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Cruzeiro já faz o que o resto do Brasil não conseguiu entender

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em São Paulo

27/07/2014 06h00

O Cruzeiro é um time de ponta europeu jogando contra brasileiros. É uma Alemanha fazendo jogos semanais contra seleções brasileiras emocionalmente fragilizadas e sem Neymares. Neste sábado o atual campeão nacional matou mais uma: 5 a 0 no Figueirense, sem medo de fazer mais um, sem substituir um atacante por um volante no segundo tempo. Sem Bastian Schweinsteiger. Sem Philipp Lahm. Sem megalomania, também. Não foi preciso gastar uma fábula para montar a melhor equipe do país. Só foi preciso compreender que o futebol praticado no Brasil – e pelo próprio Cruzeiro – até 2012 é totalmente inferior ao praticado pelos principais clubes da Europa. É líder absoluto do Brasileirão, com 28 pontos. 

O 4-2-3-1 virou mania mundial, até no Brasil, depois de ser revivido intensamente e com sucesso na Europa, nos últimos anos. Mas futebol não é pebolim (ou totó). Não basta posicionar os jogadores da forma como manda o manual para o futebol europeu acontecer de forma mágica. Marcelo Oliveira, técnico, sem a grife de Pep Guardiola, sabe bem disso. E conseguiu compreender e aplicar aquilo que muitos treinadores no Brasil entendem, mas não têm capacidade de fazer acontecer. O Cruzeiro é o único time do país que supera o abismo visto nos 90 minutos do Mineirazo no dia 8 de julho.

1. Não há mais espaço para centroavantes que só chutam

Sim, Marcelo Moreno é centroavante e ele é titular do Cruzeiro. Mas ele não é um empurrador de bolas para o gol, como há na maioria das equipes do país. O 9 genuíno hoje em dia é pior que o 9 falso – Marcelo Moreno não é falso 9, mas um verdadeiro atacante completo. Sai da área, participa da construção de um time com fluidez tática, no qual volantes, meias e atacantes participam das fases defensiva e ofensiva.

Com o boliviano, a equipe ganha mais um trabalhador sem a bola e não depende de um ou dois jogadores para iniciarem jogadas ofensivas. O técnico Marcelo Oliveira mostra o tipo de futebol que pratica em alterações como a deste sábado, no meio da goleada sobre o Figueirense, com duas trocas ao mesmo tempo: Marquinhos, ponta, por Dagoberto; Marcelo Moreno, centroavante, por Marlone. Jogou 25 minutos sem ninguém na área. Fez mais dois gols.

2. Não há mais espaço para armadores que só armam

“Ele é meia à moda antiga”. A frase que normalmente é usada como elogio na verdade celebra a incapacidade de um jogador para se encaixar nas novas necessidades do futebol. Hoje em dia quem mais sofre com isso é Paulo Henrique Ganso, que ouve a cada jogo de Muricy Ramalho que tem de entrar mais na área adversária e arriscar mais finalizações. Ricardo Goulart, do Cruzeiro, nunca foi à seleção brasileira e é muito menos conhecido, mas joga muito mais. Faz tudo o que Ganso não faz, e sem ter a técnica do camisa 10 do São Paulo. No meio de campo, é artilheiro do Brasileirão com 8 gols. James Rodríguez, artilheiro da Copa do Mundo de 2014 e contratado nessa semana pelo Real Madrid, também é meia.

O Cruzeiro é a equipe que mais finaliza no Brasileirão. E com pontaria: 70 chutes certos, no gol, em 12 jogos, segundo números do Footstats. Ricardo Goulart chuta tanto no gol quanto o centroavante Marcelo Moreno: 14 finalizações certas. Ser meia não significa ser responsável por armar o jogo, mas sim ocupar aquela faixa de campo e trabalhar igualmente para o time. Éverton Ribeiro e Marquinhos, que têm ocupado as pontas do setor ofensivo, não chutam com a mesma frequência, mas também desempenham funções inglórias, como o acompanhamento ao lateral adversário, o que muitas vezes os deixa longe do gol. Mas faz o time vencer.

3. Não há mais espaço para volantes que só destroem

A dupla que ocupa o centro do 4-2-3-1 do Cruzeiro é Henrique e Lucas Silva. Henrique foi, durante toda a carreira, um segundo volante. No próprio Cruzeiro, em outros tempos, chegou a ser até o terceiro homem de meio de campo. Hoje é o primeiro, quem toma a bola dos companheiros de defesa e inicia as jogadas.

Sabe, também, destruir jogadas. Mas cumpre o mais importante, algo que o holandês Johan Cruyff – que participou das duas últimas revoluções táticas do futebol, na Holanda e na Espanha – já falava no início dos anos 90: os jogadores de defesa têm de saber jogar futebol. Henrique sabe. Seu  companheiro de posição sabe mais ainda. O jovem Lucas Silva, de 21 anos, chegará à seleção brasileira até 2018 se Dunga – ou outro – entender aquilo que o Cruzeiro entende e aplica sobre futebol. Lucas Silva vai de uma área à outra, passa bem e finaliza melhor. Fez gol neste sábado.  

4. A bola corre mais que o ser humano

O Cruzeiro não encurta tanto o espaço quanto extremos espanhóis vistos nos últimos anos, mas toca muito a bola. Mais do que qualquer equipe no Brasileirão, uma média de 408 passes por partida. Número ainda inferior aos das principais seleções da Copa do Mundo, mas acima da média do país. O que já é um padrão no futebol de ponta ainda não virou prática comum no Brasil.