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De costas para o campo, fotógrafo ignora gols para mostrar emoção dos torcedores

Fotógrafo vai a jogos de todas as torcidas. A cada mês, acompanha 7 ou 8 partidas - Gabriel Uchida
Fotógrafo vai a jogos de todas as torcidas. A cada mês, acompanha 7 ou 8 partidas Imagem: Gabriel Uchida

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

30/05/2012 06h00

Acompanhar a uma partida de futebol de costas para o campo pode ser tão belo quanto assistir ao jogo de olhos colados na bola. É isso que prova o jornalista Gabriel Uchida, que há cinco anos produz o blog Foto Torcida (www.fototorcida.com.br). Quase sempre de costas, acompanhando os torcedores pela lente de uma câmera fotográfica, ele capta a emoção das arquibancadas que não costumam aparecer em jornais e revistas (ou sites...).

“É um jornalismo participativo. Eu entro de cabeça, participo da festa. Os fotógrafos normalmente ficam atrás do gol, estão preocupados com o jogo. Eu estou na arquibancada, de costas para o campo. Muitas vezes, não vejo os gols, só a reação das pessoas. E eu estou no território dos torcedores. Sou um intruso ali. Sei que não estou no meu lugar. Por isso, o respeito aos torcedores tem de ser muito grande. Não quero expor ninguém, não quero atrapalhar. Só estou registrando o que está acontecendo”, conta Gabriel.

  • Gabriel Uchida

    "Procuro sempre respeitar o torcedor. Quando sinto que é o momento, abaixo a câmera. Ninguém gosta de ver a câmera no nariz com o time perdendo"

Torcedor do Santos, ele costumava acompanhar a equipe nos estádios. Como todo torcedor, ficava nervoso com cada passe errado e vibrava com os gols. Mas há cinco anos, aceitou o convite de amigos torcedores do Santo André para acompanhar um duelo contra a Portuguesa. “Como não era meu time que estava jogando, não estava nervoso, não me preocupei muito com a partida. Olhei para o resultado, gostei e tive a ideia de fazer algo com essas imagens. Eu sempre senti falta, como torcedor e como jornalista, de ver o ponto de vista da torcida. Procuro notícias, leio muito sobre futebol, mas achei muito pouca coisa com essa visão da arquibancada. Existe uma cultura de torcida por aqui, mas ela nunca foi retratada. Foi assim que bolei o projeto”.

Com a ideia na cabeça, a câmera na mão, Gabriel passou, então, a procurar o caminho para entrar no mundo das torcidas.  “Esse era o principal obstáculo. Existe um preconceito com a imprensa. Já vi casos complicados. Jornalistas expulsos da arquibancada. Até mesmo apanhando. Por isso, minha maior preocupação era como chegar até as torcidas. Eu já frequentava estádios, conhecia algumas pessoas e fui fazendo mais contatos. Fui chegando de mansinho, pedia licença para as lideranças, só entrava com autorização. No começo, as pessoas tinham receio. Em muitos momentos, abaixei a câmera. Quando seu time está perdendo de 6 a 0, ninguém gosta de ver uma câmera na frente do nariz”.

Aos poucos, os torcedores passaram a conhecer o fotógrafo. Hoje, ele não precisa mais procurar as pessoas para acompanhar as partidas. São os torcedores que vão até ele quando têm alguma novidade para compartilhar. “Hoje, as pessoas já ligam e me convidam para acompanhar os jogos importantes. Quando um bandeirão novo vai estrear, me chamam. Em alguns casos, chegam a pagar a minha passagem para que eu acompanhe a torcida nos jogos importantes. As torcidas gostam de ter visibilidade e não tem muita gente que faz isso por elas”.

Gabriel acompanha um ou dois jogos por semana, 6 ou 8 por mês. Tenta, sempre que possível, ir ao estádio de ônibus. “Eu faço o meu próprio caminho. E usando o transporte público, você já pode começar a registrar o que acontece no trajeto”.

"SOU SANTISTA E DESDE O COMEÇO DEIXEI CLARO ISSO PARA AS TORCIDAS"

  • Gabriel Uchida

Em cinco anos, claro, ele já esteve no meio de confusões. “Mas isso é mínimo perto do número de jogos que acompanho. Hoje, as brigas sérias não são na região do estádio, até porque o policiamento é maior. Elas acontecem longe”. Os maiores problemas, segundo ele, foram com a polícia. “Os policias têm mais receio de deixar você registrar as ações do que os próprios torcedores. É claro que existem incidentes. Algumas vezes, você está na arquibancada, o torcedor passa e te xinga. Mais de uma vez, quem me xingou no começo descobre quem eu sou e volta, pede desculpas. Mostra que o trabalho tem repercussão”, lembra.