euros (R$ 54 milhões) por temporada.

Retrospecto espetacular

A Ferrari é a escuderia mais antiga na F1, pois sua participação no Mundial remonta à origem da competição, em 1950. Disputou até o GP do Canadá, no último domingo, 877 GPs e obteve o mesmo número de vitórias e poles, 221. É uma média alta, 25,1% das provas. Além disso, conquistou 15 títulos de pilotos e 16 de construtores. Lidera os rankings.

Pois mesmo com esse retrospecto único e capacidade de investimento a Ferrari tem ouvido, este ano, "não, obrigado", dos profissionais convidados para trabalhar em Maranello.  Os dois que vieram a público são os ingleses Adrian Newey, diretor técnico da Red Bull, antigo sonho da Ferrari, e Andy Cowell, diretor de engenharia da unidade motriz da Mercedes.

Há um consenso na F1 de que a razão das dificuldades da Ferrari é de ordem organizacional. A estrutura montada por Jean Todt a partir de 1996, com ele como líder da equipe, o sul-africano Rory Byrne, coordenador dos projetos, Ross Brawn, diretor técnico, e Michael Schumacher a conduzir os carros, levou a Ferrari a vencer cinco títulos seguidos de pilotos, de 2000 a 2004, e seis de construtores, de 1999 a 2004.

Nova organização

Tudo isso acabou. Todt deixou o time em 2007, Byrne se aposentou da F1, Brawn assumiu a Honda e foi campeão em 2009, e Schumacher parou de correr no fim de 2006. Voltaria em 2010, pela Mercedes.

"O que falta a Ferrari é organização", afirmou Flavio Briatore, chefe da Benetton nos títulos de 1994 e 1995, com Schumacher, e da Renault, nos mundiais vencidos por Fernando Alonso em 2005 e 2006. O italiano por motivos éticos não pode dizer, mas seu diagnóstico é claro, falta o líder que estabelece os rumos, as metas e os objetivos a serem conquistados. E, essencialmente, não haja mudança de rota ao primeiro insucesso.

Essa falta de continuidade, a necessidade dos italianos de começar tudo do zero se uma meta não é atingida, foi o que primeiro Todt diagnosticou como equivocado e mudou na Ferrari. Mas as lideranças seguintes, em especial a de Stefano Domenicali, representou uma volta ao modelo de gerência existente antes da chegada de Todt.

Falta uma liderança forte

O grande mérito do dirigente francês, hoje presidente da FIA, foi se impôr no grupo, assumir as responsabilidades, e ditar o rumo da Ferrari. Marco Mattiacci, diretor geral que assumiu a equipe no GP da China este ano, em substituição a Domenicali, já entendeu que esse é um dos problemas da Ferrari associado a dois outros principais: a falta de um coordenador de projetos da mesma competência dos mais eficazes da F1, a exemplo de Adrian Newey, da Red Bull, e um diretor da área de motores cujo grupo produza algo semelhante ao da Mercedes.

A unidade motriz da Ferrari, sob os cuidados de Luca Marmorini, parece estar agora, depois da prova de Montreal, atrás das duas concorrentes. Da Mercedes já se sabia. Da Renault, usada pela Red Bull, vencedora no Canadá, novidade. Mattiacci sabe que o responsável pela unidade motriz de 2015 deve ser outro. E por isso convidou Cowell, da Mercedes, assim com Domenicali havia procurado Newey. E tanto um como outro diretor da Ferrari não tiveram êxito.

Mudar para a Inglaterra

Briatore comentou a esse respeito: "A Ferrari deve criar uma base na Inglaterra, onde a tecnologia da F1 está concentrada. Em Maranello, é difícil recrutar engenheiros ingleses e montar um time eficiente. A Ferrari está pagando por sua localização".

A receita de Briatore já foi tentada antes. No fim de 1986, o então grande nome de engenharia da F1, o inglês John Barnard, responsável pelos carros da McLaren-Porsche, campeã em 1984, com Niki Lauda, e 1985 e 1986, Alain Prost, aceitou o convite da Ferrari. Mas com uma condição: trabalhar na Inglaterra.

Os italianos fizeram um grande investimento e em 1987 concluíram a construção da Ferrari Guilford Technical Office, sob a coordenação de Barnard. O primeiro carro, contudo, seria apenas o modelo 640, de 1989, e revolucionário, com o câmbio acionado através de pequenas alavancas atrás do volante, com os dedos do piloto, dentre outros avanços.

A Ferrari estava de volta às vitórias, três delas naquela temporada, Brasil e Hungria com Nigel Mansell e Portugal, Gerhard Berger. O modelo 640 foi a base do que Alain Prost utilizou para disputar o campeonato seguinte, 1990, e só perder o título na etapa final, em Suzuka, depois de Ayrton Senna, da McLaren-Honda, assumir ter provocado o acidente entre ambos, como Prost fizeram com ele, no ano anterior, no mesmo circuito, quando eram companheiros na McLaren.

Mas em 1990 Barnard se cansou das inconstâncias da direção da Ferrari e foi para a Benetton. Em 1993, o presidente da equipe italiana, Luca di Montezemolo, voltou a contratar Barnard e lhe construiu nova sede de projetos na Inglaterra, Ferrari Design e Development (FDD), ao sul de Londres, mas sem que desta vez saísse de lá nenhum carro potencialmente campeão.

Volta a Maranello

Todt, na Ferrari desde a metade do campeonato de 1993, encerrou a relação com Barnard e começou a montar o seu próprio time, com a ajuda de Schumacher, a partir de 1996, que pessoalmente foi convencer Byrne e Brawn, com quem havia sido campeão na Benetton, a se juntar a ele, agora, na Ferrari. Criaram um supertime, com a batuta firme, forte e capaz de Todt, essencial para as oscilações de visão dos italianos que lá estavam antes.

Portanto, o período de maior sucesso não só da Ferrari, mas como de qualquer time na história da F1, com seis títulos seguidos de construtores e cinco de pilotos, de 1999 a 2004, foi obtido quando a escuderia italiana centralizou tudo em Maranello. O que bem demonstra não ser essencial para contratar engenheiros ingleses, dentre os mais capazes, mantê-los em seu país.

O que tem de existir, seja o técnico inglês, sul-africano, alemão ou de outra origem, é metodologia de trabalho, planejamento realista, estabelecimento de metas, cobrança de responsabilidade e um grande líder por trás de tudo, com credibilidade, capaz de isolar a equipe das mudanças de opinião repentinas de alguns italianos, como fez Todt com enorme eficiência.

E mesmo assim precisou das temporadas de 1996, 1997 e 1998 para ter a equipe que entraria para a história. Mattiacci, conforme Alonso comentou em Mônaco, já entendeu o que está errado na Ferrari e suas ações visam a levá-la de volta a lutar pelas vitórias a médio prazo. Tem consciência, contudo, que precisará de profissionais mais competentes do que tem, em especial na área de coordenação dos projetos de chassi e unidade motriz.

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