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CBF faz juízes trabalharem dois dias seguidos no Brasileiro para economizar

Bruno Thadeu e Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

02/10/2014 09h56

Alvo de críticas no Campeonato Brasileiro de 2014, a arbitragem vem sendo submetida a jornada dupla desde o ano passado. Dependendo da escala de fim de semana, um profissional trabalha num sábado como árbitro e no dia seguinte como árbitro adicional (que fica atrás do gol). Ao UOL Esporte, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) informou que a prática tem como principal intuito reduzir custos. 

Com esse sistema de reutilização dos profissionais, a CBF evita deslocamentos e economiza de R$ 2 mil a R$ 3 mil por integrante da arbitragem. A ausência de um efetivo grande de árbitros para dar conta a tantos jogos é outra argumentação da entidade para o uso da mesma pessoa em dois dias seguidos.

O ex-árbitro Sálvio Spínola é contra o sistema adotado pela CBF.

"Um árbitro corre de 12 a 14 km. E após um jogo de alto nível à noite, o árbitro só vai conseguir dormir lá pelas 6 da manhã porque a adrenalina é muito forte. E se ele for mal em campo, nem dormir ele consegue.  Em 24 ou 48 horas você não se recupera de um jogo. Existe tanto a dor física quanto o stress mental”, opinou Spínola.  

O rendimento do profissional pode ser seriamente afetado em virtude da carga dobrada, frisa Spínola.

“Não dá para atribuir um erro ao fato de ter trabalhado seguidamente. Mas o cansaço pode interferir e esse erro desmoralizar todo o sistema”.

Foi isso que aconteceu, por exemplo, com Ricardo Marques Ribeiro, que apitou a vitória do Fluminense por 3 a 1 sobre o São Paulo, no dia 27 de setembro, no Morumbi. No dia seguinte, trabalhou como adicional no triunfo do Santos sobre o Goiás, no Pacaembu, também em São Paulo.

Ele deixou de avisar sobre um gol legal da equipe esmeraldina em chute de Esquerdinha – a bola bateu no travessão e ultrapassou a linha, mas os árbitros mandaram o jogo seguir.

Para que seja aplicada a jornada “cheia”, a CBF estabelece algumas condições: os jogos têm que ocorrer em uma mesma cidade em dias diferentes, e os profissionais têm que revezar um dia como juiz e no outro como auxiliar para não comprometer o desempenho. O sistema é adotado com maior frequência em jogos da Série B.

Entidades não reclamam do modelo

Em contato com o UOL Esporte, a CBF, a Anaf (Associação Nacional dos Árbitros de Futebol) e a FPF (Federação Paulista de Futebol) disseram que a jornada puxada aos fins de semana não traz prejuízos ao desempenho dos profissionais.

“É importante para o profissional uma sequência de jogos para aprimorar os reflexos. Não vejo problemas sendo árbitro e auxiliar em intervalos menores. O que não poderia é que ele apitasse dois jogos seguidos, com um desgaste físico muito maior”, disse o presidente da Anaf, Marco Antônio Martins.

No jogo em que a arbitragem não validou o gol do Goiás, o juiz era Heber Roberto Lopes. Um dia antes ele estava exercendo função de auxiliar em São Paulo x Fluminense, no Morumbi. É comum um profissional trabalhar como árbitro na sexta-feira pela Série B e no dia seguinte ser auxiliar na Série A, em jogos na mesma cidade.

Chefe de arbitragem da Federação Paulista de Futebol, Coronel Marinho, apoia a escala adotada pela CBF: “No caso citado [jogo Santos x Goiás] foi colocado um árbitro Fifa. São profissionais com experiência, conhecimento. Houve a preocupação da escala com a logística. O erro foi por puramente posicionamento, não tendo qualquer relação com escalas”.

A posição de Wilson Luiz Seneme, que trabalhou como árbitro durante 20 anos, é a mesma. “Isso não modifica minha responsabilidade e não interfere na minha concentração. Até porque a escala é divulgada antes, e o árbitro consegue se preparar para isso”, ponderou o paulista, que atualmente é instrutor coordenador da CBF e membro da comissão de arbitragem da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol).

“Realizar duas partidas como árbitro central seria um desgaste físico grande, não recomendável. Mas a experiência de passar por várias situações também pode ser positiva. A repetição leva você a ganhar experiência e diminuir a margem de erro”, complementou.

Para Seneme, o acúmulo de jogos é menos preocupante do que a inatividade: “O duro é você ficar um mês em casa, sem escala, e de repente ser mandado a uma grande partida. Ficar parado não é algo que beneficia. O árbitro precisa estar em atividade”.

Sistema eletrônico é caro

A dúvida que os árbitros tiveram no gol mal anulado do Goiás contra o Santos teria sido dirimida se a CBF usasse a tecnologia que a Fifa adotou na Copa de 2014 para identificar se a bola ultrapassa a linha do gol. O sistema já foi instalado nos 12 estádios que receberam jogos do Mundial, mas não é utilizado e também não foi levado a outras arenas. A explicação para isso é o custo.

O sistema de fiscalização da linha é baseado em 14 câmeras. O custo, incluindo equipamento e instalação, gira em torno de R$ 648 mil por estádio. A justificativa da CBF para não usar o aparato no Campeonato Brasileiro é que a instalação em todos os locais demandaria um investimento muito alto.

Segundo balanço financeiro publicado no site oficial, a CBF teve receita bruta de R$ 436 milhões em 2013 – R$ 76 milhões a mais do que no ano anterior. As despesas da entidade somaram R$ 269 milhões, e R$ 53,3 milhões foram destinados a competições.

O balanço da entidade responsável pelo futebol nacional ainda apresenta uma lista de sete atribuições da CBF. Entre elas estão “manter a ordem desportiva e velar pela organização e pela disciplina da prática do futebol nas entidades estaduais de administração e nas entidades de prática do futebol”, “administrar, dirigir, controlar, fomentar, difundir, incentivar, regulamentar e fiscalizar, de forma única e exclusiva, a prática de futebol não profissional e profissional”.