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Poliglota, Betão "assusta" até criança na Ucrânia e planeja saída após se cansar da frieza local

Betão, zagueiro do Dínamo de Kiev; jogador fala fluentemente o russo - AFP
Betão, zagueiro do Dínamo de Kiev; jogador fala fluentemente o russo Imagem: AFP

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

08/11/2012 06h00

O ex-zagueiro e capitão do Corinthians Betão sempre foi do tipo de jogador mais politizado, um dos poucos exemplos que tentou conciliar estudos com o futebol. Cursou dois anos de fisioterapia, mas teve que parar. Hoje administra, paralelamente ao futebol, uma empresa de eventos.

Há mais de quatro anos no futebol da Ucrânia, no Dínamo de Kiev, o defensor de 28 anos procurou aprender tudo o que pôde culturalmente no país do Leste Europeu.


“Economicamente, quando cheguei, eles estavam mais estabilizados. Mas depois da crise de 2008, deram uma balançada. Mas é um país que vive dois extremos, uma minoria milionária e a maioria classe média baixa. A Ucrânia tem muito o que crescer e está crescendo. Eu vejo mudanças de quatro, cinco anos atrás”, comentou.

O defensor é um dos raros brasileiros que suportaram tanto tempo nos gelados países do Leste da Europa. Também ao contrário da maioria, consegue falar e entender russo sem dificuldades. Acrescentou o idioma ao inglês, no qual fez aulas quando criança, e ao espanhol, que conseguia se comunicar também por assistir muito a canais estrangeiros.

Diz também saber um pouco de francês e italiano por ter alguns companheiros de time de outros países. Procura se informar sobre o que acontece na economia local. O perfil do jogador, no entanto, até espanta parte dos ucranianos, já que o país viveu muito tempo fechado, quando ainda fazia parte da então União Soviética.

 

BETÃO ANTES DO DÍNAMO

  • Betão dá autógrafo no Corinthians em 2004

  • Betão treina no período em que atuou pelo Corinthians

  • Betão em sua passagem pelo Santos, em 2008

Betão diz nunca ter sofrido nenhum tipo forte de preconceito, mas se recorda do espanto que foi para uma criança ver que ele sabia falar a língua local.

“[Racismo] forte, forte, nunca aconteceu. Tem situações curiosas que não sei se é falta de cultura ou racismo. É curioso com criança, quando te vê e fica olhando. Uma vez, em um mercado, tinha uma criança com a avó e eu pedi licença em russo para elas. Ela falou ´olha vovó, o negro fala russo´. Acho que é mais uma falta de cultura deles”, recordou.

“Eu sou uma pessoa curiosa, diferente de muitos. Em seis meses eu já tentava falar [russo com outros]. Se eu errava, pedia pra alguém me corrigir. Cheguei e não tinha brasileiros no time. Fiquei três ou quatro meses assim. No primeiro dia, o goleiro falou: ´frente, trás, direita e esquerda´. Estava sem tradutor. Fiz uma meta de a cada semana decorar duas ou três palavrinhas. Hoje já consigo falar e entender 80%”, falou.

O ex-corintiano, que também jogou no Santos, já se cansou da aventura que dura quase cinco anos. Diz estar com saudades de um povo mais quente e negocia sua saída. Tem contrato até o meio do ano que vem e assim pode assinar com qualquer clube a partir de dezembro. Mas ressalta ter uma conversa com o presidente do clube para que seja liberado já no final do ano.

“Nós brasileiros estamos acostumados com calor das pessoas, receptividade boa, e aqui foge um pouco disso por tradição e costume. Em termos de contrato está pra acabar, em junho, mas agora no final do ano posso assinar pré-contrato. O presidente já sabe da minha posição, já falei com ele. Ele me ajudou bastante ao confiar no meu trabalho e já sabe da minha solicitação”, falou.

“Eu sou um cara extrovertido e comunicativo e eles [ucranianos] não são. É um povo fechado. O que eu sinto falta é alegria do povo, a maneira de se relacionar. Já pensando nisso, tenho pretensões de voltar ao Brasil. Temos isso bem definido. É momento de analisar o que venha a surgir. Claro que se surgir de um centro mais forte da Europa, é de se pensar, a volta ao Brasil não é descartada”, continuou.

Entre as coisas boas que leva da Ucrânia, Betão aprendeu a fazer mais uma função tática e passou a jogar também nas laterais. No jogo de terça, contra o Porto, pela Liga dos Campeões, jogou na lateral esquerda.

“Essa minha vinda pra cá me fez aprender melhor taticamente o futebol. Me fez ter experiências em outras posições. Não sei se tenho mais jogos como lateral direito ou esquerdo. Aqui você joga por fora e fechando,  sem ter obrigação de ir pro ataque. Claro que no Brasil se tiver que fazer lateral com obrigações de fechar, tranquilo”, comentou.

Betão foi formado na base corintiana e jogou lá de 2001 até 2007. Viveu grandes e maus momentos, como o título do Brasileiro de 2005 e o rebaixamento em 2007. Foi para o Santos em 2008, mesmo ano em que migrou para o Dínamo.

O zagueiro sempre teve sua imagem condicionada ao clube do Parque São Jorge, mas lembra que foi muito bem tratado no Santos e que não existe uma condição de jogar apenas no Corinthians se voltar ao Brasil. Atua em qualquer clube, sem distinção, desde que seja vantajoso para sua carreira.

“Talvez seja um equívoco [achar que só joga no Corinthians], não sei se é essa a palavra. Eu me identifico fácil com os clubes pelo meu trabalho. No Corinthians, eu me identifiquei porque não negava fogo pra nada, na fase boa e ruim eu estava lá. O torcedor gosta disso, independentemente de ser Corinthians. Quando cheguei no Santos havia desconfiança porque vim do Corinthians. Hoje o torcedor santista manda recado pra eu voltar. No Dínamo é a mesma coisa. A minha entrega em relação é trabalho”, falou.

“Digo equívoco porque tem gente que pensa que só volto pro Corinthians. E se o técnico ,diretor e presidente não me quiserem eu tenho que encerrar, parar? Tem identificação por trabalho, pelo que fiz. Mas não vejo problema jogar em clube nenhum, nenhum, sem restrição nenhuma”, continuou.