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Atlético tem torcida socialista. E ela faz guerra política com o presidente

Torcida do Atlético-MG tem torcida socialista e leva a discussão política para o futebol - Luiza Oliveira/UOL
Torcida do Atlético-MG tem torcida socialista e leva a discussão política para o futebol Imagem: Luiza Oliveira/UOL

Luiza Oliveira

Do UOL, em Belo Horizonte

25/11/2014 16h27

Qual vai ser a escalação de Levir Culpi na final? Tardelli vai marcar o gol do título? Como o time vai reagir jogando com a vantagem? Essas discussões que não saem da cabeça dos atleticanos na véspera da final da Copa do Brasil não estão entre as maiores preocupações da Galo Marx. A torcida organizada do Atlético-MG tem filosofia de esquerda e leva de forma ferrenha a discussão política para o futebol. Até compra briga com o presidente Alexandre Kalil.

A organizada tira os ensinamentos do filósofo alemão Karl Marx dos longínquos livros de história da escola e leva para o campo. Mas o nome também tem uma pitada bem humorada em um trocadilho com o ídolo alvinegro Marques.

Na Galo Marx, os integrantes, em sua maioria estudantes, defendem os ideais do socialismo como o combate à desigualdade e ao capitalismo e se posicionam ao lado povo na luta de classes da sociedade.

O símbolo da torcida é o retrato do ídolo Reinaldo com os punhos cerrados para cima, mas com o rosto de Marx. O gesto socialista revolucionário que ficou eternizado nas comemorações do Rei representava uma resistência contra a ditadura e a defesa do movimento negro.

Os atleticanos tentam incorporar esses princípios no futebol, especialmente no clube do coração, mas a tarefa não tem sido fácil. A começar pelo sistema de eleições indiretas no clube. Para eleger o presidente, os sócios escolhem conselheiros que têm o direito de votar no presidente. Para os socialistas, o ideal é que surgisse uma chapa composta por torcedores comuns que representassem o povo.

Atualmente, uma das principais bandeiras da Galo Marx é o combate à elitização do futebol, exacerbada pelos altos preços dos ingressos. Na final da Copa do Brasil, por exemplo, os preços variaram de R$ 200 a R$ 500.

“O Atlético está muito elitizado, tiraram o preto e o pobre do campo, o povo foi excluído. Ninguém tem condição de pagar esse preço. Nós somos muito contra isso”, conta um dos líderes do grupo, o jornalista Lucas Morais.

Seguindo as ideias de Marx, Lucas defende a luta dos trabalhadores contra o elitismo. “Só de estarmos aqui discutindo isso, levando isso a público, já é um exemplo de luta de classes. Teve um jogo em que os torcedores foram mais rebeldes e pularam o portão sem pagar. Eu não fui contra, estamos sendo assaltados e precisamos lutar contra isso de alguma maneira”, conta ele.

Engajada politicamente, a Galo Marx comprou briga até com o presidente do Atlético, Alexandre Kalil, por ser contra algumas atitudes do mandatário que eles consideram autoritário e centralizador, características que também se distanciam do ideal socialista.

A organizada chegou a divulgar uma nota sendo contrária à contratação de Nikolas Anelka, quando o francês foi anunciado por Kalil no Twitter. O jogador é persona non grata pelo grupo depois de ter sido acusado de antissemitismo por fazer um gesto nazista na comemoração de um gol. Na época, as outras organizadas que queriam ver Anelka com a camisa do Atlético se voltaram contra os marxistas.

E a oposição a Kalil não para por aí. A Galo Marx também repudiou quando o mandatário lançou sua candidatura a deputado estadual usando o nome do Atlético, e também foi contrária ao seu posicionamento político em nota oficial.

“Entendemos que o Atlético é uma instituição plural, representada de forma massiva em todas as camadas da nossa sociedade, sem distinção de etnia, credo ou ideologia política. Por toda nossa história, representantes de todas essas camadas têm se destacado prestando serviços ao nosso Clube, como jogadores, funcionários ou dirigentes. Por isso, a atitude de V. Sa. de atrelar o nome de nossa instituição a um determinado candidato numa eleição, atitude essa que é reincidente e, por isso, mais grave, é um flagrante desrespeito a todos os conselheiros, sócios e, sobretudo, torcedores que simpatizam com, manifestam seu apoio a ou militam para eleger outros candidatos”, divulgaram.

A Galo Marx agora se organiza para poder comparecer aos jogos, mas ainda tem dificuldades por causa dos preços dos ingressos. Enquanto isso, as discussões seguem acaloradas nas redes sociais, que já contam com mais de 500 membros.

Apesar do princípio marxista que é defendido, muitos têm outras linhas de pensamento também de esquerda. Entre os integrantes, há comunistas e até anarquistas. Mas o que que eles mais pregam é o respeito ao próximo.

Por isso, defendem causas de outras torcidas que consideram relevantes como o combate ao racismo e à homofobia. A Galo Marx não canta xingamentos contra os rivais no estádio, nem qualquer palavra de cunho homofóbico como ‘Maria’, apelido ofensivo dado pelos atleticanos aos cruzeirenses.

“Quando o goleiro vai chutar a bola e a torcida toda canta ‘bicha’ nós ficamos calados. Quanto mais as pessoas se permitirem e acharem normal falar esse tipo de coisa, mais o preconceito será difundido”, conta o estudante de engenharia da computação Leonardo Abritta.