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Brasil perdeu seus 'hinos de Copa'? Para músicos, culpa da TV e da seleção

"Pra frente, Brasil" embalou a conquista do Brasil na Copa de 1970. Mas será que a seleção de 2018 pode ter uma trilha sonora? - Gerência de Memória/CBF
'Pra frente, Brasil' embalou a conquista do Brasil na Copa de 1970. Mas será que a seleção de 2018 pode ter uma trilha sonora? Imagem: Gerência de Memória/CBF

Emanuel Colombari

Do UOL, em São Paulo

19/05/2018 04h00

Se a seleção brasileira tivesse um hino que não fosse o Hino Nacional, a música Pra frente, Brasil, composição de Miguel Gustavo para a Copa do Mundo de 1970, seria forte candidata. Povo feliz, samba de Memeco e Nonô do Jacarezinho gravado pelo lateral Júnior para o Mundial de 1982, também seria postulante na briga.

Só que lançar uma música de impacto para a seleção brasileira às vésperas de uma Copa do Mundo se tornou um desafio para compositores, e por diversos motivos – desde a influência da televisão na cultura musical até o futebol jogado pela própria seleção brasileira nas últimas edições do torneio.

É o que argumenta, por exemplo, Paulo Sérgio Valle. Ao lado do irmão Marcos Valle, ele compôs Samba de Verão, um dos pilares da Bossa Nova. A dupla também compôs Sou tricampeão do mundo para comemorar o título da seleção brasileira na Copa de 1970.

“A própria seleção brasileira daquela época empolgava muito mais do que as posteriores”, afirma Paulo Sérgio ao UOL Esporte. “O fato é que Sou tricampeão do mundo estava ligada à seleção de 1970, uma seleção que representava o legítimo futebol brasileiro”, acrescenta.

Lateral Júnior gravou 'Povo Feliz' em disco lançado para a Copa do Mundo de 1982 - Reprodução - Reprodução
Lateral Júnior gravou 'Povo Feliz' em disco lançado para a Copa do Mundo de 1982
Imagem: Reprodução
Paulo Sérgio Valle ainda foi um dos compositores de Goool! Brasil! para a Copa de 1978, na qual o Brasil terminou invicto com o terceiro lugar. No Mundial seguinte, em 1982, a seleção foi embalada por duas canções: Povo feliz, gravada por Júnior, e Voa, canarinho, composta por Luiz Ayrão e Sidney da Conceição e gravada pelo próprio Ayrão.

De lá para cá, entre várias músicas divulgadas por empresas em tempos de Copa do Mundo, uma delas ganhou mais espaço: Coração verde e amarelo, apresentada pela Rede Globo na Copa de 1994 e desde então repaginada para as edições seguintes do Mundial.

Para Luiz Ayrão, é uma tendência sintomática: a música do artista só explode se for acolhida pela televisão. “Para entrar na TV, sendo um artista mais velho, é muito difícil. Só a TV brasileira não percebeu que 40% da TV é de idosos, de 50 anos para frente. A verdade é essa”, argumenta Ayrão, de 76 anos.

“As gravadoras praticamente acabaram. Hoje é tudo internet. A gravadora ainda tem força com a TV, com o prestígio daquela época. São poucos os que entram no Projac (antigo nome dos estúdios de gravação da Rede Globo no Rio de Janeiro). Acontece uma coisa muito perversa: os produtores de TV costumam ser pessoas jovens, e não são informadas sobre pessoas da música popular brasileira”, acrescenta, em tom de desabafo.

Paulo Sérgio Valle já não tem tanta certeza. Embora também ressalte a influência da TV na relação da torcida com a música, diz que o sucesso de uma composição depende muito também do sucesso da própria seleção.

“A influência da televisão no futebol brasileiro está extremamente ligada ao entusiasmo que desperta nos amantes do futebol. A partir de 1982, a televisão foi determinante no interesse despertado pela seleção brasileira junto ao público”, diz Valle por e-mail

Goiás Esporte Clube, Evidências e Copa de 2018

Em comum, Paulo Sérgio Valle e Luiz Ayrão têm o gosto pelo futebol. Torcedor do Botafogo, o primeiro não se prendeu à Bossa Nova e compôs diversas músicas ligadas ao futebol - como Flamengo até morrer, em outra parceria com Marcos Valle. Em 1990, na companhia de José Augusto, escreveu ainda Evidências, gravada por Chitãozinho & Xororó e pelo próprio José Augusto.

“Na Bossa Nova eu me dirigia a um público mais seleto e menos numeroso. A partir daí, com músicas mais populares, tais como Evidências, eu passei a atingir o grande público. O futebol, por ser um esporte muito popular, também está incluído nesta minha nova maneira de compor”, conta Paulo Sérgio Valle – que, diferente do que é citado por diversas fontes, não participou da composição de Coração verde e amarelo.

A paixão pela bola também motivou Luiz Ayrão ao longo da carreira, inclusive ainda hoje. “Sou de uma geração sem vídeo-game, que não havia distração para os meninos da zona norte do Rio de Janeiro que não fosse um campinho de pelada, mesmo de terra”, relembra. “Para você ter uma ideia, nos meus 14 anos, aos sábados, a gente começava a pelada às 8h30, 9h. Não tinha isso de dormir até as 11h. A mãe sacudia você da cama. Ia até as 21h. A gente parava para comer um sanduíche, nem almoçava.”

Foi a paixão pelo futebol que fez com que Paulo Sérgio Valle compusesse, em parceria com Tavito, o hino do Goiás Esporte Clube. Fundado em 1943, o clube esmeraldino encomendou da dupla um hino, e nem o pouco vínculo entre as partes foi obstáculo para que a música ganhasse a torcida.

“A diretoria do Goiás me procurou para compor um hino para seu clube. Eu sou torcedor do Botafogo, mas isso não foi um empecilho para que eu criasse um hino para um novo clube brasileiro. Lembremo-nos que Lamartine Babo compôs hinos para diversos clubes brasileiros”, diz Valle, citando o responsável pelos hinos de América-RJ, Bangu, Bonsucesso, Botafogo, Canto do Rio, Flamengo, Fluminense, Madureira, Olaria, São Cristóvão e Vasco da Gama. “Mas, se eu pudesse, comporia um hino novo para o meu Botafogo, cuja música até hoje fala em um título conquistado em 1910.”

Luiz Ayrão também segue na ativa. Para a Copa de 2018, aposta no lançamento de Chegou a hora, Brasil!, canção que mistura referências sociais, políticas e esportivas.

“Agora em 2018, animado com esta seleção, com a possibilidade de alcançar alguma coisa (na Copa do Mundo), eu lancei outra”, conta, torcendo para que a música seja descoberta pela televisão. “Para você ficar nacional, só tem uma saída: a TV. Aí as rádios, que tocam muita coisa regional, vão atrás.”

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