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Torcida universitária forjou mudança de estilo na arquibancada da seleção

Danilo Lavieri, Dassler Marques, João Henrique Marques, Pedro Ivo Almeida e Ricardo Perrone

Do UOL, em Kazan (Rússia)

05/07/2018 16h00

Um grupo de brasileiros se reúne na porta de um luxuoso hotel que receberia a seleção minutos depois. Com instrumentos e músicas provocativas, recheadas de xingamentos, começa a atrair as pessoas que passam pela movimentada rua em São Petersburgo. Com a chegada do ônibus dos craques, a festa explode. Naquela noite de 20 de junho, antevéspera do duelo contra a Costa Rica, o Brasil finalmente se viu diante de um clima de torcida na Copa do Mundo.

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O cenário era novo até se comparado a outros Mundiais. Com jeitos de torcida organizada, o grupo encantou jogadores e comissão técnica, que não paravam de postar vídeos da recepção em redes sociais. Nos jogos seguintes, a mesma coisa. Moscou, Samara e Kazan foram palcos de mais festa.

O popular – e questionado – “sou brasileiro, com muito orgulho e muito amor” dava lugar ao hit já viralizado que exalta os cinco títulos mundiais da seleção cantando Pelé, Garrincha, o “esquadrão” de 1970, “Romariô” e “Fenomenô”.

Com direito a concentração pré-jogo, muita cerveja, caminhada para o estádio e até problemas para entrar nos locais de jogos com instrumentos, em muito lembra as criticadas organizadas. Mas o novo perfil de torcida da seleção foi forjado mesmo nos jogos universitários que ocorrem em São Paulo.

“As disputas universitárias foram o embrião disso tudo. Em 2008, acompanhávamos uns jogos da seleção em São Paulo e ficávamos revoltados como a torcida era ‘zoada’. Não empolgavam, frios, feio mesmo. Então criamos o Movimento Verde e Amarelo (MVA). Queríamos levar a festa que fazíamos nos jogos universitários para os estádios”, explicou Luiz Carvalho, fundador ainda da Torcida Organizada da FeaUSP – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (Tofu).

Torcedores tiram foto com o Canarinho "Pistola" - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

“Era uma demanda reprimida que eu tinha. Sempre fui alucinado por torcidas, mas como sou de São Paulo e torço para o Vasco, não conseguia ir aos estádios com a frequência que eu gostaria. Ficou aquilo dentro de mim. Quando entrei na faculdade, em 2000, juntei com uns camaradas que tinham o mesmo desejo e criamos a primeira torcida organizada universitária. Íamos ao InterUSP [disputa esportiva entre os diversos cursos da USP] e à Economíadas [jogos entre as faculdades de economia]. Ganhamos prêmios, fizemos festas. E depois levamos isso para a seleção”, recordou o líder do grupo que vem se destacando atualmente nas ruas da Rússia.

Xingamento e provocação por sucesso

Com o tempo, integrantes de outras torcidas universitárias de São Paulo se juntaram ao Movimento Verde e Amarelo.

Engana-se, no entanto, quem pensa que o sucesso foi imediato. Com duas Copas na bagagem, somente em 2018 eles conseguiram o alcance necessário para começar a mudar a cultura de torcida nas arquibancadas de jogos da seleção.

“Na África do Sul, levamos uma galera, instrumento, panfleto. Mas nada pegava. Em 2014, lançamos a ‘mil gols’ [canção que exaltava Pelé, atacava Maradona e chamava o ídolo argentino de ‘cheirador’]. Mas dentro do estádio a torcida era uma vergonha. Agora conseguimos aqui na Rússia. Viralizamos nas redes, mas ainda falta dentro do estádio. É um processo lento de mudança de comportamento. Mas nas ruas já fazemos muito barulho. A receita é uma música provocativa. Povo gosta de xingar um rival, provocar, responder alguma coisa. É uma lógica que usávamos muito nos jogos universitários”, analisou Luiz.

Torcida pauta disputa entre universidades

Embrião da mudança nas arquibancadas da seleção, os jogos universitários ganharam força no fim da década de 90 em São Paulo. Ainda que as disputas em quadras e campos sejam o grande motivo do evento, a rivalidade entre as torcidas das mais diversas faculdades pauta o encontro entre jovens estudantes.

Em alguns dos torneios entre as instituições de ensino, troféus são oferecidos às melhores torcidas. É assim também no Rio de Janeiro, onde as disputas explodiram após a virada do século.

Baterias com direito a ensaios prévios ditam o ritmo das músicas. Assim como ocorre agora na Rússia, os xingamentos e provocações são uma constante em um cenário de pressão e rivalidade.