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Jogador de futebol come arroz, feijão, bife e salada. Mas, duas vezes mais do que você

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

10/09/2012 14h00

Quando você olha para os jogadores de futebol correndo no gramado verdinho, pode pensar: “Nossa, o que será que eles comem para ficar com essa forma física tão boa?” Bom, a resposta é simples: eles devoram mais ou menos a mesma coisa que todo brasileiro comum. Só que em dobro.

O UOL Esporte conversou com nutricionistas que trabalham em clubes de todo o país e descobriu que o cardápio dos atletas não tem nada de extraordinário. Sabe o tradicional arroz, feijão, bife e salada? É o que eles mais gostam. “Se tiver sempre arroz, feijão, uma farofinha e um bife, eles estão felizes. Podem comer a mesma coisa todos os dias. Às vezes, a gente tenta colocar alguma coisa nova, mas eles não aceitam”, conta Daniela Neves, nutricionista da Portuguesa.

COMIDA REGIONAL VIRA PREMIAÇÃO

  • Camila Rossi/Divulgação

    Apesar da rotina pouco variada, os nutricionista conseguem inserir, entre um prato de arroz com feijão e outro, alguns toques regionais. No Bahia, por exemplo, Mônica Seabra adota uma série de preciosidades baianas, adaptadas. “Nós liberamos as comidas tipicamente baianas. Quem é do estado, já tem costume de comer em casa. Mas pedimos para não comer alimentos que tem azeite de dendê 72 horas antes da partida. Dentro do clube, esse é um ingrediente que não usamos. Fazemos comida baiana com azeite de oliva, mas usamos o tomate para dar a coloração que o dendê daria”, conta.

    Em outros clubes, como o Figueirense e o Internacional, a comida regional é usada como premiação para os jogadores, após as partidas fora de casa. “Depois dos jogos, fazemos algumas concessões. Quando vamos para Minas, colocamos pratos típicos no cardápio, como queijo branco, goiabada e doce de leite. Baião de dois no nordeste. Sabendo os momentos certos para isso, isso pode ser benéfico”, diz Felipe Rabello, que cuida do cardápio do Figueirense.

    No Internacional, a culinária típica era, também, um processo de aprendizagem. “Nas viagens, pelo Brasil e mundo a fora, também procurávamos incluir algo típico. Muitas vezes eram pratos de infância, já que tínhamos jogadores de todas as regiões do Brasil. E, em viagem para fora do Brasil, incluíamos algo típico para que os jogadores pudessem conhecer a culinária local. Sempre após os jogos, para evitar qualquer indisposição”, fala Lenice Zarth Carvalho, ex-nutricionista do clube.

Quer um exemplo? Imagine o tomate. “Eles sempre comem. Salada, para eles, tem de ter alface e tomate. No começo, tentei diversificar. Inclui um tomate ao forno. Mas eles não ligaram o tomate que eles comem na salada normalmente com o tomate ao forno. Nem encostaram”, lembra Margarete Albuquerque, que controla o cardápio do Coritiba.

A diferença fica por conta do volume. Enquanto um homem sedentário precisa de 2000 a 2500 kcal por dia, um atleta de futebol deve ingerir duas vezes mais, de 4000 a 5000 kcal/dia para repor o que gasta com treinos ou partidas. “Quando trabalhei com futebol, não orientávamos quantidades exatas, somente porções aproximadas para a rotina. Quantificávamos somente em caso de necessidade de dieta especial como para redução do percentual de gordura”, explica Lenice Zarth Carvalho, ex-nutricionista do Internacional.

Com esse quadro, não é difícil imaginar que, mesmo com as grandes diferenças regionais, os cardápios que a reportagem encontrou nos times das mais distantes regiões do país foi bem parecido. Basicamente, todo clube oferece aos seus atletas café da manhã e lanche da tarde em dias de treinos. Só os que contam com Centros de Treinamentos bem equipados oferecem almoço e, mais raramente, jantar.

Café da manhã e lanche

Nessas refeições, são servidos sucos de frutas, principalmente de laranja e abacaxi, iogurtes, achocolatados, pães, com preferência para os integrais, queijos (branco ou ricota) e alguns embutidos. Além, é claro, de frutas. As preferidas são bananas e maçãs. Os toques individuais ficam por conta de alguns detalhes nordestinos.

O mais comum acontece no Náutico. “Nos lanches, além de sanduíches, servimos também grãos, como amendoim, castanha e granola. Para ter uma fonte de energia rápida”, explica Elias Sabino, nutricionista do clube pernambucano. “Uma coisa que já virou até discussão foi a tapioca. Muitos estranharam quando eu coloquei a tapioca no café da manhã. Encontrei resistência principalmente de quem olhava de fora. Mas os jogadores adoraram. Eles aceitam bem as tapiocas agridoces, mas o que gostam mesmo é a de queijo”, completa.

Outro detalhe dos times pernambucanos fica por conta de uma oferta bem regional: as raízes. “Aqui no Nordeste nós usamos muitas raízes, principalmente no café da manhã, que são carboidratos de primeira linha. Oferecemos inhame, macaxeira, batata doce e cará, cozidos, como purê. Até mesmo bolinhos, que fazemos menos, porque não podemos usar muitas frituras”, conta a nutricionista do Sport, Flavia Carvalho.

PUDIM, SORVETE E ATÉ REFRIGERANTE

  • Camila Rossi/Divulgação

    Eles são bem sucedidos, ganham muito para fazer o que a maioria das pessoas apenas sonha. Mas, em alguns momentos, os atletas profissionais são tratados quase como crianças. E a hora da sobremesa é uma delas.

    Apesar da dieta rígida, jogador de futebol adora comer doces. O preferido é o pudim de leite. "Eles adoram. Às vezes, coloco brigadeiro de colher. E, no verão, sorvete. É algo que não consigo tirar. Se tento, dá briga. Todo mundo sabe que é rico em gordura, mas tem um efeito psicológico muito bom", admite Margarete Albuquerque, do Coritiba.

    Além disso, durante a noite o açúcar é controlado. Para não atrapalhar o sono "Nós vetamos sobremesas à noite. É como criança, se jogador come muito açúcar à noite fica todo agitado, é mais difícil de dormir", diverte-se Flávia Carvalho, do Sport.

    Os refrigerantes são um capítulo a parte. A maioria dos profissionais ouvidos tenta diminuir ao máximo a ingestão. Nem todos conseguem, bloqueados pela cultura boleira. "Era hábito ingerir refrigerante. Comissão técnica e atletas tomavam e não queriam ouvir nada sobre parar. Foi algo que, só com o tempo, consegui mudar. Foi preciso uma campanha forte, minha e do preparador físico, que também é contra. Hoje, só servimos suco natural", orgulha-se Margarete.

Almoço e jantar

O trabalho com café da manhã e lanche é diário, mas é durante as concentrações que os profissionais do cardápio realmente ficam de mãos cheias. Com os atletas reunidos durante as 24 horas do dia, tudo o que eles comem pode ser controlado. Mas não fique empolgado: o cardápio não foge muito do que você come, em sua casa, costuma ver à mesa. Eles vão sempre encontrar, no almoço ou no jantar, arroz, feijão, dois tipos de massa, carne vermelha e carne branca, quase sempre grelhados, salada, principalmente com alface e tomate, purê de batata ou farofa e sobremesa.

Parece chato? Os nutricionista ouvidos pela reportagem concordam. E se esforçam para oferecer variedade alimentar, mesmo sem agradar muito aos atletas. No Vasco, por exemplo, pratos com peixe acabam sempre aparecendo. “Como é um time da colônia portuguesa, usamos bastante bacalhau, de todos os tipos. Fazemos bacalhau ao pipo, a Gomes de Sá, purê, batata... Mas atleta, homem, gosta muito de carne vermelha. Um bom bife, um bom medalhão, uma picanha. Mas nem sempre podemos oferecer esse tipo de carne, pelo teor de gordura. Por isso, o que nunca falta é uma carne vermelha e uma branca, frango ou peixe. No Vasco gostam muito de peixe, salmão, badejo, linguado, cherne, sempre grelhado ou assado”, fala Mildre Souza, nutricionista do time carioca.

Outras alternativas são os molhos das massas. Os vermelhos são tradicionais, principalmente o tomate com carne moída (bolonhesa). Os brancos são polêmicos. Alguns profissionais evitam, pelo alto teor calórico dos molhos a base de queijo. Nas carnes, porém, eles são vetados.

O cardápio só muda, e mesmo assim muito sutilmente, nos dias de jogos. Para evitar problemas e garantir energia durante as partidas, alimentos ricos em carboidratos e menos gordurosos são usados. “O detalhe é que, se o tempo entre a refeição e o jogo é pequeno, com menos de três horas, a carne vermelha é evitada”, avisa Daniela Neves, da Portuguesa.

Também é preciso se adaptar ao folclore da modalidade. “Quem trabalha com futebol é muito supersticioso e alguns tipos de alimentos são vetados em dia de jogo. Um exemplo disso é o pepino. Em dia de jogo, é vetado. Dizem que a digestão é difícil, mas se você faz a refeição com antecedência, não teria problema. Mas como dizem que é indigesto, é bom não abusar da sorte. Se o time perde depois, a culpa sempre acaba com o nutricionista”, admite Margarete Albuquerque, do Coritiba.