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Após acidente, Adil sofre para conseguir trabalho e quer 'levantar a bandeira dos deficientes'

Adil, ex-jogador com passagens por Corinthians, Cruzeiro e Portuguesa, entre outros - Arquivo pessoal
Adil, ex-jogador com passagens por Corinthians, Cruzeiro e Portuguesa, entre outros Imagem: Arquivo pessoal

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

31/01/2013 06h00

A vida de Adil passou por uma reviravolta em 2000, quando o ex-ponta esquerda viajava por Minas Gerais no banco do passageiro de um BMW durante uma forte chuva.

Em ponto próximo de Rio Pomba (250 km de Belo Horizonte), o carro bateu em uma árvore num acidente que deixaria sequelas, mas que não tiraria de Adil a vontade mostrada nos tempos de atleta. “Quando acordei, não tinha movimento no corpo inteiro” lembra.

Adil, que já passou por Corinthians, Grêmio, Cruzeiro e Portuguesa, além de vários clubes do interior de São Paulo, ficou cerca de quatro meses internado. Passou boa parte do tempo sem movimento nenhum. “Saí do [hospital] Sarah Kubitschek como tetraplégico. Fiquei quatro meses só mexendo a cabeça e os olhos”, lembra. Ele teve uma lesão medular cervical de graus 5 e 6, que eram possíveis uma recuperação. Há outros casos em que o quadro é irreversível.

Depois do acidente, era incerto se ele teria ou não condições de voltar a se locomover normalmente. Tudo dependeria da evolução da recuperação. Mas o ex-jogador não desanimou. Se dedicou à fisioterapia e procurou bons especialistas. “Tudo que falar em fisioterapia eu fiz. Até competir em cavalo”, lembra Adil, que colocou na cabeça que superaria tudo da melhor maneira possível. Hoje, ele ainda anda com dificuldade. Precisa do apoio de uma muleta, mas já consegue até dirigir.

“Na verdade, era para eu usar duas muletas. Mas sou teimoso, né? E dirijo normalmente. Só não vou conseguir trocar o pneu do carro se furar. Aí complica. Mas nem penso nisso, se não nem saio de casa, né?”, falou, bem humorado.

O cenário, no entanto, não era dos melhores. Adil chegou a receber, assim que saiu do hospital, uma indicação do médico para que comprasse uma cadeira de rodas. Ele disse que não precisaria daquilo e cravou que conseguiria se locomover normalmente sem ela. “Falei que não era necessário porque iria lutar com unhas e dentes. Coloquei isso na cabeça”, lembrou.

“Não tive depressão, aborrecimento, nada. Aceitei tudo da melhor maneira possível. O que eu faria? Não adiantava ter rancor. Ia dar um tiro no ouvido? Isso não adianta. Se Deus me deu a chance de acontecer isso, eu tinha que suportar. Continuei como um cara muito feliz. Dificilmente alguém vai me ver aborrecido ou sem sorriso. Não sou revoltado com a vida. Gosto demais dela. Estou sempre passando conforto para as pessoas”, continuou.

Se trocou o possível aborrecimento pela superação, Adil só tem hoje um desconforto: estar parado em casa sem fazer o que tanto quer, que é trabalhar com o futebol. Vive em São João Nepumoceno (MG) e está há três anos sem trabalhar.

Chegou a exercer a função de dirigente no Tupi-MG, mas deixou o clube para resolver problemas particulares. Depois, não recebeu mais convites para trabalhar. Por isso fica em casa, inquieto, fazendo tarefas não tão agradáveis e na expectativa de poder excercer uma função de suporte em alguma equipe.

“Eu sou uma pessoa ativa, não consigo ficar parado”, falou, para depois explicar como tenta se safar do ócio. “Fico na minha casa e procuro fazer atividades de casa, passear com o cachorro, limpando piscina, varrendo e vendo jogos. Vejo às vezes dois, três jogos por dia. A Copa São Paulo vi todinha, vi todinha pela TV”, falou.

Adil quer voltar ao futebol e se vê com condições de ser um elo entre atletas, comissão técnica e a cartolagem do clube. Lembra que já foi capitão de vários clubes por onde passou, foi sempre marcado pela liderança e aprendeu a conduzir questões pessoais e de administração.

“Aprendi muito com a vida. Como conversar com diretoria, aquelas coisas que pessoalmente no interior acontece muito. Eu estava sempre na linha de frente, falava o que alguns não queriam. Tenho totais condições de estar no futebol. Não digo em um Corinthians, Flamengo ou Fluminense. Mas posso ensinar muito a clubes do interior, por exemplo. O amadorismo ainda impera no futebol brasileiro”, falou.

“Quero participar, lidando diretamente com o futebol. Participando da negociação. Captando recursos pra ajudar. Tudo isso. Onde podemos pegar meios pra uma contratação que está fora do parâmetro do clube? Eu aprendi muito. Tem três anos que não exerço função nenhuma, sinto falta do treinamento, de vivenciar aquilo. No dia seguinte levantar e ter aquela adrenalina do jogo, você acaba se sensibilizando com isso. Você volta a ter aquela adrenalina”, continuou.

Adil diz que o desconhecimento do mundo do futebol sobre sua real situação pode estar atrapalhando a ser lembrado para os cargos. Assim, volta a garantir que não há nada que o impeça de trabalhar. Está totalmente apto.

Pode ser que [isso atrapalhe] sim. Às vezes ficamos esquecidos no interior. Quem não é visto não é lembrado. Fui gerente de futebol do Tupi e acompanhei o time em todos os jogos. Fazia de tudo”, lembra.

Bandeira para os deficientes

Adil também se coloca à disposição para trabalhar em federações como  um representante que vai ajudar a fiscalizar as condições dos estádios para que pessoas deficientes tenham acesso diferenciado para assistir aos jogos de futebol.

Ele conta que já foi a vários locais que não possuem essa estrutura e que muitos deficientes querem estar presente em jogos, mas não vão porque não encontram facilidade.

“Não sabemos, por exemplo, se todos os estádios têm condições para deficientes. Esse seria um trabalho que gostaria de fazer em uma federação, por exemplo. Tenho acesso muito grande a cidades do interior. Às vezes a pessoa tem dificuldade de locomoção, tem dinheiro, gosta de futebol e não tem condições de ir pra esse local. Já vi cadeirantes em situações. Posso ser um defensor dessa bandeira.”