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Ele abandonou carreira promissora no tênis. E fez 'milagre' no Gre-Nal

Ramiro comemora gol do Grêmio no Gre-Nal, chamado de "milagre" por Felipão - Jefferson Bernardes/Divulgação/Grêmio
Ramiro comemora gol do Grêmio no Gre-Nal, chamado de 'milagre' por Felipão Imagem: Jefferson Bernardes/Divulgação/Grêmio

Marinho Saldanha

Do UOL, em Porto Alegre

13/11/2014 06h00

Aos 3 minutos do segundo tempo do clássico Gre-Nal, Dudu e Luan trocaram passes. O último toque na bola dos atacantes gremistas encontrou um colega entrando na área. Com a calma de quem conviveu com isso muitas vezes, ele apenas rolou no contrapé de Alisson fazendo 2 a 0 e abafando qualquer chance de reação do rival. Quem marcou o gol? O pensamento lógico apontaria para Barcos, Alán Ruiz, Giuliano, Lucas Coelho. Não. Como se fosse um centroavante, quem apareceu foi Ramiro. Sem costume algum com as redes, o volante viveu uma emoção diferente descrita pelo técnico Luiz Felipe Scolari como 'milagre'. 

"Por eu não ser um jogador de fazer muitos gols, fazer em um clássico, e da forma como foi, de dentro da área, foi um pouco diferente. Me marcou, foi um acontecimento que me pegou de surpresa. Quando fiz o gol não sabia nem como comemorar, não estou acostumado a fazer gol. O Felipão falou que foi um milagre", brinca. 
 
E o gol só comprova a boa fase que se estende deste a estreia no profissional do Grêmio, no ano passado. Ramiro é um jogador regular que, independente do técnico, se mantém titular há mais de um ano. 
 
E tudo isso poderia jamais ter acontecido. Com apenas 11 anos, ele precisou tomar uma decisão importantíssima, de fazer tremer muitos adultos. Com um título estadual da categoria e mais uma série de conquistas, ele via uma carreira promissora no tênis. Teria que optar entre tentar profissionalização nas quadras ou investir no futebol. Com oportunidade de atuar nas primeiras categorias do Juventude, não pensou duas vezes e trocou Gramado por Caxias do Sul, foi morar com uma tia, apostou tudo. E acertou. 
 
Após viver o ápice, ele recebeu a reportagem do UOL Esporte antes de mais um treino do Grêmio. Fora do estereótipo de jogador, Ramiro cursou dois anos da faculdade de educação física. Hábil com as palavras, ele está pronto para dar novo passo na carreira e receber oportunidade na Europa. Mesmo que garanta não pensar nisso. 
 
No começo da carreira, você jogava tênis. Como foi a opção pelo futebol? 
Bom, bom, eu não era, mas gostava de jogar tênis. A dúvida pintou logo no início da carreira quando pintou a oportunidade de morar em Caxias e 'seguir o baile' no futebol. Joguei um ano indo e voltando de ônibus (até Gramado, cidade da família) e no segundo ano, como os treinos aumentaram, eu iria morar lá. Foi onde eu tive que escolher, ou ia e abandonava o tênis, ou ficava. Escolhi pelo futebol porque pensei que talvez tivesse mais futuro. 
 
Houve algum tipo de pressão familiar para escolha? 
Não. Meu pai me deu total liberdade para escolher o que achasse melhor. O futebol era o esporte do meu pai, o tênis da minha mãe. Fiquei um pouco na dúvida, mas fui feliz e escolhi pelo futebol. 
 
Em algum momento você repensou esta escolha? Em alguma hora de dificuldade? 
Sempre tive bem claro que a partir do momento da escolha eu tinha determinado minha carreira. Mas pensei algumas vezes em abandonar tudo e voltar para minha cidade. Aquela coisa de: o que estou fazendo aqui? ficando longe da minha família... Saí de casa com 12 anos, era muito novo, era uma transição difícil. Sentia saudade da família, dos meus amigos, daquela rotina que eu tinha em uma cidade pequena. Então, me mudei para uma cidade grande, morava com minha tia, fazia tudo sozinho, treino, escola, de ônibus ou a pé... No início, até me adaptar foi um pouco complicado. Mas depois me adaptei e tive apoio da minha tia e dos meus pais. 
 
Seu pai fala que você era um garoto que sempre foi bem no colégio, gostava de estudar, não foste de uma família que passou por muitas dificuldades financeiras... Não é o estereótipo de jogador de futebol... Isso te gerou algum tipo de preconceito na base dos clubes? 
Preconceito não. Sempre me relacionei bem com todos, nunca tratei ninguém diferente. Mas nunca deixei de estudar. Quando comecei, meu pai disse que se possível ele queria que eu entrasse na faculdade, que tinha como acontecer. E eu fui tocando. Eu sabia que estudar era importante, não sabia se seria de fato jogador de futebol, precisava de uma carta na manga, se não desse certo teria uma segunda profissão. Então fui, conforme dava, conciliando. Até o momento que tive que trancar a faculdade para me transferir para Porto Alegre. Fiz dois anos de educação física, mas não conseguia fazer muitas cadeiras. Foram 10 cadeiras, um ano completo de faculdade. Tive que trancar e estou de molho. 
 
Depois foste para o Juventude, e depois vieste para o Grêmio, na base. Como foi a escalada até as primeiras oportunidades? 
Foi muito importante. O Juventude tem uma formação muito boa. Tive todo este suporte e apoio de forma gradativa. Fiz toda base do clube desde a Sub-12 até o Sub-20 quando me profissionalizei. Foi um período bem importante, devo muito ao Juventude por tudo isso. Quando vim para o Grêmio, depois de dois anos no profissional do Juventude, voltei para o Sub-20. Mas encarei como uma oportunidade e não como um regresso na carreira. Um motivo de superação cada vez mais e  chance de mostrar o potencial em um clube maior. Agarrei a oportunidade da melhor forma possível, vim para um clube com intuito de ajudar o Sub-20 e se pintasse a oportunidade subir para o profissional. 
 
No Grêmio, independente do técnico que passe, você seguiu titular do time. Como foi essa situação desde o ano passado? A que se deve isso? 
Eu procurei sempre manter meu trabalho independente do treinador. Sempre com seriedade e intensidade. Trato cada dia como uma chance de mostrar meu trabalho e crescer. Foi assim com todos. Conquistei meu espaço sempre aos poucos e fui me firmando. Com trabalho e dedicação, além de apoio das pessoas que me cercam, que nos momentos difíceis me deram aquele empurrãozinho. Essa base familiar e de amigos foi muito importante. 
 
E o gol no clássico, foi o ápice disso? 
Não tem como explicar, foi um momento diferente. Por eu não ser um jogador de fazer muitos gols, fazer em um clássico, e da forma como foi, de dentro da área, foi um pouco diferente. Me marcou, foi um acontecimento que me pegou de surpresa. Quando fiz o gol não sabia nem como comemorar, não estou acostumado a fazer gol. O Felipão falou que foi um milagre. É algo que não tem como explicar. Fazer gol com a camisa do Grêmio... Já tinha feito na Libertadores, no Brasileirão passado, e agora em um Gre-Nal, é uma satisfação enorme. Recebi mensagem de muitos amigos, gremistas e colorados, foi bem bacana. 
 
Você teve 50% dos direitos vendidos a um grupo de empresários. Toda janela de transferência surgem nova especulações de ida para Europa. Isso está certo para você, que uma hora ou outra vai acabar acontecendo? 
Não me preocupo com isso. Nem quando e nem se vai acontecer. Procuro pensar no dia a dia e em fazer meu trabalho. Pensar no clube que eu tenho respeito e admiração e defendo hoje. Hoje sou jogador do Grêmio e se tiver que amanhã ir para outro clube em outra situação, o Grêmio e meu pai, que é meu representante, vão ver o que é melhor para mim. Hoje estou feliz no Grêmio e com a oportunidade de atingir o objetivo do ano. 
 
Quando surgem especulações em jornais de fora do país chega a mexer com o jogador? 
Não olho, mas recebo a informação sempre. É legal, importante ser lembrado mesmo sendo concreto ou não. Ter o nome vinculado a um grande clube é motivo de satisfação e mostra que o trabalho está dando resultado. Procuro saber e não me empolgar.