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Desligado e fã de Chaves. Herói do Gre-Nal não parece aquele da confusão

Alán Ruiz não parece aquele que irritou D"Alessandro no clássico Gre-Nal - Jefferson Bernardes/Divulgação/Grêmio
Alán Ruiz não parece aquele que irritou D'Alessandro no clássico Gre-Nal Imagem: Jefferson Bernardes/Divulgação/Grêmio

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

11/11/2014 06h00

Ele já ouviu milhares de vezes um dos ensinamentos do seriado cômico que é fã. "A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena", repete Senhor Madruga, personagem de Ramón Valdés na série Chespirito, Chaves, no Brasil. Então, por que "causa, motivo, razão ou circunstância", Alán Ruiz bradou após marcar dois gols em 12 minutos e 'tripudiar' do Internacional no clássico 403, no último domingo (09), que tinha conseguido a desforra da final do Gauchão? Simples. Em campo, o ex-gordinho sorridente que encanta colegas nos treinamentos muda totalmente. Se torna um 'provocador', 'debochado', 'folgado'... O típico jogador argentino. 

Não foi apenas D'Alessandro que sofreu com Ruiz. Guerrero, do Corinthians, e Fred, do Fluminense, foram expulsos de jogos do Grêmio ao se envolver em confusões com ele. O que ele faz? Sorri. Enquanto D'Ale gritava, e não era "que que foi, que que foi, que que há...", ou quando Fred o segurou pelo pescoço ou ainda no episódio em que Guerrero tentou acertar um empurrão, Ruiz repetiu o gesto que tantas vezes fez assistindo Chaves: mostrou-se feliz. 
 
"Ele se irritou um pouco mais que eu. É argentino...", disse, sorrindo, sobre D'Alessandro. "Mas tranquilo, não me faltou com o respeito. Eu fui saindo, que era melhor", completou em um tom debochado. 
 
Mas, "ninguém tem paciência com ele"? Não. Não é bem assim. Alán Ruiz conta com o carinho dos colegas. São vários momentos de treinamentos que o apreço fica evidente. No sábado, por exemplo, a última atividade antes do Gre-Nal poderia ser tensa. Mas o gringo parece inatingível. Ele tinha a bola dominada no disputado recreativo. Erick, que fazia parte do time adversário, tirou rapidamente o jaleco que diferenciava as equipes e pediu a bola. Ruiz não viu que se tratava de um oponente, passou para ele. Erick fez o gol e caiu na gargalhada. Alán poderia ficar irritado, correu até o colega e... o abraçou, também rindo. "Ah, então assim, sim". 
 
Quando marcou, diante do Sport, a idolatria ao Chaves ficou evidente. Alán correu para o banco de reservas do Grêmio, procurou o amigo Matías Rodríguez, e imitou o que chamou de 'La Garrotera del Chavo', traduzindo para português, 'o piripaque do Chaves'. O movimento, que no seriado acontece sempre que o personagem toma um susto e só é curado quando lhe arremessam água no rosto, foi planejado, celebrado pelo colega. 
 
"Nós gostamos muito do Chaves. Conhecem? Chavo del ocho", disse no bom 'portunhol'. "Resolvemos fazer para rir um pouco", completou na ocasião. 
 
Rir é exatamente o que ele mais faz. Até mesmo quando chegou, um pouco acima do peso. Na verdade, bem acima do peso. Ruiz beirava os 90kg quando se apresentou ao Grêmio, em janeiro. E de cara ganhou um apelido, também em alusão ao programa de televisão. Deixou de ser Alán para ser Nhonho, personagem de Edgar Vivar conhecido pela forma arredondada. E a resposta? Novamente um sorriso. 
 
E foi assim que ele acabou conquistando espaço no clube gaúcho. Sem pensar muito, desligado do mundo. Feliz por ser feliz. Tão alheio ao ambiente em que vive que chegou a levar 71 multas de trânsito, a maioria no mesmo medidor de velocidade, próximo a sua casa, e precisou pagar mais de R$ 8 mil para ser liberado. 
 
O ápice aos gremistas veio no domingo. Ele entrou em campo aos 28 do segundo tempo do clássico Gre-Nal. Estava 2 a 1 para o Grêmio. No primeiro toque na bola, gol. Em seguida, aos 36, mais um gol. E, além disso, a comemoração em frente ao banco de reservas do Inter que gerou a fúria dos rivais. Principalmente aquele que a torcida gremista mais odeia: D'Alessandro. 
 
O compatriota de Ruiz queria briga. Advinha o que fez o gremista? Sorriu. Como se dissesse: "Tá bom, mas não se irrite...". O que deixou D'Ale ainda mais transtornado. "As pessoas boas devem amar seus inimigos", devia pensar ele, evocando mais um ensinamento do personagem de Roberto Bolaños. "Alguns deviam aprender a respeitar", reclamou o colorado. Nada mais aconteceu e, aos 40 minutos, temendo o pior pela insistência no deboche, Felipão sacou Ruiz do jogo. 
 
A permanência em Porto Alegre na próxima temporada é incerta. O Grêmio precisa pagar US$ 4 milhões ao San Lorenzo para manter o meia na equipe. Aos 23 anos, ele é considerado promissor e valioso. Há outras equipes interessadas e os próximos episódios da passagem dele pelo time azul, branco e preto não têm garantia de tanta alegria assim. Mas, saindo ou ficando, protagonista da goleada que rompeu jejum de dois anos em clássicos, o fã de Chaves já tem lugar no coração dos gremistas.