Topo

Decepção com futebol nacional faz brasileiros adotarem estrangeiros como primeiro time

Karlo Gabriel, vice-presidente da torcida Arsenal Brasil, em frente ao Emirates Stadium - Reprodução
Karlo Gabriel, vice-presidente da torcida Arsenal Brasil, em frente ao Emirates Stadium Imagem: Reprodução

Fabiano Alcântara

Do UOL, em São Paulo

06/03/2012 14h00

Houve um tempo em que o time de futebol para o qual se torcia era passado de pai para filho. Hoje, no entanto, os “vira-casacas” são internacionais e estão bem representados, por meio de sites e blogs. A internet é apontada como causa e grande provedora de bem mais que 15 minutos de fama, até mesmo para clubes de menor expressão mundial.

ROCK E AMOR À CAMISA

  • A designer de moda Luciana Leal, do blog FC St. Pauli Brasil

“O futebol internacional está cada vez mais na boca do povo brasileiro. Grandes portais cobrem o dia a dia dos clubes europeus e grandes redes de televisão  compraram os direitos de transmissão dos principais campeonatos europeus, bem como a Liga dos Campeões e Liga Europa”, afirma João Hugo Reis Costa, 25 anos, de Belém (PA). Responsável pelo site Manchester City Brasil, o jornalista  diz que o interesse no Brasil pelo clube passou por um “boom” com a ida de Robinho e Tevez para o time.

“Os dois fizeram com que o clube se projetasse na mídia brasileira, por serem ex-jogadores e ídolos de grandes times do Brasil, Santos e Corinthians, respectivamente. Hoje temos muitos torcedores no Brasil”, aponta. 

Na sua opinião, vários fatores fazem com que uma pessoa adote um time estrangeiro. “O maior deles é se o ídolo da pessoa joga no clube. Nos jovens, a questão de jogos de videogame como Fifa e Pro Evolution Soccer influencia. No caso do Manchester City, a maior influência aqui no Brasil pode-se dizer que é da banda Oasis, dos irmãos Gallagher. Temos um grande número de torcedores que começaram a torcer por influência da banda.”

A designer de moda Luciana Leal, 34, do blog FC St. Pauli Brasil, afirma encontrar algo no carismático clube da segunda divisão alemã, que anda em falta no futebol brasileiro. “No St. Pauli a gente consegue ver que eles defendem a camisa por amor mesmo porque a verba deles não é como a de outros grandes times, que contam com patrocínios milionários. Você não vê aquela coisa de 'somos estrelas e vocês meros torcedores', todos nos sentimos parte do time”, afirma.

Luciana ressalta também a posição política dos torcedores: “Além, claro, do lado rock ´n´ roll, que é uma coisa que chama muito a atenção e não fica apenas no campo esportivo, o time tem um engajamento político, principalmente pelo sua postura contra comportamentos retrógrados que parecem estar de volta à Europa com força, como xenofobia, fascismo e homofobia”.

PAIXÕES INTERNACIONAIS

Para Karlo Gabriel (ao centro), vice-presidente da torcida Arsenal Brasil, escolher time de fora é como morar em Belém do Pará e ser torcedor de time de São Paulo
João Hugo, do Manchester City: “Há muito torcedor 'modinha', que segue a mídia com o andar da carruagem, mas a internet fez com que juntássemos grandes torcedores"
Felipe Ferreira, fã do Schalke 04, diz que muitos o chamam de louco e compara a opção de clube estrangeiro a namoro à distância
O italiano Feliciano Lumini, do MIlan Brasil, ao lado do filho Hugo Lumini. Ele defende que o primeiro time de um brasileiro será sempre uma equipe local

A designer de moda, que mora em São Paulo, conta que enfrentou “estranhamento” de algumas pessoas pelo fato de ter escolhido um clube sem tanta expressão no futebol, mas que hoje  o St. Pauli já é mais popular, especialmente após ter jogado a temporada passada na primeira divisão.  

Também torcedor de um clube alemão, o Schalke 04, o estudante Felipe Ferreira, 14, de Araçatuba, interior de São Paulo, reconhece que o seu time é uma incógnita para muita gente por aqui. “Apesar de ser o time mais popular da Alemanha, não tem muita gente que o conhece no Brasil em função de estar há mais de 50 anos sem ganhar o título da Bundesliga”, afirma.

“Tem gente que procura times europeus pra torcer, a fim de ser diferente, mas muitos outros buscam pelo fato de as ligas europeias terem uma qualidade e uma organização maior, sem contar o nível de equilíbrio que a Bundesliga traz. Os estádios sempre lotados e a atmosfera da torcida são outros fatores que pesam para esta escolha”, opina Felipe.

João Hugo, do Manchester City,  concorda: “Há muito torcedor 'modinha', que segue a mídia com o andar da carruagem, mas a internet fez com que juntássemos grandes torcedores. Há algum preconceito sim. Na Inglaterra então nem se fale. Eles não aceitam torcedores de fora. Dizem que não somos tão torcedores quanto eles. Não podemos acompanhar o clube de perto, mas sentimos as mesmas emoções, as mesmas alegrias”, defende.

Iniciada como uma comunidade do Orkut, o Arsenal Brasil é a primeira torcida oficial de um clube inglês no Brasil na América Latina, segundo eles.  Para Karlo Gabriel, vice-presidente da torcida Arsenal Brasil e jornalista da revista de mesmo nome, a qualidade das ligas europeias é superior à nossa. “Os jogos são mais bem jogados, existem menos erros de arbitragem, os gramados são mais bem cuidados, os estádio estão sempre cheios. Tudo isso junto cria um interesse para quem gosta de futebol bem jogado e levado a sério.”

Voz distoante, para o italiano Feliciano Lumini, do Milan Brasil, no ar desde julho de 1997, o interesse dos brasileiros para o futebol internacional pode ser explicado pela oferta de jogos transmitidos pela TV. “As pessoas assistem aos jogos e acabam escolhendo um estrangeiro como segundo time. Mas, o primeiro fica sempre o brasileiro. Um são-paulino pode escolher, por exemplo, o Barcelona, mas o seu time do coração permanecerá sempre o São Paulo.” 

Felipe Ferreira, do Schalke 04, discorda. “Sou chamado de louco por amigos, pessoas que interagem comigo no Twitter muitas vezes criticam essa minha atitude e mandam eu acompanhar futebol brasileiro, mas, se tem muita gente que arruma namorado à distância, vê muito pouco e mesmo assim é apaixonado, por que não posso torcer para um time à distância?”, questiona.

Karlo Gabriel, do Arsenal, vai na mesma direção. “Virei torcedor depois que os campeonatos europeus chegaram ao Brasil. E já assisti a jogos ao vivo do Arsenal em Londres para comprovar que não é apenas uma paixão televisiva, existe realmente uma identificação com o clube e sua história. Na verdade seria como morar em Belém do Pará e ser torcedor de um time de São Paulo, não é muito diferente disso.”