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Copa 2018

Raiva, sujeira e desinteresse: a Copa dos desabrigados do Paissandu

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/06/2018 04h00

Lá fora, vuvuzelas, gritaria e expectativa. Dentro, raiva, ansiedade e muita sujeira. As grades móveis que delimitam o acampamento de desabrigados no Largo do Paissandu, em São Paulo, separaram na tarde de ontem a cidade eufórica da ilha de precariedade. 

Cerca de 130 famílias estão ali hoje. O local começou a ser montado após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida na madrugada do dia 1º de maio. Elas passam frio, dependem de boa vontade alheia para comer, não têm onde tomar banho e, caso não queiram sair do acampamento, precisam fazer suas necessidades em banheiros químicos assustadoramente imundos. Até para os padrões do que normalmente se espera de um banheiro químico.

Mas, sim, teve Copa. Uma TV emprestada por uma moradora do prédio vizinho ao que desabou garantiu que, ao menos da torcida pelo Brasil, os desabrigados não estariam excluídos. É uma TV boa, de 42 polegadas, tela plana, instalada na tenda onde preparam os alimentos doados.  A TV antiga, de tubo, era pequena e tinha imagem ruim.

Bandejas com mamão fatiado, bolachas de maisena e “cream cracker” são servidas antes de o jogo começar. Um banco de madeira comprido serve de arquibancada, mas o público é pequeno: quando começa a partida, apenas em torno de 20 pessoas estão assistindo, e metade delas é de crianças. O único adereço verde e amarelo é uma bandeira do Brasil colocada no canto direito da tenda.

A baixa audiência é explicada em parte pelo fato de o acampamento estar mais vazio que o normal. Muitos moradores foram a um evento, outros decidiram assistir ao jogo em outro lugar. Mas há quem esteja nas barracas, dormindo e alheio ao “clima de Copa”. Em uma barraca próxima à TV, garotas preferem conversar pelo WhatsApp a ver o jogo.

Há gritos de gol quando Philippe Coutinho marca para o Brasil, os mais entusiásticos novamente vindo das crianças. O segundo tempo começa e o desinteresse aumenta: nem as crianças estão olhando para a TV quando o Brasil entra em campo. Só um senhor idoso, e ele logo passa a prestar atenção em outra coisa também.

Várias doações chegam ao acampamento enquanto a reportagem do UOL Esporte acompanha o jogo. Um carroceiro que vive lá e, segundo relatos, nem barraca tem e dorme no chão, chega carregado de verduras e legumes bem na hora do gol da Suíça. Garrafinhas de refrigerante (quentes) fazem a festa das crianças. Uma moradora de rua com um grande ferimento na cara, e um dos olhos aparentemente furado, ganha um sanduíche de presunto e queijo.

O UOL Esporte conversou com quatro pessoas no acampamento. Três se disseram ex-moradores do Wilton Paes de Almeida, outro disse morar em Guarulhos e estar lá como voluntário. Todos reclamaram de alguma forma da maneira como a prefeitura vem lidando com a questão. Uma das entrevistadas pediu ajuda até para o Neymar.

Falta de pagamento do auxílio-moradia de 400 reais, falta (ou quase nenhuma) manutenção da higiene na área do acampamento, demora da Justiça em uma solução para os acampados estão entre as queixas. Procurada pela reportagem do UOL Esporte, a prefeitura de São Paulo refutou quase que inteiramente as declarações. Afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que hoje apenas uma pequena parcela dos que estão no Largo do Paissandu realmente morava no edifício que desabou.

Os ex-moradores estariam, sim, de acordo com a prefeitura, recebendo o auxílio-moradia, enquanto muitos dos acampados estariam apenas aproveitando da situação para chamar a atenção e se beneficiar de alguma maneira. Inclusive, estariam recusando de propósito a ajuda do poder público. Veja a nota enviada ao UOL Esporte:

O município oferece acolhimento desde as primeiras horas do desabamento a todas as famílias acampadas no Largo do Paissandú, mas não pode obrigá-las a aceitar.

Desde o incêndio, a Prefeitura disponibilizou abrigo emergencial com ampla capacidade de acolhimento dos desabrigados, leitos, acesso a banho, alimentação, e paga auxílio moradia para 146 famílias que estavam na ocupação do edifício Wilton Paes de Almeida - primeiro mês R$ 1.200 e R$ 400 a partir do segundo, até que as famílias sejam contempladas com moradia.

O município já anunciou que irá pagar auxílio e atender com moradias as famílias que comprovadamente estavam na ocupação, respeitando a fila existente no município (28 mil famílias estão recebendo auxílio e aguardando moradia). 

As famílias assinaram um termo de compromisso no momento da adesão ao auxílio-moradia que determina a utilização do benefício para aluguel. No caso das famílias que estejam recebendo auxílio e ainda permanecem na praça, para o saque da segunda parcela, devem comprovar que o benefício está sendo utilizado para a finalidade proposta, ou seja, para custeio com moradia.

Hoje a maioria das famílias que está no Largo Paissandu já não é de oriundos do edifício. A Prefeitura tenta mediar a saída voluntária dessas pessoas, atraídas pelas doações feitas no local e pela expectativa de que sua presença no largo gere atendimento habitacional.

A Prefeitura inclusive já notificou o Ministério Público sobre as condições insalubres em que permanecem essas pessoas na praça, dentre as quais há crianças e adolescentes.

Nas últimas semanas equipes de limpeza da Prefeitura foram impedidas pelos acampados de realizar os serviços de limpeza. As famílias também seguem rejeitando encaminhamento para consultas médicas ou acolhimento.

Infelizmente, a legislação não permite que essas pessoas sejam obrigadas pela Prefeitura a aceitar o abrigamento oferecido.

O município reforça, ainda, que na última semana a Justiça Federal indeferiu todos os pedidos da Defensoria Pública, um deles solicitava a colocação de tendas, estrutura e banheiros químicos na praça. Entendendo que não há razão jurídica para que as famílias ali permaneçam, e diante do atendimento emergencial já disponibilizado pelo município, o juiz não apenas indeferiu o pedido como também alterou a decisão proferida anteriormente e estabeleceu o prazo para que os banheiros sejam retirados do local até o dia 30 de junho.

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