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Discípulo de Abel Braga, Clemer revela sonho de treinar o Inter no futuro

Campeão da América e do Mundial, ex-goleiro é técnico da base do Inter desde março - Divulgação/Internacional
Campeão da América e do Mundial, ex-goleiro é técnico da base do Inter desde março Imagem: Divulgação/Internacional

Jeremias Wernek

Em Porto Alegre

30/06/2011 07h02

Campeão da Libertadores, do Mundial e ídolo da história moderna do Inter, Clemer ainda segue no estádio Beira-Rio. Agora técnico do time juvenil, o ex-goleiro se revela muito mais do que fã do antigo chefe Abel Braga. A postura diante dos garotos do colorado não esconde que a relação é de inspiração total no atual comandante do Fluminense.

  • Alexandre Lops/AI Inter

    Abel Braga chegou ao Inter em 2006 e levou clube aos seus maiores títulos. Jeito de lidar com o grupo de jogadores foi fundamental no sucesso e técnico virou inspiração para o ex-goleiro Clemer, 42 anos

A ideia do técnico novato, portanto, é seguir os mesmos passos do mestre e dirigir, no futuro, o time principal do Internacional. O tema, inclusive, foi pauta das conversas com o vice de futebol Roberto Siegmann. Em entrevista ao UOL Esporte Clemer garante não ter mágoas de sua saída da comissão técnica de Celso Roth, no começo de 2011 e ainda enumera seus ex-técnicos que agora são referência.

UOL Esporte: Mesmo com jovens, esse começo de carreira como técnico está sendo como exatamente como você planejou?

Clemer: Com certeza, isso tem sido de muita valia. Até pela experiência de ter passado pelo outro lado. Mas esse comando eu sempre tive. Como atleta e depois como preparador de goleiros. A gente consegue passar tudo que aprendeu. Eu sempre fui muito observador. Eu comecei a primeira parte, como treinador de goleiros, até pensando lá na frente. Pensando no futuro. Eu, como treinador do time juvenil do Inter – onde tem garotos com 17 anos e já com cabeça feita, tenho que saber trabalhar muito bem com eles.

UOL Esporte: O que você acredita que conseguiu agregar naquela sua passagem pela comissão técnica em 2010? Alguma característica em especial?

JOEL TAMBÉM ESTÁ NA LISTA

Alexandre Loureiro/Vipcomm
Ex-jogador tem grande admiração por Abel Braga, mas também elenca outros treinadores como fonte de inspiração para a nova carreira, na casamata:             Muricy Ramalho, Paulo Autuori e até mesmo Joel Santana, com quem também trabalhou no Internacional, em 2004

Clemer: A experiência de lidar com jogadores profissionais do outro lado. A gente tem que cede um pouquinho. Depois ser duro, mostrar que ali tem um comando. Independente daqueles jogadores, dos vários pensamentos, temos que aprender a respeitar o comando que está na frente. Você tem que tomar decisões, não pode ser muito maleável, mas nem tão durão. Não pode agradar uns e desagradar outros. Procurei aprender com vários treinador. Exemplos bons de Muricy, o próprio Abel Braga. Um pouquinho do Joel Santana, do Paulo Autuori. Eu tiro muita coisa deles. Fora o trabalho de campo: coisas táticas, técnicas que eu sempre notei e guardei. Pois sempre soube que um dia eu estaria do outro lado.

O Clemer de hoje é diferente do Clemer de antes, nas conversas com os jogadores, essas coisas?

Clemer: Claro que muda muita coisa, sim. Hoje eu sou o comandante, o comando. Estou na frente dos atletas e eles querem aprender, independente de quem esteja ali. Mas ter um cara que ganhou, venceu coisas importantes é bom. Graças a Deus consegui fazer um nome dentro do Inter e ter isso. Tem gente que começa a carreira de treinador e busca isso. Eu estou na frente, já tenho o nome. Agora tenho que buscar a mesma coisa como treinador. É diferente? É, sim. É preciso tirar tudo que você aprendeu e saber passar para eles. Fazer eles assimilarem o que você diz, entender a chamada de atenção. Saber que não falo para prejudicar. Esses detalhezinhos são importantes. Eu me lembro de quando era jogador. A gente ficava em outro mundo quando um treinador lá falava. E com outro, a gente ouvia. Mesma coisa com os jogadores. Ouvia alguém especial. Você tem que saber lidar com isso. Estou pegando no juvenil aqueles que vão ser os grandes jogadores do futuro. Temos quatro na seleção brasileira sub-17. Eram seis, mas dois saíram. Isso aumenta a responsabilidade. Claro que meu pensamento não é ficar no juvenil a vida toda. Ter projeção até o time principal. Sei que tenho capacidade, condições e conhecimento para isso. Mas tudo na sua devida proporção, no seu devido tempo.

A passagem como treinador de goleiros foi muito importante, mas aconteceu como você queria? Ou seu plano era ter experiência em outro posto de uma comissão técnica?

Clemer: No momento aquilo foi a melhor coisa que aconteceu. Aquela função, para mim, não era novidade. Como atleta já era um preparador de goleiros. Eu praticamente corrigia os garotos que subia. Fiquei mais de 20 anos na profissão. Tive vários treinadores e os exercícios ficam na nossa cabeça. Você sabe o que é bom ou não é. Passei pela função sabendo o que seria no futuro. Foi bom para observar mais o tipo treinamento, saber como é o outro lado. Não que eu não queria estar na função. Eu gosto daquilo. Em uma passagem de atleta para comissão técnica, foi ideal. Não teve a mudança brusca, como foi com outros. A transição foi feita devagar. Foi ótimo e aprendi muito naquela situação. O que eu queria mais, além de fazer um grande trabalho, era observar o lado da comissão técnica. Se tudo que eu fazia era diferente, se tudo que eu pensava era real. E bateu certo. Então não teve mistério.

  • Divulgação/AI Inter

    Clemer assumiu função de técnico de goleiros em 2010 e foi contestado por falhas no setor

Como você avalia, não pela experiência, mas tecnicamente, a sua passagem pela função em 2010?

Clemer: Olha, cara, se alguém for me falar ‘faltou fazer isso ou aquilo’, vou dizer sinceramente: não deixei de fazer nada que sabia. Eu sempre me cobrei muito como atleta. A partir do momento que as coisas não aconteciam, eu ia lá e fazia mais. E isso ficou como treinador. Procurei fazer o meu melhor. As pessoas que iam aos treinos sabiam o que eu fazia. O meu trabalho era forte, era o de melhor qualidade possível. Ali eu sei o que estou fazendo. Por que todos os treinadores de goleiros que eu tive, em todos os times que passei, não faziam diferente. O que eu fiz aprendi nos clubes. Se você pegar os meus trabalhos e for lá no Corinthians é feito. No São Paulo é feito, no Flamengo também. Até aqui do outro lado, no Grêmio é feito. Então, o que eu poderia dizer: tenho consciência tranquila. Às vezes as coisas não acontecem como a gente espera. Mas eu posso falar com o Renan, o Lauro e o Muriel. Puxava eles. Avalio como um trabalho bem feito. Foi muito falado e elogiado antes do Mundial, onde a gente podia conquistar o bicampeonato do Mundial. Depois foram criadas situações, mas isso faz parte. É assim mesmo. Só que eu fico tranquilo com isso. A gente tem que tocar em frente, a própria vida e o mundo da bola dão a resposta.

Você tem alguma mágoa, algo do gênero, por ter saído da função depois do Mundial, ou olha por um outro lado de que foi uma simples etapa?

Clemer: Pelo contrário, eu só tenho a agradecer. Naquele momento eu tinha que sair mesmo. Na hora eu diria que não queria sair, mas é assim mesmo. Eu estava adaptado a função, mas é da vida. Ela nos ensina e a gente vai aprendendo. O mundo do futebol é assim. Mágoa eu não tenho, só agradeço. Os títulos mais importantes da minha vida foram com o Inter. Minha família adora a cidade, sou torcedor do Internacional. Eu sou evangélico, acredito muito em Deus. E Ele sempre tem o melhor para nós. Estou muito feliz na minha função. Vamos deixar as coisas acontecerem e trabalhar para isso.

Em uma resposta ali atrás, Clemer, você falou da história de um jogador. Por todos os títulos que você ganhou no Beira-Rio, o Inter é o lugar ideal para dar a largada na sua carreira de técnico?

Clemer: Agora é. O que não dá para dizer é que sabe tudo. Estou aprendendo com os meninos aqui. Mas tudo vai acontecer na hora certa. Se tiver que sair daqui e ir para outro clube, vou lá. A minha vida toda não vai ser aqui, eu sei. Se não der no Internacional, vamos buscar outras coisas. É a vida de treinador, vocês sabem melhor do eu. Mas meu momento é aqui. Nosso time está muito bem.

  • Clemer:

    História de Clemer no Inter rendeu homenagens do clube e também da prefeitura de Porto Alegre (foto); ex-goleiro chegou ao clube colorado em 2002

O que é o seu plano, em quanto tempo você quer ir trabalhar com profissionais? Quer esperar para trabalhar no Inter com o elenco principal?

Clemer: Meu plano, primeiramente, é ser treinador do Internacional. Hoje estou no Inter e meu projeto é ser treinador do time principal. Se não der para ser aqui, vou buscar outro lugar para trabalhar. Se não rolar aqui vou buscar outra meta.

Então você pensa em ficar nas categorias de base até surgir a oportunidade, não tem essa de sair do Inter e depois voltar para o time principal?

Clemer: Hoje, até por estar aqui, a ideia é essa. A meta é ir subindo, amanhã estar no júnior, no time B. Se derepente não der aqui, vou procurar outro time. Um que possa trabalhar na segunda ou primeira divisão. Que tenha projeção e com material para fazer um grande trabalho. Enquanto estiver no Inter, vou pensar em ocupar o cargo lá de cima. Não dá para pensar em ficar a vida inteira no juvenil. Quero treinar o time do Internacional. Um pensamento de qualquer um nas categorias de base.

E você chegou a falar desse assunto com o Siegmann, que tratou da sua transação da comissão técnica do elenco principal para a base? Você não falou para ele lembrar de você quando tiver troca de treinador?

Clemer: Não, não. Falei que queria ser treinador. Ele queria que eu montasse uma escola de goleiros, fiz o projeto e tudo. Aí ele viu a oportunidade no time juvenil e pensou no meu projeto. Disse ‘começa por aqui. Quem sabe amanhã ou depois você não está no time de cima?’

Ah, ele falou isso...

Clemer: Sim, mas isso é o pensamento de qualquer um. Você vai aprendendo, aprendendo e crescendo no trabalho.

O seu estilo como treinador é qual? Bolerão, professor ou o paizão.

Clemer: Eu sou um cara muito sério. Tem hora certa de brincar, mas eles sabem diferenciar o momento. Mas também não dá para ficar de cara fechada sempre. Tem que ter hora para tudo. Eles sabem que a cobrança com a gente é grande a isso com eles tem que ser igual. Eu sei contar piada, descontrair e eles assimilaram a ideia. Não sou muito brincalhão, nem muito fechado. Procuro ser o meio termo. Você tem que ser amigo, pegar o grupo para você. Saber que eu brigo por eles e eles têm que brigar por mim. Que eu ajudo eles, e eles me ajudam. Que as duas partes entrem em acordo.

  • Após sair da comissão técnica de Celso Roth, Clemer quase assumiu projeto para goleiros no clube; mas diretoria resolveu dar chance para o ídolo começar logo a carreira como técnico

Por todas essas características, vem a imagem do Abel Braga. Não lhe parece que é assim que ele trabalha também?

Clemer: (risos) É, não queria falar assim. Mas eu gosto muito do Abel, ele é muito meu amigo. Gostei demais de trabalhar com ele. O jeito de pegar o grupo para ele. Os jogadores jogam para ele. Como falei antes: tive vários treinadores. Dos muitos que peguei, de poucos eu tirei o melhor. E tem outros tantos por aí, que vou te dizer, é brincadeira também.

Então você diria que se espelha muito no Abel, na relação com o grupo, especialmente.

Clemer: Relação com o grupo com certeza. Gosto muito do Muricy na hora de trabalhar. Ele chama mesmo e se não tiver isso, não vai para frente. Você tem que ampliar, pois senão vai ficar agradando quem está jogando. Quem está de fora fica chateado. Por isso tem que ter isso aí.