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Globo pede, CBF barra crianças no gramado e causa transtorno aos clubes

Rogério Ceni entra em campo rodeado de crianças. Número chegava a mais de 200 em jogos - Rodrigo Capote/UOL
Rogério Ceni entra em campo rodeado de crianças. Número chegava a mais de 200 em jogos Imagem: Rodrigo Capote/UOL

Luiza Oliveira e Pedro Ivo Almeida

Do UOL, em São Paulo e no Rio de Janeiro

04/10/2014 06h01

As crianças já se tornaram um símbolo do Campeonato Brasileiro. Toda vez que os jogadores entram no gramado antes dos jogos, são cercados por centenas delas que se penduram sobre os ídolos e realizam um sonho. Mas no último mês, a realidade mudou e muitos pequenos torcedores ficaram frustrados. A CBF decidiu limitar o número de crianças que têm acesso ao campo, o que revoltou as mães e levou os clubes a reclamar junto à CBF.

A entidade acatou um pedido da TV Globo. Uma pessoa próxima à CBF confirmou ao UOL Esporte que a ideia da detentora dos direitos de transmissão é deixar o início dos jogos mais limpo sem que os atletas fiquem encobertos, se aproximando do 'padrão Fifa' usado na Copa do Mundo. Agora, cada jogador só pode levar duas crianças para o campo.

A TV Globo diz que a decisão foi tomada em um consenso entre as partes envolvidas. O diretor executivo de esportes da emissora, Marcelo Campos Pinto, defende os novos padrões, que incluem ainda a limitação do contingente de imprensa e regras de comportamento para técnicos, jogadores e repórteres.

"Temos que usar o legado da Copa, é o mesmo modelo da Europa que deu certo no Mundial. Na Copa, cada jogador entrava com uma criança e deu muito certo. Todas as partes podem ser ouvidas, mas voltar atrás seria um retrocesso".

Mas a decisão tem custado caro aos clubes. A nova determinação foi enviada às agremiações no início do mês e passou a valer já na rodada seguinte sem que eles pudessem se planejar. Muitos já tinham compromissos agendados com escolinhas de futebol e torcedores comuns, além de pedidos de jogadores, diretoria e patrocinadores. Funcionários ainda viraram alvo da revolta dos pais que não aceitaram a frustração dos filhos.

"Os meninos ficam sem dormir, vêm de longe, até de Manaus e ficam sonhando em ver o ídolo. As crianças ainda ajudam a promover a ideia de que o espetáculo é um programa para a família, até pela questão da segurança, de promover a paz nos estádios", afirma Igor Carvalho, analista das franquias das escolinhas de futebol do Flamengo.

"Para as crianças é uma vivência única. Só estando no campo para ver o olhar delas, deslumbradas. O olho brilha, ela não acredita que aquilo está acontecendo. Tem criança que não dorme, que passa mal de tanta ansiedade. Já vi criança dizer que não queria lavar a mão nunca mais", conta Edson Rodrigues, gerente administrativo do Chute Inicial, escolinha de futebol do Corinthians, e um dos responsáveis do clube por organizar a ação.

Agora, os clubes precisam se equilibrar diante da grande demanda de pedidos. O Corinthians, por exemplo, atendia os alunos da sua escolinha de futebol, torcedores comuns que procuravam o clube, além dos pedidos de diretores e jogadores. Agora, só contempla atletas e membros da diretoria. Assim, algumas crianças tiveram que ser desmarcadas para o primeiro jogo após a determinação, entre Corinthians e Atlético-MG.

"Virou um grande problema, recebemos muitas reclamações. Teve uma mãe que surtou e foi até o clube reclamar. Muitos pais diziam que se arrependia de fazer o filho torcer pelo Corinthians, que o clube não estava nem aí para as crianças. Diziam que o filho criou muita expectativa e não dormiu. Teve uma criança que cortou o cabelo igual ao Ralf para entrar com ele, não pôde entrar e não parava de chorar. Muitos não entendiam que a culpa não era do clube", conta Edson.

No Rio de Janeiro, Flamengo e Fluminense também vêm encontrando dificuldades para lidar com a situação. Uma das responsáveis pelo setor de eventos e marketing, Mariana Britto diz que o clube pode enfrentar até problemas mais sérios por desrespeitar cláusulas contratuais. Isso porque a entrada de crianças com os jogadores está prevista no contrato do clube com a Unimed e dos pais com as escolinhas de futebol. Agora, ela não consegue mais atender todos.

Para não cancelar uma turma de crianças que viajou do Amazonas e do Tocantis para ver o Fluminense, ela chegou a negar pedidos do presidente do clube e de jogadores. E ainda vem enfrentando o nervosismo dos pais.

"Antes a gente só recebia elogio pela entrada dos mascotinhos, agora eu sou xingada. Recebi e-mails me acusando de beneficiar certas pessoas, dizendo que tinha que ser meu amigo para entrar. Até o presidente me pediu e eu disse que não dava".

No caso do Flamengo, o clube continua atendendo as escolinhas e os pedidos internos, mas teve que reduzir a quantidade drasticamente. "Agora até os jogadores têm que se mobilizar e decidir quem é o jogador que na semana seguinte vai levar os filhos. No Dia dos Pais, todos os atletas entraram com os filhos. Agora não podemos mais fazer essa ação", conta Igor.

Diante dos problemas gerados, os clubes se uniram. Corinthians, Palmeiras, Santos, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Atlético-MG e Cruzeiro enviaram um ofício à CBF, na última segunda-feira, para que a decisão seja revertida. 

No documento encaminhado também às federações estaduais, os clubes alegam que a entrada das crianças nunca trouxe qualquer prejuízo ao espetáculo (como atraso para o início da partida) e que é uma ação fundamental por representar um sonho para os jovens, além de contribuir para a formação de novos torcedores.

Ao UOL Esporte, a CBF confirmou o recebimento das reclamações, mas disse que não vai atender os pedidos. A entidade anunciou que vai manter o que foi combinado previamente para manter a organização no protocolo de entrada das equipes em campo.