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Copa 2018

Em evidência na Copa, conflito nos Balcãs já separou "irmãos no esporte"

Vlade Divac tomou bandeira em 1990 e inflamou rivalidade entre Sérvia e Croácia - Reprodução/ESPN
Vlade Divac tomou bandeira em 1990 e inflamou rivalidade entre Sérvia e Croácia Imagem: Reprodução/ESPN

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

23/06/2018 04h00

Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri aproveitaram os holofotes da Copa do Mundo na última sexta-feira (22) para jogar luz sobre a complexa situação do Kosovo, país que reflete tensões étnicas e políticas de três décadas na região dos Bálcãs. O problema começou na dissolução da Iugoslávia, acontecimento histórico de grande influência no esporte nos anos 90, tendo inclusive criado uma inimizade entre amigos antes inseparáveis, que se tratavam como irmãos de consideração.

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Drazen Petrovic e Vlade Divac nasceram na Iugoslávia com uma diferença de quatro anos, na década de 1960. Ambos despontaram cedo no basquete, colocaram seus nomes entre os melhores da Europa e tentaram a vida na NBA. De uma forma ou de outra, viraram sensação imediata nos Estados Unidos. E ainda levaram a seleção iugoslava a ser campeã mundial de basquete em 1990. Só havia uma diferença entre eles: Petrovic era croata; Divac, sérvio.

A nacionalidade tornou-se um problema justamente durante a comemoração do título mundial. Enquanto os iugoslavos se abraçavam, um homem entrou na quadra com uma bandeira da Croácia e se aproximou de Divac. “Fui até ele e disse ‘esta bandeira não tem porque estar aqui’. Ele respondeu insultando a bandeira da Iugoslávia. Fiquei furioso, tomei a bandeira [croata]”, relembra o próprio Divac, em documentário produzido pela ESPN.

O contexto político fez a história tomar proporções gigantescas. Formada por oito unidades federais (Eslovênia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Montenegro, Sérvia, Kosovo e Voivodina), a Iugoslávia estava se dissolvendo. Cinco meses antes um recruta do Exército Iugoslavo tinha sido morto durante protestos na Croácia, o que aumentou a tensão em torno do movimento independentista croata. A esta altura os sérvios de regiões montanhosas da Croácia estavam rebelados, bloquearam estradas e começaram o processo de limpeza étnica da minoria não-sérvia. Com a região borbulhando por diferenças, o gesto de Divac teve enorme simbolismo.

Petrovic, com quem Divac mantinha relação muito próxima, afastou-se. Ambos tinham chegado à NBA no ano anterior – um para o Los Angeles Lakers, outro para o Portland Trail Blazers –, e conversavam com frequência sobre as experiências no país novo. “Ligávamos um para o outro todos os dias”, diz Divac. O episódio da bandeira, no entanto, rachou a amizade.

Xhaka - Laurent Gillieron/AP - Laurent Gillieron/AP
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Imagem: Laurent Gillieron/AP
Petrovic evitou Divac durante o aquecimento para uma partida em Portland. Confrontado, revelou ao amigo o receio de manter qualquer relação enquanto seus países estivessem em guerra. “A situação está terrível. É melhor esperar para ver o que acontecerá”, explicou o croata.

Entrevistado em março de 1993 sobre a relação com Divac, Petrovic foi honesto. “Não conversamos. Nós éramos realmente próximos quando jogávamos na Iugoslávia, mas as coisas ficaram duras em nosso país, e não nos falamos mais”, revelou, admitindo que o atrito entre os dois era “mais algo político do que qualquer outra coisa”.

A dupla nunca teve a chance de se reconciliar. Petrovic faleceu em junho de 1993, vítima de um acidente de carro na Alemanha, meses após encerrar sua melhor temporada na NBA.

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