Em boa fase na 3ª Divisão do Paulista, Juventus lota a Rua Javari, vence e faz a festa na Mooca
Uma partida do Juventus no estádio da Rua Javari, no bairro da Mooca, em São Paulo, já costuma ser um evento que ultrapassa o universo futebolístico. E se o estádio estiver lotado, se o time estiver jogando bem, se a torcida estiver inflamada, se a partida é decisiva para o Moleque Travesso e se o bairro estiver em festa junto com o seu clube, então assistir a este jogo torna-se uma experiência única.
Foi assim neste sábado, quando o Juventus bateu o Marília por 2 a 0 na Javari, diante de quase 4.000 torcedores cantando em festa, muitos sem parar, do início ao fim, em partida válida pela Série A 3 do Campeonato Paulista. Com a vitória, o clube praticamente garante uma das quatro vagas na A 2 com apenas um empate, faltando dois jogos para o final da penúltima fase do campeonato, e pode até perder e ainda se classificar, dependendo de outros resultados. O time é líder de seu grupo e favorito para se classificar à final.
Próximo assim do triunfo, o Juventus inflama a paixão bairrista do cidadão da Mooca. Os torcedores cantam pelo Juventus e pelo bairro, em um amor que se confunde e se espalha, de pai para filho, de vizinho para vizinho, chegando inclusive naqueles há poucos meses conheceram e adotaram o bairro.
Que o digam os irmãos Alex e Aden Lamounier, 32 e 35 anos, há dois e há cinco meses morando na Mooca. “Se eu torço para outro time? De jeito nenhum, só para o Juventus. Há dois meses, mas para sempre”, explica Alex, mineiro de São Francisco de Sales, mas que vem de Londrina (PR), onde torcia só para o LEC (Londrina Esporte Clube).
BARRA BRAVA BRASILEIRA
A torcida Setor 2 canta do início ao fim da partida
Veio para São Paulo por causa da profissão de arquiteto, e fez questão de morar na Mooca. “Eu também, se não fosse para morar na Mooca, eu não vinha”, completa o irmão Aden, que veio dar aula de história na capital, e que já foi são-paulino, mas hoje só quer saber do Juventus. Mas eles são minoria. A maioria ali é mooquense de segunda ou terceira geração.
Os dois mineiros, devidamente fardados sob as cores branca e grená, também vestiam boinas, à moda operária do começo do século passado. Assistem ao jogo na parte de trás do estádio, junto com a torcida Setor 2, que enaltece a tradição operária do bairro e do clube.
Com o Juventus vencendo desde os 41 minutos do primeiro tempo, com um gol de pênalti do artilheiro Tony, a Setor 2 canta o tempo todo, mas todos dizem que é sempre assim. A torcida se intitula a única torcida barra brava brasileira, torcendo à moda argentina, “Dá-lhe, dá-lhe, Juventus”, grita amor à Mooca e ao Juventus, critica a mídia e o futebol moderno, e assim vai criando naquela parte do estádio uma atmosfera que remete à Mooca da italianada socialista, anarquista e sindicalista que desembarcava e ajudava a fazer São Paulo no século passado.
PAIXÃO RECENTE
Os irmãos Alex (de boina grená) e Aden: mineiros há menos de um morando na Mooca, mas já apaixonados pelo Juventus e pelo bairro
Curiosamente, a maioria são jovens, muito jovens. Como o rapaz de 15 anos, se tanto, com uma tatuagem do Juventus no braço e um grito incessante saindo da boca. Ele fora à Marília (438 km da capital) na rodada anterior, ver o Moleque Travesso ganhar do time local por 5 a 3. A reportagem quer saber mais, mas mais ele não diz: “Odeio a mídia. E dá-lhe Juve!”.
A Setor 2 é uma das caras da torcida juventina, mas não a única. Ao fim do primeiro tempo, que terminou 1 a 0, as atenções se voltam para a cantina, onde são vendidos os famosos canoles, tradicional doce italiano e da Rua Javari. Naquela fila, a cara da Mooca, uma das caras de São Paulo. Pais, filhos, filhas, namoradas, famílias de grená riem e se abraçam enquanto esperam. Se existe clima familiar em estádio de futebol, está na Javari.
Familiar ao ponto da bancária Nayarama Santello se sentir à vontade para levar a filha Emily, de um ano e três meses, para ver o Moleque. Foram Nayarama, a irmã Natasha e a filha. “Meu pai está morando na praia, viemos nós três, a gente mora aqui do lado, e ela adorou”, conta a mãe, sobre Emily, que sorri sem parar, e só se assusta quando a torcida grita alto demais.
E a torcida grita. Grita muito quando o camisa 9, Rafael Magalhães, aos 29 minutos da etapa complementar, aumenta a vantagem do Juventus. Para alegria de Sérgio Mangiullu, o eterno presidente da torcida Ju Jovem, recordista em presença em jogos do Moleque e em entrevistas sobre o time.
PAIXÃO ANTIGA
Os mooquenses Antonio Carlos Segalla e Douglas Viaro: amizade de mais de 50 anos e amor eterno pela Mooca
“Hoje não dá para dizerem que nossa torcida cabe em uma perua. Em qual perua cabe todo esse povo?”, indaga o juventino de 60 anos, pai de outro juventino de 13, e de um palmeirense de 31. “É, verdade, infelizmente ele é palmeirense, mas claro que torce também para o Juventus. Já o mais novo é só Juventus mesmo, que nem eu”, garante Mangiullu, chefe de uma torcida que de jovem não tem nada, é a ala dos cabelos brancos e dos sem cabelos, mas que torce, pula e grita com o Juventus de modo a fazer jus ao nome.
O jogo termina e os jogadores vão ao alambrado comemorar junto com a torcida. Na próxima quarta tem jogo na Javari, à tarde, porque o estádio não tem refletor, e daí a festa pode ser a da classificação.
O técnico Luiz Carlos Ferreira, o Ferreira, vai dar entrevista para um solitário repórter na área de saída dos torcedores. Abraça crianças, mulheres e muitos senhores barrigudos e agradecidos. “Isso aqui é uma família, isso aqui não igual em lugar nenhum”, resume. E o estádio lotado, faz diferença? “A torcida abraçou esse time, faz com que os jogadores gostem de estar aqui, faz com que eu hoje diga que sou parte da família juventina”.
Já Rafael Magalhães, autor do segundo gol, chegado há pouco da Suécia, onde jogou, naquele frio, por dois anos e meio, define assim a atual fase do clube: “A torcida apoia a gente desde o começo, o técnico e a diretoria nos dão suporte e confiança, os funcionários fecharam com a gente para o que der e vier. Assim, fica tudo muito forte”.
Forte como a amizade de mais de 50 anos entre Douglas Viaro, 70, e Antonio Carlos Segalla, 68, este último pai do repórter. Nascidos e criados na Mooca, foram neste sábado à Rua Javari como já fizeram nem sabem quantas vezes. “E não tem uma vez que não seja ótima. Mooca é Mooca”.
PAIXÃO FUTURA
A pequenina Emily, em sua estreia na Rua Javari: sorriu bastante e não chorou nenhuma vez
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