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Como um WO coletivo abriria brecha para virada de mesa no Brasileirão

Guilherme Costa*

Do UOL, em São Paulo

01/12/2016 15h04

Adiada em uma semana depois da tragédia que acometeu a Chapecoense, cuja delegação foi vítima de acidente aéreo em que 71 pessoas morreram, a última rodada do Campeonato Brasileiro já começou a criar polêmica. A própria equipe catarinense e o Atlético-MG avisaram que não disputarão duelo previsto para 11 de dezembro, e outros times também suscitaram a possibilidade de um WO coletivo. E se houver adesões, esse cenário de consternação ofereceria uma brecha legal para uma virada de mesa.

Quais são as regras do Brasil para WO

O artigo 53 do regulamento geral de competições da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) diz que uma equipe é declarada perdedora por 3 a 0 se não comparecer a uma partida. Se os dois times derem WO, ambos recebem essa punição. Não há qualquer menção a recusa ou abandono coletivo.

Casos de WO, contudo, também estão sujeitos a punições disciplinares. O CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) tem um artigo (203) que fala sobre “deixar de disputar, sem justa causa, partida, prova ou equivalente na respectiva modalidade”. A pena: multa de R$ 100 a R$ 100 mil, perda dos pontos em disputa (os três referentes ao jogo) e exclusão da competição. O último item só é aplicável se uma terceira equipe tiver benefício ou prejuízo esportivo com o cancelamento da partida.

“Nessa altura do campeonato, os três pontos para o Atlético-MG fazem pouca diferença. Para a Chapecoense também. A multa menos ainda, mas o risco de ser eliminado da competição existe se o resultado fizer com que uma terceira equipe tenha prejuízo ou benefício. Fico com certo receio em função disso”, disse o advogado Gustavo Souza, especializado em direito desportivo. O Atlético-MG não pode mais deixar a quarta posição do Brasileiro (tem 62 pontos), e a Chapecoense, com 52, não fugirá da zona intermediária (ocupa o nono lugar, mas pode terminar entre o sétimo e o décimo).

Advogados ouvidos pelo UOL Esporte apontaram chance remota de consequência drástica se apenas o jogo entre Chapecoense e Atlético-MG deixar de ser realizado. As duas equipes seriam consideradas derrotadas e poderiam receber multa, mas dificilmente isso daria margem para uma alteração no desfecho do Brasileirão. “É um caso muito particular e vai ser analisado assim”, afirmou Felipe Bevilacqua, procurador do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva).

O que pode abrir uma brecha para virada de mesa

A chance de o resultado esportivo do Brasileiro ser ignorado cresceria se o WO envolvesse qualquer equipe que ainda tem algo a atingir na rodada derradeira. Nesse caso, times que se sentissem prejudicados poderiam alegar que houve benefício a terceiro.

Há seis times que ainda brigam por algo no Campeonato Brasileiro: Atlético-PR (56 pontos), Botafogo (56 pontos) e Corinthians (55 pontos) postulam as duas últimas vagas do torneio na próxima edição da Copa Libertadores, e a zona de rebaixamento ainda tem um espaço a ser preenchido por Sport (44 pontos), Vitória (45 pontos) ou Internacional (42 pontos).

Na última rodada, portanto, os jogos que poderiam beneficiar ou prejudicar terceiros seriam Atlético-PR x Flamengo, Grêmio x Botafogo, Cruzeiro x Corinthians, Sport x Figueirense, Vitória x Palmeiras e Fluminense x Internacional. Todos estão previstos para começar às 17h (de Brasília) do dia 11 de dezembro.

“Se houver um WO coletivo dos 20 clubes, não há terceiro prejudicado. O campeonato termina com a pontuação que existe hoje. Mas se o Internacional entrar em campo, por exemplo, o Vitória seria prejudicado”, ponderou Gustavo Souza.

A grande questão nesse cenário é que o presidente do Figueirense, Wilfredo Brillinger, disse na última quarta-feira (30) que gostaria de cancelar a última rodada. “É uma ferida que só o tempo vai consertar, mas vai ser muito longo. Ainda não conseguimos avaliar as consequências de uma tragédia desse tamanho e não temos espaço para pensar em competição de futebol”, declarou o mandatário em entrevista à “Rádio Gaúcha”.

Se o Figueirense não entrar em campo, o Sport será considerado vencedor e automaticamente evitará o risco de rebaixamento. Vitória e Internacional, que passariam a ter um candidato a menos na luta contra o descenso, poderiam alegar que foram prejudicados.

O que pensam os times envolvidos nos jogos que valem

Oficialmente, Cruzeiro e Vitória defendem a realização da última rodada e já avisaram que entrarão em campo. Atlético-PR e Flamengo foram menos incisivos sobre a tabela como um todo, mas também pretendem fazer suas partes.

“Agora não é hora de falar disso. Não dá para antecipar nada. Cada agonia na sua hora”, disse Luiz Sallim Emed, presidente da equipe paranaense. “Mas esse jogo da última rodada vai ter de acontecer”, completou.

“O Flamengo segue a rotina de tentar recuperar os cacos e cumprir a última rodada, mas não temos uma opinião formada sobre isso”, avisou Rodrigo Caetano, diretor-executivo de futebol dos cariocas.

O Palmeiras, que assegurou o título na rodada anterior, também pretende entrar em campo. Em contato com a reportagem, o clube disse que o cancelamento de todos os jogos poderia causar um problema prático muito grande no campeonato.

O que pensa a Chapecoense sobre a última rodada

“Nós estamos de acordo com a atitude do Atlético-MG [o presidente do time mineiro, Daniel Nepomuceno, avisou que não entrará em campo na última rodada]. Acho ótima a decisão porque não teríamos clima para o jogo”, avisou Ivan Tozzo, presidente em exercício da equipe catarinense.

CBF mantém programação para rodada final

A despeito de ter adiado em uma semana, a CBF não pretende alterar a programação da última rodada do Campeonato Brasileiro. Em nota publicada em seu site, a entidade informou apenas a mudança de data das partidas.

Na última quarta-feira, Ivan Tozzo relatou ter conversado com Marco Polo del Nero, presidente da CBF. “Ele disse que o jogo tem de acontecer. Eu respondi que não temos 11 jogadores, e ele afirmou que temos a base e os que ficaram. Disse que era preciso fazer uma grande festa e que Chapecó e Chapecoense merecem”, relatou o dirigente em entrevista coletiva.

Depois, Tozzo amenizou um pouco o discurso: “Não senti pressão alguma para jogar. Muito pelo contrário. O Del Nero está fazendo um trabalho fantástico, mesmo de longe. Está fazendo tudo o que eles podem e sou eternamente grato a eles”.

Declarações do Internacional alimentaram polêmica

Atualmente posicionado na zona de descenso para a segunda divisão, o Internacional tem sido um dos principais responsáveis por especulações em torno do futuro do Campeonato Brasileiro. Sobretudo por causa das últimas declarações de Fernando Carvalho, vice-presidente de futebol do time gaúcho.

À “TV Pampa”, o dirigente afirmou que o adiamento da última rodada proporcionaria aspectos que teriam de ser discutidos posteriormente: “Além da consternação geral, temos a nossa tragédia particular que é fugir do rebaixamento. Estamos nos agarrando nas folhas da última árvore. Esse adiamento de rodadas certamente vai ser prejudicial. Nem estou falando nisso, a consternação é geral e a solidariedade é unanime. Mas esse adiamento certamente vai trazer embaraços que lá adiante vamos ter que comentar”.

Depois, em entrevista à “ESPN”, Carvalho disse que não tem pudor de recorrer aos tribunais. “Já perdemos um campeonato no tapetão. Então, o Inter tem todas as questões éticas para defender o caso. Isso vai ser tratado com o jurídico. Não tenho problema de ter a fama de usar o tapetão”, avisou o dirigente, em alusão ao Brasileiro de 2005.

* Colaboraram Danilo Lavieri, Enrico Bruno, Jeremias Weneck, José Edgar de Matos, José Eduardo Martins, Leandro Carneiro, Marcello de Vico, Marinho Saldanha e Vinicius Castro