Topo

Padre estreia como árbitro em SP e promete equilíbrio contra palavrões do futebol

Padre Ramires vai conciliar a vida em igreja do Ipiranga com a missão de apitar futebol - Reprodução
Padre Ramires vai conciliar a vida em igreja do Ipiranga com a missão de apitar futebol Imagem: Reprodução

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo

31/01/2013 06h00

Imagine uma cena clássica do futebol. Jogadores dos dois times discutindo a marcação da arbitragem. A bola parada, esperando ser chutada. A torcida fervendo na arquibancada, quase invadindo o gramado. Tenso? Agora coloque um padre no meio dessa confusão. Sim, um padre. E na função de árbitro. 

Em São Paulo, o religioso Ramires Henrique de Andrade pode se deparar com os desafios da mais patrulhada função dos gramados. Ele acaba de se formar juiz de futebol e fará sua estreia na temporada 2013.

Sacerdote responsável pela Paróquia de São José, no bairro do Ipiranga, capital do Estado, padre Ramires se formou no curso de preparação da FPF (Federação Paulista de Futebol) no fim do ano passado. A partir de fevereiro, ele deve aparecer em escalas de partidas de divisões menores, no princípio de trajetória convencional de um árbitro iniciante. O novato diz estar pronto para o lado mais bruto do futebol, inclusive para os diálogos mais ríspidos.

"Como padre, ouço muitas histórias, no sacramento e no contato com a comunidade. Coisas boas e coisas difíceis da realidade das pessoas. Claro que no campo de futebol, na relação com o jogador e com a torcida, você precisa ter uma outra disposição interior. Você tem que ter uma frieza, um equilíbrio para se adaptar a essas situações", afirma o novo árbitro de 31 anos.

PADRE FALA SOBRE LIDAR COM PALAVRÕES E FAMA

Padre Ramires viu nascer a paixão pela arbitragem quase paralelamente ao despertar da vocação religiosa. Pouco antes de ingressar no seminário, o adolescente fã de futebol já apitava partidas amadoras em sua cidade, Tocos do Moji, no sul de Minas Gerais.

"Sempre faltava quem iria apitar. Talvez por esse espírito de liderança, por gostar muito de futebol e por assistir a muitos jogos, eu tinha já uma boa noção. Lembro até do meu primeiro apito, de quando eu consegui ele. Lembro que os cartões eu confeccionava em casa mesmo, o amarelo e o vermelho. São ocasiões muito agradáveis", diz o padre, que encarou preparação de um ano e meio, passando por três testes teóricos e outros três práticos.

No entanto, a retomada do sonho de árbitro teve de esperar alguns anos, até a estabilidade da vida na Igreja Católica. Para ir ao universo do futebol, contou com a anuência dos clérigos superiores da congregação de religiosos de Nossa Senhora do Sion.

A expectativa de padre Ramires é dar os primeiros passos na arbitragem paulista nas categorias sub-11 e sub-13. Mas o horizonte do religioso é comum a qualquer iniciante no apito e aponta no futuro para os palcos mais importantes, com o desejo de mediar grandes clássicos.

Com 92 anos, a Paróquia São José é a igreja mais antiga do Ipiranga e lida com a demanda média de 200 casamentos por ano. No domingo são cinco missas, em agenda que tem padre Ramires à frente de pelo menos duas delas.

Com esta rotina, o novo árbitro da Federação Paulista diz que ainda não sabe como conciliará as duas atividades. Padre Ramires afirma que começará a adaptar sua agenda assim que as primeiras escalas saírem.

"A paróquia tem uma vida bastante intensa, uma vida pastoral, comunitária, é uma das igrejas que mais celebra matrimônios na cidade de São Paulo, é a mais antiga do bairro. Para mim é uma experiência nova. Oficialmente ainda não comecei a apitar, vou passar por um período de estágio. Estou aberto a descobrir esse novo, ver como conseguir equilibrar para viver esses dois momentos bonitos que estão diante de mim", declara. 

O árbitro estreante afirma ver na sua condição de padre em campo uma oportunidade de mudar a imagem geralmente negativa dos juízes. Também diz acreditar que eventualmente pode até levar conceitos evangelizadores para os jogadores.

Apesar de a Fifa coibir manifestações de fé dentro de campo, principalmente depois da reza coletiva da seleção na Copa de 2002, o padre do Ipiranga diz entender que eventuais gestos de conotação religiosa devem ser encarados com naturalidade.