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'Matadores de aluguel', atacantes de Criciúma e Goiás duelam pelo Brasileirão

Neto Baiano, destaque do Goiás, diz ter sondagem da Portuguesa - Site oficial do Goiás
Neto Baiano, destaque do Goiás, diz ter sondagem da Portuguesa Imagem: Site oficial do Goiás

Luis Augusto Simon

Do UOL, em São Paulo

14/07/2013 06h00

O duelo está  marcado para domingo ao cair da tarde, no estádio Heriberto Hulse, em Criciúma. Duelo sem o charme  de grandes estrelas bem pagas – nada de Fred ou Luís Fabiano – nada de craques que marcaram seu nome na história de um ou dois clubes. Nada disso. Giancarlo da Silva Moro, do Criciúma, e Euvaldo José de Aguiar Neto, o Neto Baiano do Goiás, são matadores de aluguel, um dia aqui outro dia ali. São o lado B do futebol brasileiro.

São os jogadores mais “rodados” do atual campeonato brasileiro. Neto Baiano, 1,87m e 82 quilos  passou por 20 clubes. Giancarlo, 1,90m e 87 quilos, já vendeu seus gols a 21 patrões diferentes. São andarilhos, entregando a cada semestre a mercadoria que move o futebol. “Não tenho uma marcação correta, mas já passei de 200 gols”, dizem os dois, em entrevistas separadas, mostrando mais uma coincidência entre ambos.

Aos 30 anos, garantem que ainda há mercado. “Funciona assim: um clube me chama para jogar. Se tudo der errado, o clube não me quer mais e procuro outro. Se tudo der certo, vem outro time e me chama pagando mais. Já cheguei a jogar em três clubes diferentes em um ano”, conta Giancarlo.  “Sempre tem time precisando de goleador. Estou no Goiás mas ainda não fiz seis jogos e já ouvi dizer que a Portuguesa está me procurando. Se der certo, eu vou”, complementa Neto Baiano.

SEQUÊNCIA CASEIRA E TABU MOTIVAM CRICIÚMA CONTRA O GOIÁS

Se sempre há um time desesperado para não cair ou um outro com aspirações maiores querendo um artilheiro, o lado ruim é não haver raízes. “Minha  filha de oito anos, a Maria Isabela, sente muito quando mudamos de cidade. Diz que estava fazendo amizades e que vai sofrer em escola nova. É difícil mesmo. Vou jogar mais uns anos, virar técnico e deixar minha mulher e as duas crianças em um lugar fixo. Se tiver de viajar, vou sozinho", diz Giancarlo.

Neto Baiano tem duas filhas, com duas mulheres diferentes. Vivem com as mães. “Entendeu agora porque tenho de fazer muitos gols? Pensão é muito caro”, diz, antes de rir alto. “Brincadeira, nunca tive dificuldades com dinheiro. Meu avô tem quatro farmácias, meu pai é bancário e minha mãe é oficial de Justiça”.

GIANCARLO, ARTILHEIRO DO CRICIÚMA

  • Divulgação

Ele quer jogar mais cinco anos. “Quero que meu filho me veja em campo e tenha uma lembrança de mim como jogador”. O detalhe é que o filho ainda não existe. “Estou na luta, tentando bastante, logo a minha mulher fica grávida. Já tem 24 anos e está na hora”.

Os matadores não atuaram apenas no Brasil e trazem lembranças do mundo. Nem sempre boas. Giancarlo, por exemplo, diz que foi mal compreendido no Uruguai. “Joguei no Nacional, time tricampeão do mundo. Quase nunca era escalado. Um dia, entrei e fiz um gol maravilhoso, de letra. Corri para comemorar, tirei a camisa e fiquei rodando por cima da cabeça. Aí, puseram o vídeo no Youtube e ficaram falando que eu estava gordo. Eles têm inveja de jogador brasileiro. E além disso, não gostava do churrasco deles”.

De Portugal, lembrança boa é apenas a de Lisboa, “uma cidade linda” e o amargor de não receber salários. “Joguei no Estrela Amadora em 2008 e até agora nada”. Comida boa é a da Itália, perto de Napoli. “Joguei no Nocerina também em 2008, depois que saí do Estrela Amadora e adorei a pizza de lá. É muito simples, com queijo e tomate, não tem coisas muito misturadas como no Brasil. Lá, se você puser ketchup ou maionese na pizza todo mundo olha feio. E Nocerina fica no Sul da Itália, a 30 quilômetros de Napoli, que é a terra da Máfia. É bom não discutir com eles não”.

Churrasco ruim, calote, medo de mafioso, nada se compara ao alívio sentido quando Giancarlo deixou o Al-Ittihad em 2010. “O povo estava descontente com o governo e reclamava muito. Agora, quando veja essas manifestações lá na Praça Tahir, agradeço a Deus por haver me tirado de lá. É muito perigoso”.

Morar fora do Brasil pode ser um choque cultural. E a culinária é uma forma comum de senti-lo. Foi assim com Neto Baiano no Vietnã. “É um país maravilhoso, com praias lindas, mas eles comem cachorro. Não é lenda, não. Eu vi. Vi e não comi”.

E o cachorro não foi a única estranheza sentida por Neto Baiano. “No almoço, eles serviram ovos cozidos. Bati um pouquinho para quebrar a casca e vi um pintinho dentro. Um feto, que estava pronto para nascer. Assustei e deixei no prato. Então, vi que todo mundo estava comendo os pintinhos. Não era um erro, era assim m esmo”.

O jeito foi apelar para massa. “Só comia macarrão mas a tia cozinheira colocava muita pimenta. Eu não sabia explicar e cada dia vinha mais. A gente não tinha intérprete. Comprei um dicionário para explicar melhor e aí me dei bem”.

Da Ásia, Neto Baiano tem boas lembranças da Coreia e principalmente do Japao. “Um país maravilhoso. Me identifiquei muito com eles. Joguei no JEF United e no Kashiwa Reysol. Fui  ídolo dos dois.”

Uma olhada para trás não é carregada de arrependimento. Nunca chegaram à seleção, nunca foram famosos, mas valeu a pena, sim. “Quando era criança, tinha muitos garotos bons de bola e poucos conseguiram ser profissional. Eu cheguei lá. Disputei uma Libertadores pelo Nacional e, se não fui ídolo, tenho certeza que fui honesto. Cumpri meu papel e vou continuar cumprindo”, diz Giancarlo.

“Para mim, valeu muito a pena. Tenho casa e apartamento em Salvador e tenho apartamento em Goiânia. Se eu tivesse estudado não teria ganho tanto dinheiro. A torcida do Vitória me adora, fiz 88 gols para eles. Agora, é trabalhar mais cinco anos e levar meu filho no campo para me ver jogar. Depois, amigo, é água de coco na praia. E esperar minha mulher trazer dinheiro para casa. Eu comprei uma loja no shopping para ela e está indo bem. Vou aproveitar muito. Eu mereço porque fiz gols e deixei saudades por onde passei”, fala Neto Baiano.