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Mascotes do Corinthians sonham com vida de boleiro e querem fama, riqueza e mulheres

Crianças da escolinha do Corinthians torcem na arquibancada do Pacaembu - Leonardo Soares/UOL
Crianças da escolinha do Corinthians torcem na arquibancada do Pacaembu Imagem: Leonardo Soares/UOL

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

12/10/2012 06h00

Se você perguntar por que eles querem ser jogadores de futebol, o discurso politicamente correto estará na ponta da língua e sairá com bastante fluidez: “Porque eu sempre gostei de futebol, esse é meu maior sonho, e é importante ser feliz e fazer o que você gosta.”

Mas, se você insistir um pouco mais, alguém entrega. “Também tem o dinheiro, a fama, as meninas”, um deles confessa, se acabando de rir. Ninguém discorda.

O dedo-duro se chama Gustavo Aguado, tem 9 anos, e é o mais falastrão entre as mais de cem mascotes que entraram em campo com os jogadores do Corinthians na última quarta-feira contra o Flamengo, no Pacaembu.

“Eu não gostava muito de futebol, mas o meu pai me colocou na escolinha e agora tem umas cinco meninas do colégio no meu pé”, diz o garoto, sorriso de moleque, meião preto e chuteiras coloridas, na arquibancada do estádio.

MASCOTES DO CORINTHIANS REFORÇAM TORCIDA NO PACAEMBU

Ele e os amigos estão lá porque são alunos da escolinha oficial do Corinthians. Existem mais de cem espalhadas pelo país. A deles atende crianças e adolescentes na faixa dos 7 aos 17 anos.

“Eu não digo pras meninas que eu sou jogador de futebol”, contesta Marco Anthonio Garcia, 10 anos, um garoto louro de olhos vivos e curiosos. “Mas eu já prometi que ia fazer um gol para uma. Elas adoram.”

Em todo jogo do Corinthians em casa, um grupo dos meninos está lá na boca do túnel para tocar as mãos dos jogadores, pularem em seus ombros, puxarem seus cabelos, eventualmente derrubarem-nos no chão.

Mas seus olhos brilham mesmo quando falam do futuro que sonham para si. Nele, os garotos se projetam com o estilo de vida dos boleiros, que consideram figuras quase divinas.

Apontado como o atacante mais fominha da turma, Gustavo discursa: “Deve ser muito legal isso, você fazer um gol e todo mundo gritar seu nome, você ser conhecido no mundo todo. Eu quero jogar no Corinthians e depois no Barça e no Real Madrid. Mas o sonho de todo o jogador é chegar na seleção brasileira.”

SELEÇÃO NATURAL

Obviamente, todos eles ainda estão muito longe de virarem jogadores. Há uma teoria segundo a qual está ficando cada vez mais difícil o surgimentos de craques. 

COMO ENTRAR EM CAMPO COM O CORINTHIANS

Por causa da grande procura dos torcedores, o clube limita as possibilidades de ser mascote. Existem duas formas: ou a criança é filha de diretor, conselheiro ou jogador, ou ela está matriculada em uma das escolinhas Chute Inicial, marca licenciada pelo Corinthians.

Criados dentro de casa com todas as facilidades do mundo moderno à disposição, os meninos que nasceram no século 21 teriam mais dificuldades para adquirir o “repertório motor” necessário para se dar bem no futebol.

Em outras palavras, de tanta TV e videogame, a maioria das crianças de hoje não sabe se mexer tão bem quanto sabia há algum tempo.

“Existe um problema de geração”, define o professor Carlinhos Pimenta, que treina os meninos três vezes por semana. “Eles chegam para gente muitas vezes sem saber dar um chute, com pouca mobilidade, principalmente porque pararam de brincar na rua.”

As práticas ficam claras no discurso. Se você perguntar o que os projetos de craque querem ganhar no Dia do Criança, eles não vão responder bola, bicicleta, patins, skate, caneleiras, chuteiras... “Vou ganhar um Xbox”, decreta Gustavo. “E eu, R$ 150 para fazer o que eu quiser”, completa Marco Anthonio, que guarda alguns trocados por baixo do meião e os usa para comprar picolé no estádio.

COMPETIÇÃO vs COMPANHEIRISMO

Entre as cem escolinhas do Corinthians, existem aquelas cujo produto principal é o sonho de virar jogador. Por esse sonho, os pais pagam mensalidades superiores a R$ 100. Esses estabelecimentos ensinam futebol com rigor, participam de campeonatos regulares, promovem peneiras e incutem em seus alunos o espírito de competição necessário ao esporte de alto rendimento.

Outras escolinhas, cientes de que apenas uma ínfima parte da molecada vai efetivamente ser aproveitada em algum clube, preferem trabalhar valores como coletivismo, companheirismo e sociabilidade.

“Eu não gosto de jogar no ataque quando o Gustavo está em campo. Ele não toca a bola, só quer driblar todo mundo.” A acusação é feita por Marco Anthônio e confirmada por todos os outros. Gustavo não se defende da pecha de individualista. “Estou tentando melhorar. Quando eu fico muito com a bola, o tio para o jogo e me proíbe de dar mais de dois toques nela.”

Dentro de campo, as poucas vagas de atacantes são disputadas a tapa pelos garotos. São poucos os que desde cedo mostram habilidade para fazer gols. Os menos aptos são recuados para posições pouco nobres.

No caso dos corintianos, há os que se orgulham de jogar de volante, principalmente pela idolatria a Paulinho, ícone da posição e único alvinegro com presença constante na seleção brasileira. “Eu nunca quis ser atacante porque sempre gostei do Paulinho. Volante é bom porque pode defender e atacar””, afirma Yuri Rosini, 11 anos, um menino magrinho e aparentemente habilidoso.

Só não pode ser goleiro. No universo boleiro-infantil, poucas atitudes são tão reprováveis quanto acusar um coleguinha de goleiro. “Ele é goleiro, ele é goleiro”, apontam às crianças a um menino que encara o gesto como se tivesse ouvindo que usa calcinha.