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Vítima de tragédia no Maracanã vê Fla x Bota na TV e lamenta esquecimento

Pedro Ivo Almeida

Do UOL, no Rio de Janeiro

23/10/2013 06h00

Após pouco mais de 21 anos, Flamengo e Botafogo voltam a protagonizar, nesta quarta-feira, às 21h50, uma partida decisiva de competição nacional. Desta vez, o duelo no Maracanã vale uma vaga na semifinal da Copa do Brasil. Há duas décadas, o confronto decidia o Campeonato Brasileiro. E aquele jogo não ficou marcado apenas pelo título rubro-negro, mas também por uma tragédia que matou três pessoas e feriu outras 90: a queda de parte da arquibancada do estádio momentos antes da bola rolar.

Umas das vítimas do acidente que marcou a vida de milhares de pessoas e deu origem a uma série de reformas no Maracanã, o empresário Renato Gama, hoje com 37 anos, não conseguiu ver aquela final. Após a queda de uma altura de cerca de sete metros, ele foi encaminhado a um hospital público por conta dos graves ferimentos, como uma lesão na coluna que o incomoda até os dias atuais.

E na noite desta quarta, assim como há 21 anos, ele não conseguirá acompanhar o duelo decisivo do estádio. Desta vez, por uma causa bem mais tranquila. “É aniversário do meu sogro. Não tenho como faltar. Queria muito estar lá. Será um jogo histórico e emblemático”, disse Renato, que lembra com detalhes o período mais complicado de sua vida.

“Fiquei um ano usando colete. O mais difícil foram os 15 dias que fiquei esperando do acidente até a cirurgia. Foi terrível. Hoje, ainda sinto dores na região lombar. E quando pratico algum esporte, também complica”.

Além de algumas dores, outro fator incomoda Renato Gama. “Confesso que faltou um reconhecimento ou alguma homenagem. Não custa nada falar com a galera que sofreu aquilo. Mas no Flamengo é tudo assim mesmo: um ‘bundalelê’, uma zona. Tudo caiu no esquecimento. Chegaram a prometer cadeira cativa, fisioterapia... nada disso rolou. Na hora que precisamos ninguém apareceu. Minha mãe teve que pedir demissão do emprego para cuidar de mim. Ainda está em tempo de ocorrer esta homenagem Precisam aproveitar enquanto estamos aqui. Alguns já até morreram. Foi algo muito grave mesmo.”

  • Reprodução/Facebokk

    Renato (5º da esq. para dir.) assiste a jogo do Flamengo no sobrinhos no Maracanã

“Sonho com aquele gramado do Maracanã. Poderia ser ali no meio mesmo, antes de algum jogo do Flamengo. Só ia ter o risco de eu pegar a bola e chutar para o gol. Ia fazer alguma graça”, brincou o bem humorado Renato.

O empresário consegue se divertir até mesmo ao lembrar dos momentos de crise no hospital. “Na hora, não temos noção da gravidade. Minha mão ficou desesperada. E eu fiquei, bobo aos 16 anos, todo feliz: apareci na televisão, recebi a visita dos jogadores no hospital, ganhei camisa autografada, tirei foto. Até pensava que tinha sido bom [risos]”.

RELEMBRE O ACIDENTE

Alexandre Vidal/Fla Imagem
Em 19 de julho de 1992, Flamengo e Botafogo decidiram o Campeonato Brasileiro no Maracanã. Momentos antes da partida, parte da grade da arquibancada cedeu e causou a queda de pouco mais de 40 torcedores, que caíram na área das cadeiras e feriram outros 50 rubro-negros. Segundo informações da época, tudo ocorreu por conta de uma briga iniciada perto do local. Um laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli apurou que as causas da queda da grade foram o excesso de carga, o desgaste do material e falhas na instalação da estrutura de alumínio. Três pessoas morreram em função do acidente e outras 90 ficaram feridas. Pouco mais de 120 mil torcedores estavam no estádio para acompanhar o jogo que deu o título brasileiro ao clube da Gávea. O episódio gerou uma série de reformas que buscou melhorar a segurança e acabou por reduzir a capacidade total do tradicional palco do futebol do Rio de Janeiro

Nos dias atuais, porém, a realidade é outra. E Renato repete sua mãe ao cuidar da filha Nicole, de quatro anos. “Hoje sou eu que tenho medo. Ainda não levei minha menina lá. Já fui ao Maracanã muitas vezes, principalmente com meus sobrinhos, mas tenho muita preocupação com ela ainda. Estou tentando pegar uma confiança maior. O receio sempre vai existir, é natural”.

“Hoje não tem mais grade, mas antes das obras [para a Copa do Mundo de 2014] eu nem chegava perto. Tinha um medo enorme. Não dava para esquecer o que passei. Agora assisto ao jogo lá na parte central, tranquilo”.

A segurança dos dias atuais agrada a vítima do trágico acidente de 1992, mas Renato sente falta do clima do Maracanã de outras décadas.

“É tudo muito bonito, mas o Maracanã não tem mais aquela magia. Não tem mais o calor. Confesso que ainda não sei se prefiro este ou o outro. Este é mais seguro, e eu sei bem como isso é fundamental, mas o antigo era sensacional. Uma coisa de louco, inesquecível mesmo”.

Festa no hospital
Outro clima que Renato não esquece é o de festa pelo título dentro do hospital, mesmo com tantos feridos após o acidente.

“Cheguei no Souza Aguiar [hospital] e vi aquele corredor imenso cheio de gente com camisa do Flamengo e toda cheia de sangue. Era muito torcedor machucado mesmo. E nisso o jogo o rolando no Maracanã. Do nada, apareceu um radinho de pilha e ficamos todos acompanhando. Quando saiu o gol, foi uma loucura. As pessoas saíram das macas, começaram pular, correram no corredor. Parece que todo mundo se recuperou na hora. O Flamengo faz isso com as pessoas. Quem não curtiu muito foram os médicos e seguranças. Ficaram malucos e começaram o esporro geral. Eles não acreditava. Era muita gente pulando no corredor. Ficaram desesperados”

No primeiro duelo decisivo por uma competição nacional desde a tragédia, Renato espera que a comemoração se repita, mas desta vez no sofá da casa do sogro, longe de qualquer perigo. 

“Não vai ter nem graça. Vamos atropelar: 3 a 0. Quando é para valer, levamos a melhor. E o Flamengo está mordido depois daquela derrota no Brasileiro. Vamos dar o troco agora, quando realmente importa”, provocou.

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