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Lei boliviana diz que Gaviões da Fiel é cúmplice por ter tirado menor infrator do país

Gaviões da Fiel seria cúmplice da morte de Kevin, de acordo com a lei boliviana - Julia Chequer/Folhapress
Gaviões da Fiel seria cúmplice da morte de Kevin, de acordo com a lei boliviana Imagem: Julia Chequer/Folhapress

Gustavo Franceschini, Luiz Paulo Montes e Mauricio Duarte

Do UOL, em São Paulo

26/02/2013 06h00

A Gaviões da Fiel apresentou um menor de 17 anos à Justiça brasileira como culpado pela morte do jovem Kevin Beltrán Espada, mas, para a lei boliviana, a facção também poderia ser punida pela maneira como as coisas aconteceram. O UOL Esporte ouviu um advogado do Tribunal Constitucional da Bolívia, órgão de maior autoridade sobre a carta-magna do país, que confirmou a possibilidade.

A responsabilização se daria porque foi a Gaviões quem decidiu apresentar o menor às autoridades somente após seu retorno ao Brasil. Na visão do jurista, as pessoas que estavam cientes da manobra teriam cometido um crime.

“Eles tendem a serem cúmplices se permitiram que ele saísse. O nosso código penal prevê a cumplicidade. Toda a torcida que deixou Oruro sabia quem ele era? Isso tem de ser investigado”, disse Christian Siles, advogado e funcionário do Tribunal, suprema corte boliviana, à reportagem.

A versão de que foi a Gaviões que tomou a decisão foi apresentada pelo advogado da organizada, Ricardo Cabral, que também defende o menor. Aos 17 anos, H.A.M. (iniciais do garoto) disse ter sido o responsável pelo disparo que matou Kevin Espada, de 14 anos, com um sinalizador de navio durante a partida entre San Jose e Corinthians, na última quarta.

“As consequências de se entregar lá seriam bem piores. Ele poderia ficar preso, estava em outro país. Optamos por trazê-lo ao Brasil e em conversa com a família decidimos que ele se entregaria hoje [segunda]”, explicou Ricardo Cabral que, no entanto, não crê em responsabilização da Gaviões.

“Até poderíamos, pois na Bolívia nós éramos os responsáveis por ele. Mas desde quinta-feira a Gaviões tem colaborado com as investigações. Nos dispusemos a tudo para encerrar este caso”, completou ele.

O fato de todos os envolvidos já estarem no Brasil é um obstáculo para que a lei boliviana seja cumprida à risca. Especialistas ouvidos pela reportagem repetem que a extradição, tanto do menor quanto de outros membros da Gaviões, dificilmente acontecerá. Por isso, uma punição dependeria primeiro de uma denúncia das autoridades do país vizinho.

Caso isso venha a acontecer, o cenário mais plausível é que todos sejam julgados de acordo com a lei boliviana, que pediria a extradição em caso de condenação. Para compensar a provável negativa, o Brasil teria de punir esses responsáveis de acordo com sua própria constituição, que também pode enquadrar a Gaviões e seus responsáveis.

“Existe no Brasil o favorecimento pessoal, que é favorecer uma pessoa que se encontra foragida. Se isso se confirmar, os dirigentes da torcida poderiam ser punidos”, disse Roberto Delmanto Junior, advogado criminalista, doutor em direito penal processual pela USP (Universidade de São Paulo).

O problema é ainda maior se for levado em conta que a Gaviões tinha um documento assinado pela mãe do garoto que caracterizava a torcida como seu representante legal fora do país. “Eles agiram de forma ilegal, sim, quando levaram o garoto com sinalizador na mochila, ele disparou sob a vigia deles e matou alguém. A Gaviões, como uma empresa com CNPJ, tem diretor, presidente. O dirigente responsável pela torcida organizada pode ser imputado como criminoso e ser coautor com o garoto”, disse a Dra. Maristela Basso, advogada especializada em Direito internacional e professora da USP.

Desde que foi anunciada pelo advogado Ricardo Cabral, a confissão do jovem foi tratada com desconfiança por parte da mídia por ele ser menor de idade. Com isso, cumpriria uma pena mais branda no Brasil, já que na Bolívia a maioridade penal começa aos 15 anos.

A Justiça boliviana, no entanto, até agora ignora a manifestação do jovem. “Como o jovem saiu da Bolívia? Com que ajuda? Há várias interrogações que têm de ser esclarecidas em Oruro. As autoridades não têm de levar em conta provas produzidas em outro lugar. Quem garante que este garoto não foi pressionado?”, disse a delegada Abigail Saba, em entrevista ao UOL Esporte por telefone.