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Predador doméstico, Bayern vira paladino da responsabilidade fiscal na Liga dos Campeões

Bayern de Munique decide título da Liga dos Campeões em casa contra o Chelsea - Matthias Schrader/AP
Bayern de Munique decide título da Liga dos Campeões em casa contra o Chelsea Imagem: Matthias Schrader/AP

Fernando Duarte, em Munique (Alemanha)

18/05/2012 06h01

Odiado pelos rivais na Alemanha, contra quem costuma usar seu músculo financeiro para arrebatar sem cerimônia os melhores talentos, o Bayern de Munique se transformou num paladino do fair play econômico do futebol europeu. De uma maneira paradoxalmente tanto acidental como intencional.

  • Claude Paris/AP

    Uli Hoeness disse "ser vítima de uma máfia do petróleo", em clara alfinetada a Abramovich (foto)

O fato de que terá o Chelsea como adversário na final da Liga dos Campeões da Europa, neste sábado, voltou a despertar interesse pelo modelo de gestão do clube alemão, que não poderia ser mais diferente que o da equipe londrina.

Sem um oligarca bilionário como dono e disputando um campeonato nacional menos rentável que a Liga Inglesa em termos absolutos, o Bayern não compete de igual para igual na disputa pelos melhores jogadores no cenário europeu.

E ao mesmo tempo que pode apontar para as duas finais européias em três anos (perdeu para a Internazionale em 2010) como um sinal de eficiência, o Bayern desde 2001 não conquista o mais importante título do futebol de clubes. A série de fracassos, segundo seus dirigentes, pode ser atribuída ao que classificam categoricamente como um desequilíbrio injusto no cenário europeu.

Na última quarta-feira, por exemplo, o presidente do clube alemão, Uli Hoeness, disse ser vítima de uma ‘’máfia do petróleo que toma dinheiro do público nas bombas de gasolina para financiar clubes de futebol’’. Uma alfinetada que teve como alvo óbvio o Chelsea, de propriedade do magnata russo Roman Abramovich, que fez fortuna com o combustível fóssil em seu país e cujos investimentos levaram o Chelsea a romper um jejum de 50 anos de títulos da Liga Inglesa – foram três campeonatos desde que o russo comprou o clube, em 2003.

‘’Fico furioso todas as vezes em que compro gasolina. A máfia do óleo tira dinheiro do meu bolso para investir em jogadores de futebol.  Isso, em que incluo o senhor Abramovich, é podre. Por isso precisamos derrotar clubes como o Chelsea no campo. Nosso modelo é baseado em sucesso com bom-senso financeiro. Já o senhor Abramovich injetou mais de US$ 1 bilhão no Chelsea e, se algum dia interromper o fluxo de dinheiro, o clube valerá menos que uma revista de palavras cruzadas’’, esbravejou Hoeness, em declarações reproduzidas amplamente pela mídia inglesa.

 

 

Não se trata da primeira vez que o dirigente adota o discurso da responsabilidade: no início do ano, Hoeness atacou Real Madrid e Barcelona, que têm vultosas dívidas com o fisco espanhol. Apelou até para o plano macroeconômico (em que o governo alemão financiou pacotes de ajuda a vizinhos de Zona do Euro) como forma de não restringir a indignação a Munique. ‘’O s alemães pagam milhões para tirar os espanhóis da merda e os clubes não honram suas dívidas’’, criticou.

As reclamações também servem para desviar a atenção de problemas de desempenho do próprio Bayern. Nos últimos dois anos, o clube mais poderoso e vitorioso da história alemã viu o Borússia Dortmund conquistar o título nacional e, na semana passada, foi humilhado pelo mesmo rival por  5 a 2 na final da Copa da Alemanha.

Inegável, porém, é o sucesso do Bayern no jogo financeiro: especialistas em finanças do futebol estimam que o o clube arrecadou o equivalente a US$ 403 milhões na temporada 2012-12, valor superior em pelo menos US$ 80 milhões às receitas do Chelsea.

O Bayern pode ainda se gabar de ter registrado lucro nos últimos 19 anos ao passo que apenas balanço do Chelsea para a temporada de 2010-11 revelou perdas da ordem de US$ 174 milhões. Os alemães comprometem menos de 50% de suas receitas com salários de jogadores, uma proporção que salta para 82% no clube londrino. No lugar de um oligarca, tem 82% de suas ações nas mãos de sócios-torcedores e apenas 18% divididos entre um fabricante de material esportivo (Adidas) e uma montadora (Audi).

‘’O Bayern tem uma estrutura financeira responsável e sustentável, o que garante uma estabilidade muito maior. E não se pode criticar um clube que faz duas finais européias em três anos mantendo seu balanço no azul’’, opina Phillip Kuffer, especialista em futebol europeu da consultoria alemã Sport+Markt.

Caso perca a final de sábado, Hoeness & cia esperam rir por último com a implementação das regras de responsabilidade financeira da Uefa, que obrigam os clubes a reduzir drasticamente seu endividamento até a temporada de 2014-15, sob pena de ser impedidos de participar dos torneios continentais. Um dos casos mais problemáticos citados como exemplo é justamente o time de Abramovich.