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Aposentado aos 26 anos, ex-goleiro do Inter vê falta de técnica em "estrelas"

Ex-goleiro do Internacional, João Gabriel, abandonou a carreira para ser advogado - Carmelito Bifano/UOL Esporte
Ex-goleiro do Internacional, João Gabriel, abandonou a carreira para ser advogado Imagem: Carmelito Bifano/UOL Esporte

Carmelito Bifano e Marinho Saldanha

Em Porto Alegre

30/07/2011 07h01

Um metro e oitenta e três centímetros não é tamanho de goleiro. Esta frase atualmente é um dos paradigmas do futebol. Antes não. Taffarel, com 1,82, defendia o gol da seleção brasileira. Hoje em dia tal situação é inimaginável. Por isso, o ex-goleiro do Inter, João Gabriel, se aposentou tão cedo. Considerado pequeno demais para defender a meta, o arqueiro abandonou a bola aos 26 anos, se formou em direito e atualmente defende causas ligadas ao futebol.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, João Gabriel disse que antigamente havia mais técnica na posição. Segundo ele, "estrelas" como Marcos, Julio Cesar e Rogério Ceni são treinados para espalmar a bola, não segurá-la, algo muito mais difícil.

Feliz pela escolha de abandonar os gramados, ele garante que não foi difícil. "A minha vontade de jogar futebol já não era a mesma. Senti isso quando recebia um telefonema com uma proposta e não ficava mais feliz. Aí resolvi parar para não perder tempo da vida e ficar enganando. O clube que me contratou e eu mesmo. A minha decisão foi bem tranquila, não parei por um problema de saúde e nem familiar. Isso foi algo que foi bom para começar com a minha nova atividade", explicou.

Fim de carreira prematuro

Carmelito Bifano/UOL Esporte
Estava cansado da instabilidade da profissão e não tinha propostas boas, decidi... Como estava formado, sem paciência para essa realidade do futebol, decidi parar. Comecei com 10 e acabei com 26 anos. Me criei em Porto Alegre, estudei na frente do estádio Beira-Rio e todos os colegas tinham outro tipo de vida. Faziam coisas de crianças e adolescentes normais, e eu não, pelo desejo de fazer carreira no futebol

UOL Esporte: Como você virou goleiro do Internacional?
João Gabriel: Comecei jogando futebol de salão (futsal) no Inter com oito anos. Jogava de ala direita. A equipe se desfez e fomos jogar no Gaúcho (Grêmio Náutico Gaúcho, clube social de Porto Alegre). Um ano depois, entrou um pessoal do Grêmio e como queria continuar jogando futebol retornei para o Inter. Com nove para 10 anos, entrei na escolinha como ponteiro direto. Estava na dúvida, se começava como goleiro ou atacante. No primeiro treino, fiquei esperando um tempão para jogar e tive a oportunidade de jogar uns 20 minutos, pois tinha muita gente. Enquanto esperava, vi que o goleiro jogou o tempo todo. Só tinham dois. Como gostava de jogar na posição e tinha o uniforme, pedi para o treinador para atuar na posição. No primeiro mês, ele me levou para a seleção da escolinha. Depois disso, passei para as categorias de base. Fui titular do infantil, juvenil e juniores. Sempre me destaquei e fui titular, o que me dava motivação. Nunca fiquei fora de viagens, torneios e jogos. Acabei atuando na seleção Sub-20 no Sul-Americano de 97, no Chile, e no ano seguinte subi para o profissional. No primeiro ano de júnior, eu treinava com o Goycochea, o André (Doring, atual auxiliar do elenco profissional) e o César Silva, se não me engano. Treinava com os profissionais, mas jogava nos juniores. Fomos campeões da Taça São Paulo em 1998 e no ano seguinte fui integrado ao grupo profissional. Disputei os primeiros jogos como profissional. O Preto quebrou o dedo contra o Brasil de Farroupilha (time do interior do RS) e eu entrei. Isso foi em um sábado, na quarta enfrentei o Juventude no Beira-Rio e no domingo um Gre-Nal pela Copa Sul-Minas. Ganhamos de 1 a 0, mas tinha que ser 2 a 0 para classificar. Em 99, o Leão assumiu como técnico e joguei todo o Brasileiro. Depois veio o Zé Mário e eu alternei partidas como titular e como reserva. O Hiran foi contratado e eu jogava quando ele se lesionava. Atuei várias vezes pelo Inter, mas na maioria entrava e saia.

UOL Esporte: Como foi a saída do Inter?
João Gabriel: Fiquei no clube até 2005. Acabou o meu contrato, não renovei e fui jogar no Mogi Mirim. Na realidade, meu contrato acabou na metade de 2004 e o Inter não renovou. O Clemer já estava no clube desde 2002. Houve uma troca de direção e fizeram uma renovação. Eu e outros jogadores ficamos. Trouxeram o Renato, que era do Corinthians. Ele não foi bem e eu voltei a ser titular. Em um jogo contra o Tubarão, em um domingo, rompi um dos músculos da barriga, sentia dores, mas o departamento médico me disse que não era nada e, na quarta-feira, joguei contra o Santos. No dia seguinte, fiz um exame e viram que tinha rompido um músculo. Fiquei parado quatro ou cinco meses. Nesta lesão, o clube trouxe o Clemer. Foi uma contratação emergencial, pois tinha outro jogo contra o Santos três dias depois, ele atuou e virou titular. O Inter não quis renovar o meu contrato em 2004, fiquei seis meses parado e veio a proposta de jogar no Mogi Mirim. Disputei o Paulistão esperando que surgissem propostas de times grandes. Não apareceu e eu estava sem paciência com essa realidade do futebol de ficar empregado um tempo, receber muitas promessas e nenhuma definição. Estava cansado da instabilidade da profissão e não tinha propostas boas, decidi... Como estava formado, sem paciência para essa realidade do futebol, decidi parar. Comecei com 10 e acabei com 26 anos. Me criei em Porto Alegre, estudei na frente do estádio Beira-Rio e todos os colegas tinham outro tipo de vida. Faziam coisas de crianças e adolescentes normais, e eu não, pelo desejo de fazer carreira no futebol

1,83 não é altura de goleiro

Carmelito Bifano/UOL Esporte
O que pesava contra a minha carreira era a questão da altura. Em 2005, os goleiros começaram a mudar bastante. Eu tenho 1,83m e, hoje em dia, é de 1,90m para cima. Isso sim, eu senti que seria um obstáculo para entrar em um clube grande.

UOL Esporte: O que mais pesou? A falta de uma proposta de um clube grande ou o desejo de viver uma vida como a dos amigos que não eram jogadores?
João Gabriel: Foram as duas coisas. A vida de jogador é feita de sacrifícios. Bastante sacrifício. As pessoas não se dão conta disso. Quando se está em um time grande, dificilmente você terá uma recompensa financeira parecida [em outra profissão]. Não que eu jogasse só por dinheiro. O desgaste é muito maior do que o prazer. Todo o jogador profissional sabe e você tem que pesar as duas coisas. Em 2004, quando fiquei parado um semestre, estudei de manhã, de tarde e de noite. Acabei me formando. A possibilidade de começar algo novo pesou no momento de tomar a decisão. A minha vontade de jogar futebol já não era a mesma. Senti isso quando recebia um telefonema com uma proposta e não ficava mais feliz. Aí resolvi parar para não perder tempo da vida e ficar enganando. O clube que me contratou e eu mesmo. A minha decisão foi bem tranquila, não parei por um problema de saúde e nem familiar. Isso foi algo bom para começar com a minha nova atividade.

UOL Esporte: Em algum momento você ficou em dúvida que tinha condições de trabalhar nos maiores clubes do Brasil?
João Gabriel: Tinha sim. Sentia que dentro de campo tinha qualidade e acabava me destacando. Não pelo retorno dos outros, mas via que realmente tinha capacidade. O que pesava contra a minha carreira era a questão da altura. Em 2005, os goleiros começaram a mudar bastante. Eu tenho 1,83m e, hoje em dia, é de 1,90m para cima. Isso sim, eu senti que seria um obstáculo para entrar em um clube grande. Sempre tinha a discussão que eu não era alto. Jogando, não sentia nenhuma diferença e dentro de campo nunca me causou problemas. O meu estilo era um pouco diferente, pois o goleiro de dois metros de altura se posiciona diferente. Não deixei de defender ou tomei algum gol pela altura. Dentro de campo, isso não influenciava, mas percebi que fora, para conseguir algum contrato com um grande clube, pesava. Me falavam: 'o Leão está no São Paulo e quer te contratar'. Quando via, contratavam outro que tinha dois metros de altura.

UOL Esporte: Era um pré-conceito?
João Gabriel: É um conceito que os clubes criaram. Hoje está cada vez mais nítido. Você vê pelos goleiros das categorias da base de clubes grandes. A primeira coisa que eles observam é a altura e a possibilidade de crescimento. Vi que isso era um obstáculo para retornar para um clube grande, mas também não sei se tivesse persistência, vontade de continuar no futebol, de repente uma hora ou outro poderia voltar. Tinha que ter vontade e dedicação, coisas que eu não tinha mais. Cada treino era um sacrifício. Passei a vida toda em Porto Alegre, jogando em casa, com a família e me dei conta que estava perdendo a minha vida. Estava me enganando. Jogando por jogar, além de perder tempo de estudar, trabalhar e me aperfeiçoar na profissão que havia acabado de me formar.

Estrelas com menos técnica

Danilo Verpa/Folhapress
Quando comecei no futebol, o Taffarel estava no Inter. Na época, ele criou um modelo. Muito diferente do atual. Agora, o importante é rebater. Afastar a bola. Hoje em dia, o Marcos, o Rogério Ceni e o Júlio César tem uma técnica mais simples. Já o Taffarel não era espalhafatoso, não caia muito, ficava bem colocado, essa é a mudança, mas é mudança normal do futebol.

UOL Esporte: A profissão de goleiro mudou muito do teu tempo para o momento atual?
João Gabriel: Acho que mudou bastante. Quando comecei no futebol, o Taffarel estava no Inter. Na época, ele criou um modelo. Muito diferente do atual. Agora, o importante é rebater. Afastar a bola. Talvez, até, pela mudança do material da bola. Hoje está muito mais difícil. Ela ficou muito mais rápida, mas isso é a evolução do futebol. É muito mais difícil usar uma técnica para pegar a bola firme, do que espalmar a bola. A forma de trabalhar não mudou muito. O Marquinhos, que trabalha no Inter, era o meu treinador. Ele buscou um aperfeiçoamento, mas conheço o método dele. Treina muita técnica, reposição e encaixe na bola. Hoje em dia, o Marcos, o Rogério Ceni e o Júlio César tem uma técnica mais simples. Já o Taffarel não era espalhafatoso, não caia muito, ficava bem colocado, essa é a mudança, mas é mudança normal do futebol.

UOL Esporte: Desde a saída do Clemer, nenhum goleiro do Inter consegue se firmar. Você acredita que é pela qualidade dos substitutos ou pela "sombra" do arqueiro que ganhou muitos títulos pelo Inter?
João Gabriel: Acredito que seja pelos títulos. Não é pela qualidade, pois todos eles têm. O Danrlei, no Grêmio, ficou 10 anos porque ganhou tudo. Não que ele fosse melhor que o Emerson [reserva do clube no período]. Time que está ganhando não se mexe. Ultimamente, o Inter não tem conseguido os resultados desejados, perdeu uns campeonatos, não teve muito títulos e o primeiro a ser criticado é o goleiro. O goleiro toma gol sempre. Então, o primeiro a ser criticado e trocado é ele. A posição de goleiro é muito complicada. Apesar de ser independente do resto da equipe, precisa muito do time. Se ele consegue fazer três e o goleiro tomar dois estranhos, a torcida releva. O importante para o goleiro é tentar também ser um líder. Inegavelmente, o Clemer tinha pela experiência e pela personalidade.

UOL Esporte: Depois de seis anos longe dos campos, você acredita que fez a coisa certa largando a carreira de futebol?
João Gabriel: Com certeza. Não me vejo mais jogando futebol. Sinto saudade pelo tempo bom que passei no futebol. Não foi sofrimento. De jeito nenhum, mas não me arrependo de nada. Acho que, se eu não tivesse parado, hoje poderia ter me arrependido de ter continuado. Fiz a coisa certa pelo lado pessoal, familiar e profissional. Tive a sorte de encontrar a Mariju (Maciel, advogada) que atuava na área do direito esportivo no futebol. Quando pensei em entrar na faculdade pensei em fazer algo que não tivesse nada a ver com futebol (risos), mas acabou não acontece. Minha vida, desde criança, é o futebol. Estou bem satisfeito e feliz com a minha escolha.

UOL Esporte: Se você tivesse que dar um conselho para os jovens que sonham com a carreira de jogador de futebol, qual seria?
João Gabriel: O garoto tem que se dedicar na carreira, que é boa, bonita, conhece muitas pessoas e lugares, mas também tem que pensar no futuro. Estudar é muito difícil para os jogadores. Geralmente, eles saem de casa com 12 ou 13 anos. Ficam trocando de Estados. Às vezes, se o jogador consegue fazer um segundo grau, é algo diferente no futebol, mas não adianta, tem que pensar em algo fora do futebol. Tem que cuidar muito da imagem que fica como jogador. Tem que se dedicar ao futebol, mas sabendo que pode não dar certo. Muitas pessoas, quando não pensam desta forma, ficam jogando por falta de opção. Acabam jogando obrigados, dependendo de clubes e de propostas não tão boas.

UOL Esporte: Os torcedores do Inter ainda te reconhecem?
João Gabriel: Tem uns fanáticos que ainda me reconhecem de primeira. O bom é que, quando tu para, vira o melhor goleiro. 'Pô tu era bom mesmo' (risos). Outros me reconhecem, mas não me identificam como o ex-jogador do Inter. Às vezes vem uns torcedores de uns 20 anos e me dizem que lembram de mim quando iam assistir os treinos com os pais. Isso é legal, é bom, pois ficou uma imagem bacana do período que eu fui goleiro.

UOL Esporte: O pré-conceito pelo teu tamanho te incomodou na época que trabalhava no Inter?
João Gabriel: No tempo que eu joguei, nunca me afetou em nada. Nenhum treinador, empresário ou dirigente me falou sobre isso. Até porque fui goleiro de seleção brasileira de base. Então, estava sempre no top e como titular. Imagino que comentários deveriam ter, mas sempre que jogava futebol não acompanhava muito o jornalismo esportivo. Realmente, não assistia e não ouvia. Os elogios e as críticas. Ou para não me achar bom demais ou ruim demais. Sei que deveriam ter este tipo de opiniões. Depois vieram o Hiran e o Clemer, ambos com dois metros. Daí era bom porque tinham assuntos para os dois lados. Ou porque era baixo, ou porque era alto demais. Sabia que sempre tinha [esse assunto] , mas isso nunca me atrapalhou. Até porque, se estava no Inter, é porque tinha condições. Nunca tive prejuízo com isso dentro de campo.