Topo

Repórter conta como é ir de bike à Arena Corinthians em dia de clássico

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

06/04/2015 16h00

"Pena que você não pode ir direto de bicicleta, iria chegar bem mais rápido, né?", diz o segurança do Metrô. Estou naquele canto do vagão reservado aos ciclistas. Meu destino é a estação Tatuapé. Respondo que sim, é verdade, bem que podia existir uma ciclovia que fosse margeando os trilhos. O segurança desaprova a ideia. "Para com isso. A gente ia ter trabalho todo dia".

O caro colega que preza pela ordem dentro do metrô e suas estações não tem com o que se preocupar. Porque já existe uma ciclovia que segue paralela aos trilhos. E, claro, há um muro entre os ciclistas e os trens. É a chamada "Caminho Verde", que acompanha a Linha 3-Vermelha do Metrô e a Radial Leste ao longo de 12 quilômetros entre as estações Tatuapé e Corinthians-Itaquera. Minha missão é percorrê-la até a Arena Corinthians, onde acontecerá o clássico entre Corinthians e Santos pelo Campeonato Paulista.
Quando a ciclovia foi inaugurada, em 2008, a ideia de um estádio em Itaquera ainda era algo distante para os corintianos. Como se sabe, isso agora mudou bastante, e a "Caminho Verde" tornou-se - por que não? - mais uma opção para se chegar à arena corintiana. É claro que, a não ser que você seja um biker inveterado, a opção pelo metrô sempre será a óbvia. Mas vale dar uma chance eventual para a ciclovia. Como se verá adiante, pode ser um jeito saudável, diferente e interessante de ir a uma partida.

O metrô, sempre ele

Comece do jeito certo: ao desembarcar na estação Tatuapé, saia à direita ao passar das catracas e na sequência faça um leve desvio à esquerda. É lá, em uma pequena passagem antes do acesso ao shopping, que você desce para o lado certo da Radial e chega ao início da ciclovia. Se você errar de lado, terá que voltar tudo novamente empurrando sua bike ou, caso não tenha nenhuma amor à sua vida, tentar atravessar a Radial em um trecho sem faixas de pedestre e com grades separando as vias.
Uma vez do lado certo da Radial, você já verá o comecinho da ciclovia (que, diferente das mais novas, é amarela, e não vermelha, a não ser no seu finalzinho). Aí é só conferir se está tudo certo com a bicicleta e começar a pedalar. Desse ponto em diante, certas características serão comuns a todo o trajeto. Para o bem e para o mal.
A superfície da ciclovia é bem irregular, com buracos aqui e ali, mas aceitável no geral. Em outras palavras, não é uma pista de boliche, mas também não há imperfeições gritantes. O título de "Caminho Verde" não foi dado à toa: de fato, todo o caminho é arborizado e nota-se certo cuidado com o paisagismo. O problema aqui, como se verá mais para frente, é que em certos trechos o "verde" significa mato mesmo. Já pontos de descanso e banheiros públicos, bem, esqueça: são pouquíssimos os bancos para você dar uma esticada, e banheiros, só os do comércio ao redor e os das estações que mantêm sanitários públicos (caso da Patriarca).

Pedalar ou gritar "gol"?

Agora vamos aos pormenores. O trajeto é quase todo plano. Os pouquíssimos aclives podem ser vencidos com facilidade com uma bicicleta com marcha. Isso quer dizer que, se o seu físico estiver razoavelmente em dia, é possível ir ao jogo de bike sem gastar todas suas energias pedalando e depois mal conseguir comemorar um gol. Em relação à segurança, há um trecho bem obscuro logo antes da estação Penha. Espremido entre o muro do metrô e um paredão, e cheio de mato, o lugar parece o cenário perfeito para que algo de muito ruim aconteça com você.
"Ali com certeza é o trecho crítico da ciclovia", diz Devair Ferreira dos Santos, integrante de um grupo de ciclistas e usuário da ciclovia desde a inauguração. "Essa passagem é uma armadilha. Mas, no geral, acho a ciclovia segura, eu pessoalmente nunca tive problemas", relata.
A primeira aglomeração de corintianos surge em um posto de gasolina após a estação Vila Matilde. É bom que você saiba disso porque, diferente dos bairros mais centrais da cidade, aqui você não vai encontrar o comércio aberto para te socorrer em caso de necessidade. Os postos de gasolina (no caso, este fica aberto 24 horas mesmo aos domingos), são uma boa opção para encher o pneu e comprar comes e bebes. Agora, se o seu problema for pneu furado, torça para acontecer em um jogo de dia de semana ou de sábado, porque, aparentemente, não há nenhuma borracharia aberta ao longo da ciclovia durante o domingo. "Se (o cliclista) tiver problema, tá ferrado", sentencia Ricardo Gomes, frentista do posto citado.

Trechos sombrios

Descansando em um dos poucos bancos do "Caminho Verde", Antônio Roberto Rufino começou a frequentar a ciclovia por razões médicas. "Estava com o colesterol alto e o médico me mandou fazer exercícios. Comecei caminhando com um grupo que se reunia de manhã, mas não pude continuar por causa do horário do meu trabalho. Então comecei a pedalar, moro aqui perto, e graças a Deus meus exames já melhoraram", diz Antônio, que realiza "serviços gerais" em uma casa. Ele conta que seu passeio normalmente consiste em ir até o metrô Carrão e voltar (estamos próximos ao metrô Patriarca), e ele também procura evitar os trechos mais sombrios. "Se eu vejo que tem grupinho, cara olhando estranho, já nem passo".
Na estação Patriarca, um pequeno centro comercial tem raros estabelecimentos abertos. Mais adiante, em Artur Alvim, o ciclista encontra outra coisa bem valiosa para muitos torcedores. Os primeiros botecos apinhados de semelhantes indo ao jogo. O primeiro dele, o modesto e acanhado, porém convidativo, Bar da Família Oliveira, já tem muitos corintianos. Um deles, porém, explica que o movimento na verdade está fraco. "Normalmente o pessoal fica na rua, lota a calçada, rola um sambinha. Acho que hoje está mais tranquilo porque é feriado", diz José Tiago, que vem de Osasco para se reunir com amigos no bar antes de todos os jogos. "Como não tem bar perto do Itaquerão, a gente se reúne aqui em Artur Alvim para beber".
Proprietário do bar, José Oliveira Lima confirma que, em dia de jogos do Corinthians, o movimento aumenta 50%. E recomenda o cuscuz feito por sua mulher, segundo ele o quitute predileto dos torcedores. "Sai um pedaço atrás do outro". E tudo pela módica quantia de 5 reais.

Pit stop da cerveja

A ciclovia segue, mas, para quem gosta de tomar uma cervejinha (o que, claro, deve ser considerado com moderação mesmo para quem está de bicicleta), a vida realmente fica mais complicada a partir de Artur Alvim. É ali também que começa o perímetro a partir do qual vendedores ambulantes dificilmente conseguem trabalhar. Então, se você quiser parar a bike para comprar algo desses profissionais do isopor e dos coolers, a hora é agora. E talvez você queira comprar de Antonio Rosseto, um novato no ramo.
"Depois de trinta anos trabalhando em bancos, estou desempregado. O jeito foi vir pra cá", conta Antonio. Ele conta que, com o fim das reservas financeiras, decidiu encarar a vida de vendedor ambulante há um mês. "Não tiro muito. Em um dia bom, vendo 200 reais e lucro 100", calcula ele. "Mas eu não reclamo. Coloquei pra mim que, se fosse para encarar essa vida, eu viria de peito aberto". Como exemplo, Antonio cita uma parente que, segundo ele, fez muito dinheiro vendendo sanduíches de pernil em porta de estádio até o ex-prefeito Gilberto Kassab impor sérias restrições a esse tipo de comércio.
De Artur Alvim a Corinthians-Itaquera, o corintiano já pode vislumbrar, do seu lado direito, o surgimento da arena, acompanhar o movimento de torcedores em direção ao estádio e rir daqueles que estão presos no trânsito. Na estação de metrô, é só deixar a bike no bicicletário. Na volta, como ninguém é de ferro, você pode usar o metrô (durante a semana, bicicletas são permitidas após às 20h30), ou, dependendo do resultado do jogo, pedalar os 12 quilômetros de volta para esfriar a cabeça.