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Inglês se cura do vício em game de futebol e escreve livro sobre 20 anos "roubados" da vida

Detalhe da capa do "Football Manager 2013", a 20ª edição do famoso game de futebol - Reprodução/footballmanager.com
Detalhe da capa do "Football Manager 2013", a 20ª edição do famoso game de futebol Imagem: Reprodução/footballmanager.com

Francisco De Laurentiis

Do UOL, em São Paulo

30/11/2012 06h00

Imagine ficar tão obcecado por um game de futebol a ponto de terminar seu casamento. Ou vestir um terno para acompanhar seu time em uma final virtual de Liga dos Campeões. Todas essas loucuras (e muitas outras) aconteceram de verdade com pessoas que tiveram as vidas "roubadas" pelo Football Manager, o mais famoso jogo de gerenciamento de times de futebol que existe. Quem relata é o autor inglês Iain Macintosh, que escreveu um livro sobre o game após conseguir se curar do vício que o fez varar madrugadas na frente do computador.

O AUTOR

Nascido em 1978, o inglês Iain Macintosh é viciado em "Football Manager" desde que a primeira versão do game foi lançada, há 20 anos. Ele já escreveu cinco livros sobre os mais variados esportes, como críquete e golfe, além de "Football Manager Stole My Life". Atualmente, quer publicar um romance sobre futebol. Ele trabalha para o The New Paper, jornal de língua inglesa de Cingapura, na Ásia.

Football Manager Stole My Life: 20 Years of Beautiful Obsession ("Football Manager roubou a minha vida: 20 anos de uma linda obsessão"), escrito por Macintosh junto com os amigos Kenny Millar e Neil White, é um dos grandes sucessos de venda da Amazon, maior loja online de livros do mundo, em 2012. Lançado há menos de seis meses, o livro já está na quarta edição, o que deixou o ex-maníaco bastante surpreso. Em conversa com o UOL Esporte, Iain Macintosh disse que não sabia que havia tantas pessoas que tiveram a vida "roubada" pelo game.

HISTÓRIA 1: TRATAMENTO DE CHOQUE

  • Reprodução/footballmanager.com

    Preocupados com o fanatismo de um colega de dormitório da faculdade pelo jogo, dois estudantes resolveram usar tratamento de choque para curá-lo do vício. Eles amarraram o companheiro a uma cadeira, e, na frente de seus olhos, destruíram o CD do "Football Manager". Após alguns dias sem falar, o rapaz voltou a interagir socialmente e foi declarado "curado". "Era a única linguagem que ele entenderia", disseram os amigos "terapeutas".

"Eu e os outros autores vimos que nunca alguém havia contado a verdadeira história desse jogo e das pessoas que o jogam. Sabíamos que havia mais gente como nós, fanáticos por esse game, mas não tínhamos ideia de que havia tantas", conta Macintosh, que tentou explicar no livro como Football Manager viciou tantas pessoas ao redor do mundo (veja histórias nas fotos). e também como conseguiu escapar do game que consumia horas e horas de sua vida. Um jogo que, segundo ele, é tão viciante quanto bebidas alcoólicas ou drogas.

"Hoje, já nem jogo tanto, só algumas sessões de duas horas ao longo da semana. Depois que meu filho nasceu, raramente tenho tempo para jogar, o que acabou sendo uma coisa boa", diz o inglês. "Falei com um psicólogo especializado no assunto (vício em jogos de computador) e as conclusões a que chegamos foram terríveis: Football Manager pode ser tão perigoso e viciante quanto álcool e drogas", completa.

Iain Macintosh, de 34 anos, foi "vitimado" pelo jogo quando estava no colégio, em 1992. Segundo o autor, FM, como o game é conhecido, atrapalhou muito sua vida escolar: "Um amigo me emprestou a primeira versão do jogo, em 92, e eu vi na hora que aquilo iria revolucionar o mundo dos games. O jeito como o jogo te atraia para o universo fictício, e o fato de você ter que obrigatoriamente ganhar para ficar no time, me deixavam tenso, nervoso, ansioso. Consequentemente, minha vida escolar mergulhou na tragédia", brinca o inglês, que trabalha como correspondente para o The New Paper, de Cingapura.

HISTÓRIA 2: FM E A LOTERIA ESPORTIVA

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    O espanhol Juan Crial estava na pior. Desempregado, resolveu apostas suas economias na loteria esportiva. Como base, usou os resultados simulados  de uma rodada do Campeonato Espanhol no "Football Manager", jogo pelo qual também era fissurado. Foi um sucesso! Ele cravou 13 de 14 resultados e embolsou 7 mil euros.

Mesmo depois de se formar na faculdade e começar a trabalhar, Macintosh continuou tendo sua vida afetada pelo Football Manager. No auge do vício, quando virava a noite na frente do computador comandando seu amado Southend United, chegou até a vestir um terno para acompanhar a final da Liga dos Campeões fictícia a que ele conduziu sua equipe.

"Como muitas pessoas, sou muito supersticioso em relação ao futebol. Por isso, quando alcancei a final da Liga dos Campeões, o que foi muito difícil, coloquei um terno para acompanhar o jogo.Senti que a ocasião merecia. Mas esse foi o limite da minha loucura", conta o autor, que, de tão viciado, não acompanhava apenas as partidas de seu time no game. Além dos duelos do Southend, Macintosh assistia às simulações dos jogos das equipes adversárias (comandadas pela inteligência artificial do jogo), sempre em busca de novas contratações.

"Nessa época, eu fiquei maníaco por fazer scouts dos jogadores. Eu acompanhava todos os jogos da inteligência artificial, sempre observando jogadores que eu poderia contratar para a próxima temporada", relata. "Acho que eu exagerava um pouco", reconhece o ex-viciado.

HISTÓRIA 3: FM SALVA VIDAS

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    Viciado em FM, o russo Oleg mal podia esperar para jogar a versão 2011. Convidado pelos amigos para ir para a balada, ele declinou, ficando em casa com seu novo game. Mais tarde, a decisão mostrou-se acertada: seus amigos sofreram acidente de carro e foram parar no hospital. Oleg recebeu a notícia de madrugada, enquanto jogava.

DICAS PARA A SELEÇÃO BRASILEIRA

Para levar o pequeno Southend United à decisão da Champions League, nem que seja apenas uma final virtual, tem que conhecer bem o futebol. E Iain Macintosh não se intimida em dizer que entende do riscado. Ao saber que iria ser assunto em um veículo de mídia do Brasil, o inglês admitiu não conhecer muito dos clubes brasileiros, mas afirmou que acompanha de perto a equipe nacional, comandada agora por Luiz Felipe Scolari. Solícito, Macintosh aproveitou para dar dicas ao treinador para posicional Neymar e cia. em campo.

"Não conheço muito os clubes do Brasil, mas, naturalmente, cresci apreciando a seleção. O Brasil vem atravessando um período estranho. Fiquei com uma péssima impressão na Copa América, e, toda a força que eles trouxeram para os Jogos Olímpicos foi capaz de criar apenas alguns momentos de brilho", opina, antes de diagnosticar os problemas da escalação.

"O time não tem um elo entre os jogadores de defesa e ataque. Há um monte de atacantes que ficam parados, só observando e esperando a bola, para perder a posse quando recebem. Espero que (Mano) Menezes resolva isso, pois o mundo precisa de um Brasil forte. Até agora, no entanto, nada me convenceu que ele tenha capacidade de fazer isso", diz. Dito e feito: dias após a entrevista, Mano foi demitido da seleção.

HISTÓRIA 4: FM E PROBLEMAS CONJUGAIS

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    O inglês Mark Cooper teve diversos problemas conjugais devido ao amor por "Football Manager". Fanático pelo game desde 1993, ele sofreu com as acusações da esposa, que dizia que o jogo era como uma amante. Como vingança, ela sumiu com o CD e pediu divórcio. Melhor para Mark, que arrumou uma nova mulher, desta vez fã de "FM". Ela até lhe deu a nova versão do game de presente.

Apesar de gostar de palpitar, Iain Macintosh reconhece que só o fato de ser um craque no Football Manager não credencia alguém a treinar uma equipe de futebol de verdade. Apesar disso, alguns times parecem apostar nisso. Na última quarta-feira, por exemplo, o Baku, do Azerbaijão, anunciou a contratação de Vugar Huseynzade, 21 anos e gênio dos games, como treinador.

"Acho que o FM abriu os olhos de muitas pessoas sobre o gerenciamento de futebol, levando os treinadores a pensarem melhor a questão tática nos times. No entanto, o jogo não substitui de maneira alguma o futebol de verdade. Na vida real, não existem os atributos dos jogadores. Você tem de interagir com seres humanos, e FM ainda está longe de reproduzir isso", analisa.